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Animais predadores: por que não eliminá-los da natureza?

#Ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Perspectiva: Porque remover carnívoros pode manter ou aumentar riscos para animais domésticos?

Sobre
● Categoria: Artigo – revista Biological Conservation
● Título Original: Perspective: Why might removing carnivores maintain or increase risks for domestic animals?
● Ano de publicação: 2023
● Link do artigo original: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0006320723002070

Ursos, lobos, raposas, onças pintadas e pardas, quatis e cachorros-do-mato são exemplos de animais que pertencem à ordem dos carnívoros. Estes animais carnívoros podem se alimentar de uma diversa gama de alimentos, incluindo outros animais. Porém, apesar de predarem animais selvagens, há casos de predação de animais domésticos, como os animais de produção (galinhas, gado, cavalos e carneiros). Esse tipo de predação pode gerar conflitos com os humanos, que por sua vez, normalmente vêem como solução a morte do animal carnívoro envolvido no conflito.

animais carnívoros predadores
Figura 1. Esquema da classificação biológica e exemplos de espécies da ordem dos carnívoros. Produção própria.

A caça por retaliação ou prevenção, uma prática ilegal no Brasil, é uma medida por vezes empregada por proprietários que tem seus animais mortos por alguma destas espécies de carnívoros. O artigo “Perspectiva: Porque remover carnívoros pode manter ou aumentar riscos para animais domésticos?” dos pesquisadores Mark Elbroch e Adrian Treves discute a eficiência desta estratégia, até mesmo quando usada como medida de manejo pelo  próprio governo (em outros países que não o Brasil) para reduzir conflitos entre humanos e animais selvagens. 

animais predadores carnívoros
Figura 2. Esquema exemplificando a caça por retaliação ou prevenção, medida ilegal no Brasil e que por vezes é empregada por proprietários que têm seus animais domésticos mortos por algum predador. Produção própria.

 

Introdução

O abate de animais carnívoros envolvidos em conflitos com proprietários de animais domésticos de produção (embora ilegal em vários países) pode ser vista, por algumas pessoas, como uma forma de resolver a situação. No entanto, evidências sugerem que a remoção destes animais pode não impactar nas verdadeiras causas do conflito e  pode, ainda, aumentar o problema. Isso se deve ao fato do abate não eliminar necessariamente o indivíduo específico envolvido no conflito ou por causar modificações nas relações entre os animais presentes na região. Pesquisas científicas realizadas com onças pardas, lobos e coiotes, sugerem que a remoção desses animais pode, na verdade, aumentar o risco de predação de animais domésticos. 

Desenvolver experimentos que testem a eficácia de uma estratégia de manejo que envolva o abate de carnívoros é uma questão bastante complexa por envolver uma série de fatores, como por exemplo:

  • eventos de predação podem ser difíceis de prever e de estabelecer se, de fato, foram um evento de predação (em que indivíduos de uma espécie, os predadores, matam e se alimentam de outra, as presas);
  • ocorrem em áreas muito extensas em que há interações complexas entre múltiplos fatores;
  • questões éticas, como matar carnívoros para testar a hipótese ou deixar animais desprotegidos para testar o risco de predação. 

Pensando nesse contexto, os pesquisadores Mark Elbroch e Adrian Treves escreveram um artigo para estimular discussões sobre as possíveis consequências do abate de carnívoros como estratégia para reduzir conflitos com os proprietários de animais domésticos de produção.  Os autores deixam claro, que a argumentação não é contra a remoção de indivíduos que são uma ameaça para a segurança das pessoas e animais domésticos, mas sim encorajar o teste de hipóteses relacionados a esta temática e a ações com proprietários de animais domésticos que incluem discussões sobre as possíveis consequências de matar um animal da ordem dos carnívoros.  

Elbroch e Treves apresentam cinco hipóteses, não mutuamente exclusivas, de mecanismos biológicos que podem explicar porque o abate de carnívoros pode falhar ou até aumentar o risco de conflitos. É importante notar que os autores assumem que, aumentando a taxa de encontros entre carnívoros e animais e produção, maior seria o risco de predação. 

 

HIPÓTESE 1:  O abate de espécies de carnívoros pode aumentar a densidade destes animais na área e modificar a dinâmica etária dos indivíduos inseridos na rede social local. Estas mudanças podem aumentar a taxa de encontros com animais de produção.  

Há casos de animais carnívoros que podem aumentar o tamanho da sua ninhada ou reduzir a idade média de maturidade sexual das fêmeas em resposta a altas taxas de mortalidade (por exemplo o chacal-de-dorso-negro), levando ao aumento da natalidade desses animais. Além disso, novos animais carnívoros podem migrar para a área do(s) indivíduo(s) removido(s) ou mudar seus territórios para incluir a área “vaga”. Estes novos imigrantes podem ser animais mais jovens que estão procurando áreas para estabelecer seus territórios, podendo alterar a dinâmica de competição por recursos entre animais da mesma espécie. Há evidências de que estes animais mais jovens interagem com maior frequência com humanos e animais domésticos do que indivíduos mais velhos. 

