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Afinal, o que são células-tronco?

Para muitos pacientes, as células-tronco são a promessa para o tratamento e até mesmo a cura para muitas doenças e lesões até então irreversíveis. As células-tronco são encontradas em diversos tecidos humanos, e seu uso para fins terapêuticos vem crescendo com os avanços científicos. Seu uso possibilita o tratamento de problemas crônicos, como as doenças cardiovasculares e neuromusculares, o mal de Parkinson, alguns tipos de câncer, diabetes e até traumas da medula espinhal. Porém, as pesquisas utilizando essas células são cercadas de informações erradas e opiniões equivocadas, juntamente com uma legislação que dificulta o avanço dos estudos nessa área.

 

O que são?

Relembrando, as células são as estruturas básicas de um organismo, a menor unidade funcional do corpo dos seres vivos, que juntas formam os tecidos, que irão compor os diferentes órgãos. Todas as células do organismo se originam de uma única célula, o zigoto, resultante da fusão de um óvulo com um espermatozoide. Logo após a fecundação, o zigoto começa a dividir-se, em duas, quatro, oito células… assim por diante. Ao longo do desenvolvimento, essas células começam a tornar-se diferentes uma das outras e ter funções e destinos específicos, dando início a formação do organismo completo. Uma vez diferenciadas, as células somáticas perdem a capacidade de originar outro tipo de tecido, e suas descendentes vão manter as suas mesmas características.

Em contraste, as células-tronco possuem as capacidades específicas de divisão contínua e a de diferenciação. A divisão contínua, ou auto replicação, é a capacidade de sempre se multiplicar e gerar novas células iguais a si. Já a diferenciação é capacidade da célula se transformar em diversos outros tipos de células, formando seus respectivos tecidos e órgãos (músculos, ossos, sangue, nervos etc.).

Imagem: https://www.infoescola.com/

Existem três diferentes tipos de células-tronco. Durante o desenvolvimento do embrião, pelo menos até a fase de oito células, cada uma delas é capaz de desenvolver-se em qualquer um dos 216 tecidos que formam o corpo humano, e são chamadas de células-tronco totipotentes. Na fase de 8 a 16 células, as células do embrião se diferenciam em dois grupos: um grupo de células externas, que vão originar a placenta e os anexos embrionários, e uma massa de células interna que vai originar o embrião propriamente dito. Setenta e duas horas depois da fecundação, esse embrião agora com cerca de 100 células passa a ser chamado de blastocisto. As células internas do blastocisto vão originar a maioria dos tecidos humanos, e são chamadas de células-tronco pluripotentes. As células totipotentes e pluripotentes são chamadas conjuntamente de células-tronco embrionárias.

O terceiro tipo são as células-tronco não embrionárias, também chamadas de células-tronco adultas, que estão presentes em pequenas quantidades em diferentes tecidos de crianças e adultos. Entretanto, esse grupo possui um potencial de diferenciação menor, não sendo capazes de se diferenciar em todos os tipos de tecidos, sendo categorizadas apenas como multipotentes.  Embora exista restrição nos tipos celulares que essas células podem originar, elas ainda são capazes de se multiplicarem originando um grupo de células diferente do inicial, desempenhando papel na regeneração tecidual.

 

Como as células-tronco podem ser obtidas?

As células-tronco adultas podem ser extraídas da medula óssea, sangue, fígado, tecido adiposo, polpa dentária, cordão umbilical, placenta etc. Já as embrionárias podem ser coletadas de embriões, geralmente aqueles que estão congelados em clínicas de reprodução assistida e que não serão usados durante o tratamento, ou que serão descartados por serem inviáveis para a implantação no útero. Outra alternativa é a obtenção de células-tronco de pluripotência induzida, as iPS (do inglês induced pluripotent stem cells). As iPS se originam a partir do processo de reprogramação de qualquer célula. A reprogramação se dá através da inserção de genes específicos de interesse, comumente através de um vetor viral, no DNA de uma célula adulta (p. ex. pele) que reprogramam o código genético. Com este novo programa, as células readquirem a capacidade de pluripotência, bastante similar a uma célula-tronco embrionária, e podem se auto renovar e  se diferenciarem em qualquer tecido.

Além disso, existe a técnica de clonagem terapêutica, que gera bastante discussão em toda a sociedade. A clonagem terapêutica é a técnica de manipulação genética que fabrica embriões a partir da transferência do núcleo da célula já diferenciada, de um adulto ou de um embrião, para um óvulo sem núcleo. Se esse óvulo fosse implantado em um útero, daria origem à um clone, a chamada clonagem reprodutiva, o que não é o caso. Na clonagem terapêutica, a partir da fusão do núcleo com o óvulo, inicia-se o processo de divisão celular, de onde são obtidas as células totipotentes e pluripotentes, in vitro, dos tecidos que se pretende produzir. Com essa técnica é possível utilizar o núcleo de uma célula do próprio paciente, sem a necessidade de uma fonte externa dessas células.

 

Para que as células-tronco podem ser usadas?

O principal uso das células-tronco é na pesquisa científica, a fim de entender melhor o funcionamento e crescimento dos organismos e como os tecidos se mantêm ao longo da vida adulta. Esse conhecimento é fundamental para compreender o que se passa com o organismo durante uma doença, recriando em laboratório os sistemas que estão sendo afetados, possibilitando que pesquisadores tenham ferramentas para investigar com mais precisão como modelar doenças, testar drogas e desenvolver tratamentos mais efetivos.

