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Primeira vacina contra Malária é aprovada pela OMS após mais de três décadas de pesquisa

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)

Cientistas comemoram a histórica aprovação da vacina contra malária mas apontam desafios, como a sua eficácia moderada.

Há mais de 130 anos os parasitas do gênero Plasmodium foram nomeados como causadores da malária. Há 37 anos se estuda o desenvolvimento de uma vacina para esta doença, mas só agora o mundo tem sua primeira vacina aprovada contra malária. No dia 6 de outubro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apoiou a vacina – chamada RTS,S – e recomendou seu uso generalizado entre crianças na África Subsaariana, que abriga o parasita da malária mais mortal, Plasmodium falciparum. A notícia foi comemorada pela comunidade científica, mas alguns pesquisadores ainda expressaram preocupação com a implantação de uma vacina que tem eficácia apenas moderada.

A malária é uma das doenças infecciosas que mais afetou a humanidade ao longo da história. Por conta disso, é um alívio que finalmente uma vacina tenha sido aprovada. “A vacina RTS,S contra a malária – mais de 30 anos em desenvolvimento – muda o curso da história da saúde pública”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em uma coletiva de imprensa. De acordo com a recomendação da Organização, a RTS,S é segura e tem um ótimo custo-benefício. O imunizante se mostrou seguro em testes clínicos concluídos em 2015. Porém, em comparação com outras vacinas infantis, RTS,S tem eficácia moderada, conferindo 40% de proteção contra infecção e prevenindo cerca de 30% dos casos graves de malária após uma série de quatro doses em crianças com menos de cinco anos.

Neste esquema vacinal, as primeiras três doses são dadas no quinto, no sexto e no sétimo mês de vida. A quarta (e última) é ofertada quando o bebê completa 18 meses. Uma das preocupações iniciais era que esse esquema, por ser longo, poderia prejudicar o uso de outros imunizantes, dificultaria a adesão e até traria uma falsa sensação de segurança às famílias que, sentindo-se mais protegidas, abandonariam outros métodos de prevenção da malária.

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Bebê recebe uma dose da vacina RTS,S para malária em Gana em 2019. Foto: Cristina Aldehuela/AFP/Getty. Reprodução: nature.com.

Apesar da eficácia não ser tão alta, um estudo de modelagem – o qual fez uma estimativa baseada em modelos matemáticos – publicado em 2020 indicou que a vacina poderia prevenir a morte de 23.000 crianças por ano, se a série completa de doses fosse dada a todas as crianças em países com uma alta incidência de malária, causando uma redução significativa no impacto da doença que matou 411.000 pessoas em 2018. Embora os ensaios clínicos tenham sido concluídos em 2015, a OMS recomendou estudos-piloto para determinar a viabilidade e a segurança desta vacina multidose fora de um ensaio clínico. O programa de estudos-piloto distribuiu cerca de 2.3 milhões de doses em Gana, Quênia e Malawi, onde os resultados demonstraram um decréscimo de 30% nas internações por malária severa. Foram estes resultados que deram à OMS mais segurança para recomendar as 4 doses para crianças em países com níveis moderados a altos de transmissão de malária.

Os cientistas estão confiantes que os países podem atingir quedas ainda maiores em hospitalizações e mortes por meio de implementações personalizadas para cada região. Por exemplo, com base nos resultados de um ensaio clínico publicados em agosto deste ano, foi avaliado que a vacina RTS,S pode reduzir as mortes por malária infantil em 73%, se as crianças receberem três doses antes da estação chuvosa – quando a malária atinge o pico – e outra dose antes a estação chuvosa nos dois anos subsequentes. Notavelmente, este ensaio foi feito em conjunto com um método chamado quimioprevenção sazonal da malária, em que crianças saudáveis ​​tomam uma dose mensal de medicamentos anti-malária para ajudar a prevenir a doença.

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Vacina Mosquirix contra a malária no Centro Comunitário de Saúde Odede no Quênia. Reprodução: globalvoices.org.