HIPÓTESE 2. Novos carnívoros (imigrantes ou antigos vizinhos) não estão familiarizados com a paisagem e distribuição de presas. Movimentos exploratórios derivados deste desconhecimento podem aumentar a chance de encontro com animais domésticos. 

Carnívoros residentes geralmente preferem presas selvagens às domésticas (onças pardas, por exemplo, matam presas domésticas de forma oportunística). Carnívoros que não estão familiarizados com os padrões de distribuição e atividade de suas presas selvagens podem andar mais para procurar comida e experienciar situações de estresse, o que pode aumentar as chances de encontro com animais domésticos. 

HIPÓTESE 3. O abate de indivíduos de carnívoros pode desestabilizar relações de cooperação e organização social entre carnívoros da região. A instabilidade social pode levar a mudanças comportamentais que impactam a chance de encontros com animais domésticos. 

Algumas mudanças sociais podem influenciar indiretamente diversos comportamentos que podem levar a maiores chances de encontro de predadores com animais domésticos. Por exemplo, um grupo de carnívoros sociais que perdeu um membro chave pode ficar mais vulnerável a ataques de grupos rivais. Como resultado, pequenas coalizões de indivíduos podem acabar machucados ou podem precisar se deslocar. Estes fatores podem fazer com que animais de produção se tornem presas mais atrativas. 

HIPÓTESE 4. Redução na distribuição e abundância de uma espécie de carnívoro pode influenciar a distribuição e abundância de outra espécie dessa mesma ordem, resultando em maior taxa de encontros com animais domésticos. 

Geralmente, há mais de uma espécie de animais carnívoros em um local. Em sistemas com múltiplos grandes carnívoros, a presença de um afeta o outro (por exemplo, a presença de onças pardas afeta a de lobos; a de tigres a de leopardos, e assim por diante…). Assim, matar um predador dominante (por exemplo, uma onça parda) pode levar outras espécies de carnívoros menores (como a jaguatirica) a se alimentarem de uma maior quantidade de animais domésticos do que o predador que vivia ali anteriormente. Em resumo, a retirada de um carnívoro dominante, pode levar a mudanças de comportamento e também ao aumento da população de predadores menores, que por sua vez passam a predar os animais domésticos. 

HIPÓTESE 5. A remoção letal de carnívoros pode causar mudanças no comportamento de presas selvagens e animais domésticos, de forma que animais de produção fiquem mais vulneráveis à predação. 

A Teoria de Alocação de Risco assume que espécies de presa podem detectar a presença ou ausência de carnívoros residentes e que eles adaptam seus comportamentos e distribuição para minimizar a chance de encontro com esse predador.  Quando um carnívoro é removido, presas selvagens e domésticas podem se tornar mais vulneráveis à predação por novos outros carnívoros, por detectarem a ausência dos animais predadores ali residentes e diminuírem seu estado de alerta em relação aos mesmos. 

Conclusão

O abate, por vezes, é percebido como a melhor medida para reduzir o risco de predação de animais de produção. Mas, como as relações entre predador e presa e entre humanos e vida selvagem são mais complexas do que parecem, existem prováveis consequências negativas para os proprietários de animais de produção e, com toda a certeza, existem consequências negativas para os animais carnívoros em questão, a biodiversidade e o ecossistema local. 

Nesse sentido, os autores do artigo aqui adaptado, terminam o mesmo encorajando que estas consequências sejam amplamente divulgadas e livremente discutidas quando existe a proposta de se abater animais predadores como medida de manejo, para evitar essa medida e suas consequências desastrosas para o ambiente, e demonstrando os benefícios de se viver em um ecossistema intacto e em harmonia com os animais carnívoros. Promovendo, assim, um espaço para conservação democrática, que inclui pontos de vista e objetivos que reflitam diferentes contextos presentes no ambiente em questão.

 

Colaboradora:

Bruna Lima Ferreira sobre a autora

Bruna é bióloga e mestre pela USP e pesquisadora colaboradora do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC). É fascinada pelas relações que as pessoas têm com a natureza e pela busca de estratégias que promovam comportamentos mais sustentáveis e a reaproximação (e valorização) da sociedade e natureza. Acredita no papel da popularização científica e ensino de ciências para construção de uma ciência democrática.

 

Artigo Original:

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Perspective: Why might removing carnivores maintain or increase risks for domestic animals?”, publicado pela revista Biological Conservation em maio de 2023, de autoria de Elbroch, L. M e Treves, A. O artigo original pode ser acessado em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0006320723002070

 

(Editoração: Nathália A. Khaled)

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