Image default

A importância da fermentação na civilização humana

#Ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Fermentação: a ferramenta biotecnológica mais antiga da humanidade

Sobre
● Categoria: Artigo – revista Frontiers for Young Minds
● Título Original: Fermentation: Humanity’s Oldest Biotechnological Tool
● Ano de publicação: 2021
● Link do artigo original: https://kids.frontiersin.org/articles/10.3389/frym.2021.568656

RESUMO

Fermentação é um processo no qual açúcares são transformados em um novo produto através de reações químicas conduzidas por microrganismos. Desde tempos ancestrais, humanos têm se aproveitado do processo de fermentação natural para desenvolver vários produtos, incluindo alimentos, remédios e combustíveis. Neste artigo, nós trazemos um olhar apurado à história da fermentação, demonstrando o porquê deste processo natural ser a ferramenta biotecnológica mais antiga da humanidade. Este artigo ajudará você a entender os diferentes tipos de fermentação e usos atuais do processo de fermentação.

 

A importância da fermentação para a civilização humana

A fermentação é um processo natural que converte açúcares em produtos que podem ser úteis aos seres humanos. A história da fermentação começa já em 10.000 a.C., quando a primeira civilização humana emergiu numa região chamada crescente fértil (hoje Oriente Médio). As pessoas daquela época não tinham o conhecimento científico de hoje, mas ainda eram capazes de analisar o mundo e desenvolver tecnologias.

Carl Sagan, um famoso cientista, disse certa vez que toda criança começa como um cientista nato. Isso significa que todos podem desenvolver ferramentas que possam melhorar a vida humana! Não é incrível? Os humanos antigos provaram esta afirmação, ilustrada pelo desenvolvimento de uma das ferramentas mais importantes da biologia: a fermentação.

Desde a antiguidade, a fermentação tem sido utilizada como ferramenta principalmente para preservação de alimentos. A partir de cerca de 5.000 a.C., os sumérios e os egípcios produziram muitos alimentos por fermentação, como pão, vinho e cerveja. Eles não tinham conhecimento para explicar exatamente como esses produtos eram feitos, nem por que acontecia a fermentação. Portanto, eles comumente viam a fermentação como um milagre proporcionado por seus deuses. Você consegue imaginar um mundo com tão poucas explicações?

No século XIX, o cientista Louis Pasteur propôs que a fermentação ocorre devido à presença de microrganismos.  Os microrganismos, incluindo bactérias e leveduras, são pequenas células vivas que não podemos ver a olho nu. Pasteur também descobriu que diferentes bactérias realizam diferentes tipos de fermentação. A partir disso é possível obter diversos produtos finais, como será visto na terceira sessão deste artigo.

O uso da fermentação é um dos principais fatores que contribuem para o desenvolvimento da humanidade. Na verdade, pode ser considerado o primeiro uso da biotecnologia. Biotecnologia é o uso de sistemas vivos ou organismos vivos para desenvolver uma tecnologia.

A fermentação nos mostra que os microrganismos podem ser um grande recurso biotecnológico. Hoje, esse processo continua a ser essencial para muitas das indústrias que sustentam a sociedade humana, tal como era em 10.000 a.C.! Por exemplo, a crescente população mundial criou uma procura por alimentos, o que fez com que a fermentação fosse utilizada numa escala muito maior para satisfazer as novas necessidades alimentares. Desde o momento em que foi desenvolvida, a tecnologia de fermentação avançou consideravelmente e tornou-se extremamente importante para a cadeia alimentar mundial [1].

 

Como acontece a fermentação?

Você já pensou no que significa respirar? A respiração é como as células obtêm energia para permanecerem vivas, usando oxigênio (O2). É difícil pensar em estar vivo sem respirar, não é mesmo? Bem, este é o caso de algumas pequenas criaturas! Muitos microrganismos podem crescer e viver sem utilizar O2, e isto é possível graças à fermentação.

A fermentação é um processo no qual os açúcares são usados ​​para gerar energia para as células vivas. Além disso, essa energia é obtida sem a necessidade de O2, pois utiliza via anaeróbica. Assim, representa uma forma alternativa de obtenção de energia! Os microrganismos fermentadores e seus subprodutos definem o tipo de fermentação.

Existem dois tipos principais de fermentação, chamados fermentação de ácido láctico e fermentação alcoólica (Figura 1) [2]. Ambos os tipos de fermentação são essenciais para muitos propósitos úteis para os seres humanos. Assim, compreender esses processos de fermentação é fundamental para melhorar a produção de muitos produtos valiosos [3].

fermentação
Figura 1. (A) Vários microrganismos são comumente usados ​​para realizar a fermentação do ácido láctico, quebrando um açúcar chamado lactose. (B) Leveduras são comumente utilizadas para realizar a fermentação alcoólica, começando com um açúcar chamado glicose.