Apesar de promissora, a vacina ainda divide muitas opiniões dentro da comunidade científica. “Respeito os pesquisadores envolvidos neste esforço massivo, mas a realidade é que muito dinheiro foi investido nesta vacina, mesmo quando os resultados dos estudos são decepcionantes”, diz Badara Cisse, pesquisadora de malária do Institute for Health Research, Vigilância Epidemiológica e Treinamento em Dakar. “Não acho que uma vacina 30% eficaz seria aceitável para os americanos.”

O imunizante RTS,S, também chamado de Mosquirix, vem sendo desenvolvido e testado desde 1987, a um custo de mais de US $750 milhões. O financiamento veio principalmente da fundação estadunidense Bill & Melinda Gates e da farmacêutica britânica GlaxoSmithKline (GSK). Além disso, a Gavi, Aliança Global de Vacinas, com sede em Genebra, na Suíça, ajudou a custear os programas-piloto. 

Quais os desafios a partir de agora?

Além de decidir como implantar a vacina, o principal desafio para os países africanos será determinar o custo para compra e distribuição das vacinas. A fabricante da vacina, GSK, divulgou um comunicado prometendo disponibilizar 15 milhões de doses anuais a um preço um pouco acima do custo de produção. No entanto, cerca de 100 milhões de doses serão necessárias anualmente para que todas as crianças em países com alta incidência de doenças recebam as vacinas.

Alguns pesquisadores temem que a empolgação com a vacina ofusque as medidas já existentes de controle da malária, que já são frequentemente subfinanciadas, incluindo programas de inseticidas e sistemas de saúde funcionais. Não à toa a doença é considerada negligenciada, uma classificação que inclui doenças tratáveis e curáveis que afetam, principalmente, populações com poucos recursos financeiros. Justamente por isso, não despertam o interesse da indústria farmacêutica. Os métodos de tratamento e diagnóstico dessas doenças são antigos e inadequados, portanto demandam investimento em pesquisa e desenvolvimento para se tornarem mais simples e efetivos.

Enquanto isso, uma outra vacina ainda em fase de testes, desenvolvida pela Universidade de Oxford, vem se mostrando promissora, alcançando a eficácia almejada pela OMS. O imunizante apresentou 77% de eficácia em testes clínicos, sendo assim o primeiro a atingir a meta da Organização de desenvolver uma vacina para a malária com pelo menos 75% de eficácia até 2030. Os resultados são animadores, mas ainda devem ser confirmados pelos próximos estudos. 

E quanto ao Brasil?

No geral, a malária causa cerca de 400.000 mortes a cada ano, com 94% dos casos acontecendo no continente africano. Apesar disso, a malária é uma doença infecciosa que atinge não só países da África, mas também certos países da Ásia e da América do Sul, incluindo o Brasil. O nosso país registrou cerca de 130 mil casos e menos de 30 óbitos pela enfermidade em 2020.

A vacina RTS,S provavelmente não será utilizada no Brasil porque o agente causador da maioria das infecções por aqui é o Plasmodium vivax, protozoário sobre o qual o novo produto aprovado não tem efeito, enquanto que a vacina tem como alvo os esporozoítos de Plasmodium falciparum. Dessa forma, o imunizante combate a primeira forma do protozoário que entra em contato com nosso corpo, após a picada do mosquito. Os mosquitos Anopheles são os transmissores do protozoário causador da malária e as medidas mais simples de segurança em relação à doença incluem a distribuição e o uso de redes para afastar os mosquitos e o uso de inseticidas nas residências. A maioria das vítimas são crianças nos seus primeiros anos de vida, daí a recomendação da OMS, de aplicação do imunizante é primeiramente em crianças.

 

Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é Bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site Nature, intitulada “Scientists hail historic malaria vaccine approval — but point to challenges ahead”, publicada em 08/10/2021. https://www.nature.com/articles/d41586-021-02755-5

Matéria no site BBC Brasil, intitulada “Vacina contra malária é ‘conquista histórica’, mas provavelmente não será usada no Brasil”, publicada em 06/10/2021. https://www.bbc.com/portuguese/geral-58824302

Matéria no site Só Científica, intitulada “Após 37 anos, OMS recomenda vacina da malária na África Subsaariana”, publicada em 09/10/21. https://socientifica.com.br/apos-37-anos-oms-recomenda-vacina-da-malaria-na-africa-subsaariana/

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