Na medicina, as células-tronco são usadas para a terapia celular, com o objetivo de restaurar o funcionamento de um tecido ou órgão, seja protegendo as células já existentes ou substituindo as danificadas. O tratamento mais comum atualmente utilizando células-tronco é no transplante de medula óssea em pacientes com leucemia. Quando um doador é encontrado, células-tronco adultas são extraídas da medula dos ossos da bacia, o material é processado e então as células são transplantadas na corrente sanguínea do paciente. As células-tronco vão migrar para a medula óssea, se multiplicar e se diferenciar em células sanguíneas saudáveis, proporcionando o tratamento do paciente.

A esperança é que inúmeras outras doenças, entre elas as neuromusculares, o diabetes, Parkinson, certos tipos de cegueira e as lesões de medula também possam ser tratadas pela substituição ou correção de células ou tecidos defeituosos. Outra técnica utilizada, ainda experimentalmente, é a de autotransplante, que consiste na retirada de células-tronco e sua injeção novamente no próprio paciente para o tratamento de lesões cardíacas e na recuperação do tecido nervoso de pessoas que sofreram acidentes vasculares. Ninguém sabe ainda se esse tratamento é eficiente, e, por enquanto, é uma tentativa válida de terapêutica experimental.  Há também o estudo do uso de células-tronco para produção de órgãos inteiros em laboratório, que poderá reduzir o risco de rejeição no organismo do paciente que precisa de um transplante e claro, diminuir as filas de espera.

 

Quais os obstáculos para o uso de células-tronco?

Como em qualquer tratamento médico, muitas pesquisas e testes precisam ser realizados para garantir segurança e eficácia a longo prazo das terapias com células-tronco. Uma vez que as células sejam encontradas e isoladas, deve-se garantir as condições ideais para que elas possam ser cultivadas e se transformarem nas células específicas necessárias a determinado tratamento. Além disso, é preciso desenvolver um sistema que entregue e estimule essas células a funcionar na parte exata do corpo onde o tratamento é necessário.

Além dos complexos estudos científicos que precisam ser feitos, há toda a discussão sobre a ética envolvida no uso de células-tronco para pesquisas e terapias. Em geral, as células-tronco adultas não causam tanta polêmica, pois elas são retiradas de tecidos adultos, sem a necessidade de manipular embriões humanos. Já o uso das células-tronco embrionárias é amplamente discutido, pelo fato de ter que haver destruição de um embrião para a retirada dessas células.  

Muitos países do mundo fazem pesquisas com células-tronco e têm legislação específica que regulamenta o uso desse tipo de células. No Brasil, as pesquisas com células-tronco embrionárias foram aprovadas em março de 2005, pela Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05), que, entre outras coisas, regula a produção e a comercialização de produtos geneticamente modificados. Pela legislação, o material pode ser obtido de embriões congelados em clínicas de fertilização assistida há mais de 3 anos e com autorização dos genitores. Tal artigo foi considerado inconstitucional por um Procurador da República que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), mas depois de muitas discussões, em maio de 2008, o artigo 5° da Lei de Biossegurança foi votado como constitucional, ou seja, as pesquisas com células-tronco foram definitivamente permitidas em nosso país.

Imagem: http://www.cienciaecultura.ufba.br/

Por se tratar de um assunto bastante polêmico, o uso de células-tronco embrionárias ainda será alvo de inúmeras discussões no campo religioso, científico, filosófico e jurídico. Alguns grupos religiosos se opõem ao uso de células-tronco embrionárias obtidas em embriões congelados porque acreditam que o processo equivale a um aborto ou que há a interrupção de uma vida, o que não é verdade! Os embriões congelados, produzidos por reprodução assistida em clínicas de fertilização, não possuem potencial de vida enquanto não forem introduzidos dentro de um útero. Na prática, esses embriões têm potencial de vida baixíssimo, ficam congelados por anos, tornam-se inviáveis e um dia serão descartados de qualquer forma. Segundo dados do Ministério da Saúde, estima-se que existam cerca de 30 mil embriões congelados nestas clínicas, que, em sua grande maioria, serão descartados.

O fato é que com o avanço das pesquisas, muitas doenças poderão ser tratadas com o uso das células-tronco, garantido um futuro bastante promissor. Guardar, estudar e utilizar esse tesouro pode ser uma garantia de acesso a diversos tratamentos inovadores! Na verdade, a única destruição e ato contra a vida durante uso de células-tronco é a de impedir que pessoas com doenças letais recebam tratamento e até mesmo consigam a cura de suas enfermidades. Não há sentido em negar a vida de um paciente em troca de “salvar a vida” de um embrião que já é considerado inviável para o desenvolvimento. Embora não se possa afirmar ainda que esse tratamento com células-tronco seja totalmente eficaz, segundo tudo indica, é enorme o potencial que elas oferecem para consegui-lo!

 

Ciência et al: Viviane Paiva Santana

sobre a autora

Fontes consultadas:

Junqueira, L. C. & Carneiro, J. Biologia Celular e Molecular. 9ª Edição. Editora Guanabara Koogan. 338 páginas. 2012.

http://www.ghente.org/temas/celulas-tronco/

http://www.rntc.org.br/ceacutelulas-tronco.html

https://brasilescola.uol.com.br/biologia/celula-mae3.htm

https://drauziovarella.uol.com.br/entrevistas-2/celulas-tronco-i-conceitos-e-possibilidades/

https://drauziovarella.uol.com.br/geral/celulas-tronco-em-busca-do-tempo-perdido/

(Editoração: Eduardo Borges, André Pessoni e Caio Oliveira)

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