A fermentação do ácido láctico começa com um açúcar chamado lactose (Figura 1A). Alguns microrganismos, conhecidos como bactérias lácticas, utilizam a lactose para obter energia. A fermentação de uma molécula de lactose produz duas moléculas de ácido láctico, duas moléculas de ATP (a fonte de energia mais útil nos seres vivos) e duas moléculas de água. Bactérias chamadas Lactobacillus são as espécies mais comuns utilizadas nas indústrias para fermentação de ácido láctico.

Você se lembra de como dissemos que os povos antigos usavam a fermentação para conservar os alimentos? Hoje sabemos que isso é possível devido à produção de ácido láctico, que inibe o crescimento de outros microrganismos, evitando que bactérias indesejáveis ​​apodreçam os alimentos.

A fermentação alcoólica é utilizada por leveduras, fungos e algumas bactérias. Ele usa um açúcar chamado glicose (Figura 1B). A fermentação de uma molécula de glicose produz duas moléculas de ATP, duas moléculas do álcool chamado etanol, duas moléculas de CO2 e duas moléculas de água. O microrganismo mais comum utilizado nas indústrias para fermentação alcoólica é a levedura Saccharomyces cerevisiae.

Um fato curioso sobre a fermentação alcoólica é que a produção do gás CO2 durante a fermentação alcoólica é o que deu nome a esse processo. A palavra “fermentação” vem da palavra latina “fervere”, que significa fervura. As bolhas de CO2 produzidas durante o processo de fermentação fazem com que o líquido pareça estar fervendo. Você pode observar a fermentação acontecendo em casa com o experimento simples descrito na Figura 2.

fermentação
Figura 2. Você pode observar a fermentação em casa com este experimento simples. (A) Misture água morna, fermento e açúcar em uma jarra ou frasco com gargalo pequeno. (B) Coloque um balão sobre a boca do frasco. (C) Após alguns minutos, você deverá ver o balão inflar devido à formação de gás CO 2 através da fermentação do açúcar pela levedura.

 

Usos biotecnológicos para fermentação

Você percebe que a fermentação está em toda parte (Figura 3)? Graças a esse processo biotecnológico extremamente antigo, podemos comer pães fofinhos ou deliciosos iogurtes. Existem muitos usos para fermentação relacionados com alimentos.

Você já deve ter ouvido falar sobre o kefir, que é um laticínio produzido pela fermentação do leite. É feito a partir de tipos específicos de microrganismos, que produzem um produto cremoso que lembra o iogurte. Também é comum fermentar vegetais, como o repolho no chucrute e o kimchi, e isso pode produzir novos sabores incríveis. Por último, a produção de queijo, que muita gente adora, tem a fermentação como etapa fundamental [4].

fermentação
Figura 3. Esquema geral dos tipos de fermentação. (A) Na fermentação do ácido láctico, o açúcar lactose é transformado por bactérias como os Lactobacillus em produtos finais úteis, como ácido acético (vinagre), produtos lácteos fermentados (kefir, iogurte e queijo) e probióticos. (B) Na fermentação alcoólica, a glicose é transformada pela levedura Saccharomyces para produzir produtos como pães, remédios e biocombustíveis.

Existem três razões principais pelas quais a fermentação é importante para a produção de alimentos: aspectos transformadores, preocupações com a saúde e o prazer das nossas papilas gustativas. Por aspectos transformadores, entendemos a mudança de uma coisa – farinha, por exemplo – num produto que as pessoas desejam, como o pão.

Se um padeiro tentasse fazer pão sem usar fermento, o produto final teria uma consistência dura e pesada, em vez de ser fofo como esperamos que o pão seja. O gás CO2 produzido pela fermentação é fundamental para a textura e sabor do pão. Você já pensou que alguns microrganismos poderiam nos tornar mais saudáveis? Bem, probióticos são produtos capazes de fazer exatamente isso.

Os probióticos são microrganismos capazes de melhorar o bem-estar e a saúde intestinal. Ao fermentar os alimentos em nosso intestino, essas bactérias amigáveis ​​são capazes de crescer e inibir o crescimento de patógenos, resultando em um trato gastrointestinal mais saudável. Por fim, a fermentação pode agradar às nossas papilas gustativas, pois esse processo cria sabores novos e complexos, como os do iogurte e do queijo [5].

Além de seus usos no processamento de alimentos, a fermentação tem muitas outras aplicações biotecnológicas. Os cientistas utilizam a fermentação para produzir alguns dos medicamentos que tomamos quando ficamos doentes, tais como medicamentos que podem destruir ou inibir o crescimento de bactérias e vírus nocivos (antibióticos e medicamentos antivirais). Por exemplo, foi durante o processo de fermentação que fungos do gênero Penicillium produziram um dos primeiros antibióticos a serem descobertos, a penicilina, que salvou muitos milhares de vidas [6].

Você já imaginou micróbios sendo usados ​​para produzir combustíveis? Quando as pessoas colocam etanol em seus carros, elas desfrutam de mais um benefício da fermentação microbiana. Etanol combustível é biocombustível, uma alternativa à gasolina considerada uma fonte renovável de energia. Ou seja, pode ser reabastecido rápida e infinitamente sem a necessidade de perfurar para obter petróleo como fonte.

Então, de que é feito o etanol? O etanol pode ser produzido a partir de uma ampla variedade de plantas, como milho, cana-de-açúcar ou beterraba sacarina. Isso ocorre porque essas plantas contêm açúcares que podem ser usados ​​por algumas leveduras e bactérias para fornecer energia. Quando os microrganismos decompõem os açúcares sob baixos níveis de oxigênio, esses açúcares são convertidos em etanol por meio da fermentação [7].

Fermentação:

Espalhe a Palavra!

Neste artigo você aprendeu o que é fermentação e a importância desta ferramenta biotecnológica durante o desenvolvimento da humanidade. Você também aprendeu sobre vários produtos importantes criados com a ajuda da fermentação, tanto nas sociedades antigas quanto nas modernas. Da próxima vez que vir ou utilizar um produto criado com a ajuda da fermentação, não deixe de partilhar esta informação com a sua família e amigos, para que também eles possam apreciar a vasta utilidade da ferramenta biotecnológica mais antiga da humanidade.

 

Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora

Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.

 

Artigo Original:

O texto apresentado é uma adaptação do artigo Fermentation: Humanity’s Oldest Biotechnological Tool”, publicado pela revista Frontiers for Young Minds em Outubro de 2021, de autoria de Taveira, I., Nogueira, K., Oliveira, D., e Silva, R.

Referências:

[1] ↑ Paul Ross, R., Morgan, S., and Hill, C. 2002. Preservation and fermentation: past, present and future. Int. J. Food Microbiol. 79:3–16. doi: 10.1016/S0168-1605(02)00174-5

[2] ↑ Nelson, D. L., and Cox, M. M. 2013. Lehninger Principles of Biochemistry. 6th ed. New York, NY: W. H. Freeman and Company.

[3] ↑ Marco, M. L., Heeney, D., Binda, S., Cifelli, C. J., Cotter, P. D., Foligné, B, et al. 2017. Health benefits of fermented foods: microbiota and beyond. Curr. Opin. Biotechnol. 44:94–102. doi: 10.1016/j.copbio.2016.11.010

[4] ↑ Sanlier, N., Gökcen, B. B., and Sezgin, A. C. 2019. Health benefits of fermented foods. Crit. Rev. Food Sci. Nutr. 59:506–27. doi: 10.1080/10408398.2017.1383355

[5] ↑ Zhao, C. J., Schieber, A., and Gänzle, M. G. 2016. Formation of taste-active amino acids, amino acid derivatives and peptides in food fermentations – a review. Food Res. Int. 89:39–47. doi: 10.1016/j.foodres.2016.08.042

[6] ↑ Rahman, M. 2013. Medical applications of fermentation technology. Adv. Mater. Res. 810:127–57. doi: 10.4028/www.scientific.net/AMR.810.127

[7] ↑ Sebayang, A. H., Masjuki, H. H., Ong, H. C., Dharma, S., Silitonga, A. S., Mahlia, T. M. I., et al. 2016. A perspective on bioethanol production from biomass as alternative fuel for spark ignition engine. RSC Adv. 6:14964–92. doi: 10.1039/C5RA24983J

 

(Editoração: Fernando F. Mecca e Nathália A. Khaled)

Postagens populares

Crenças e atitudes sobre tubarões e as implicações para sua conservação

IDC

Animais predadores: por que não eliminá-los da natureza?

IDC

Sherlock Vespa: seguindo pistas para encontrar alimento

IDC

Anfíbios como bioindicadores de poluição

IDC

O cérebro emocional

IDC

O que as moscas nos dizem?

IDC