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Anfíbios como bioindicadores de poluição

#Ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Alterações histopatológicas em girinos de Lithobates catesbeianus utilizados ​​como biomarcadores de intoxicação por agrotóxicos

Sobre
● Categoria: Artigo – Boletim do Instituto de Pesca
● Título Original: Histopathological changes in Lithobates catesbeianus tadpoles used as biomarkers of pesticide poisoning
● Ano de publicação: 2022
● Link do artigo original: https://institutodepesca.org/index.php/bip/article/view/1740/1553

Resumo

O uso de indicadores biológicos tem aumentado nos últimos anos, com o intuito de investigar a poluição ambiental em ambientes aquáticos que são vulneráveis ao constante uso de pesticidas. Alguns biomarcadores podem ajudar a avaliar o estado de saúde indicando alterações físicas, metabólicas e comportamentais de intoxicações agudas e subletais. O Aproach® Prima é um fungicida usado para o controle de pragas da cultura do algodão, arroz, café, cana-de-açúcar, milho, soja e trigo. O objetivo deste trabalho foi verificar a ocorrência de possíveis lesões histopatológicas em fígado e rins de girinos de rã-touro (Lithobates catesbeianus) causadas pelo Aproach® Prima. Os animais foram submetidos a diferentes concentrações do fungicida para determinação da Concentração letal mediana (CL50-96h), ou seja, a dose letal para 50% dos animais em 96 horas. Após a determinação do valor da CL50-96h os animais foram submetidos a três concentrações subletais (CL50-96h/2, CL50-96h/10 e CL50-96h/100). Através dos biomarcadores histológicos verificamos que este fungicida alterou a morfologia dos tecidos renais e hepáticos dos animais de maneira crônica, prejudicando o funcionamento de órgãos que são fundamentais para sua sobrevivência e metamorfose, o que pode resultar em um desequilíbrio para a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos.

 

Introdução

Os anfíbios anuros (pererecas, rãs e sapos) estão presentes em todos os continentes, apresentando ampla distribuição geográfica. Algumas características específicas, como forte dependência com o meio que habitam, ciclo de vida aquático e terrestre (Figura 1), epiderme que permite a entrada de água e eletrólitos, ovos sem casca, ectotermia e o fato de ocuparem diversas posições nas cadeias alimentares, tornam esse grupo bastante vulnerável às alterações ambientais, que podem ser resumidamente descritas como: presença de contaminantes na água, alterações e fragmentação de habitats, introdução de espécies exóticas, efeitos climáticos, doenças emergentes ou uso de poluentes químicos. 

Isso tudo, aliado ao fato do declínio populacional de certas espécies, permite que esses animais venham sendo reconhecidos e utilizados cada vez mais em estudos como bioindicadores de qualidade ambiental. 

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Figura 1. Ciclo de vida da rã. Fonte: Imagem: unesp.br. Acesso em 29 de março de 2023.

A avaliação de respostas biológicas e a compreensão da maneira como o ambiente afeta as comunidades de anfíbios é um grande desafio para a pesquisa na área de toxicologia aquática. Os testes de toxicidade são exigidos por leis ambientais no Brasil e em outras partes do mundo, com o objetivo de avaliar o potencial de risco ambiental de contaminantes, já que somente as análises químicas não possibilitam esse tipo de avaliação de maneira satisfatória. 

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Figura 2. Adulto de rã-touro (Lithobates catesbeianus). Imagem: arquivo pessoal.

Um método que possibilita a avaliação do efeito de contaminantes em organismos aquáticos é a observação de alterações histopatológicas, utilizando-as como biomarcador dos efeitos da exposição às substâncias tóxicas, podendo ajudar a estabelecer uma relação causal entre a exposição às substâncias tóxicas e a ocorrência de alterações.

A rã-touro (Lithobates catesbeianus) (Figura 2) tem sido utilizada em testes ecotoxicológicos e representa uma excelente ferramenta experimental, por ser tolerante a doenças e infecções, ser encontrada em criações comerciais e ao mesmo tempo ser sensível à exposição de poluentes.

Métodos

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Figura 3. Girino de rã-touro (Lithobates catesbeianus). Imagem: arquivo pessoal.

Foram utilizados girinos de rã-touro (Figura 3) como organismos bioindicadores para testar, em laboratório, os efeitos do fungicida Aproach® Prima, utilizado nas lavouras de arroz irrigado, cultivo de grande importância da região do Vale do Paraíba do estado de São Paulo. Os animais foram mantidos em aquários de vidro, com aeração artificial e condições controladas de temperatura e fotoperíodo no Laboratório de Ensaios Ecooxicológicos do Setor de Aquicultura da Unidade Regional de Pesquisa e Desenvolvimento (URPD) de Pindamonhangaba – SP.

Inicialmente, os girinos foram submetidos a testes de toxicidade aguda para determinar a CL50-96h, ou seja, a concentração da substância que mata 50% dos indivíduos em 96 horas (Figura 4). A partir do valor obtido, os animais foram submetidos a testes de toxicidade crônica, expostos às doses subletais CL50-96h/2, CL50-96h/10 e CL50-96h/100, que não causam mortalidade, mas que podem provocar danos fisiológicos.

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Figura 4. Experimento em laboratório. Imagem: arquivo pessoal.

Resultados e conclusões

Os resultados mostraram que o fígado e os rins das rãs submetidas aos testes com fungicida em diferentes concentrações foram afetados, conforme as alterações histopatológicas observadas ao microscópio. Por desempenharem funções relacionadas ao metabolismo e excreção de substâncias, as lesões causadas nos fígados e rins desses animais pelos poluentes químicos podem levar à intoxicação desses animais, o que altera a homeostase dos mesmos.

O fígado é o principal órgão relacionado com o metabolismo energético e proteico, realizando diversas funções biológicas, como produção de ureia, secreção de bile e detoxificação. Assim, as alterações morfológicas, bioquímicas e de estrutura celular desse órgão podem levar a um quadro de deficiência nutricional, intoxicações, infecções ou parasitismo, diminuindo a taxa de crescimento e até mesmo culminando na morte do animal. Resultados semelhantes foram obtidos em outros estudos com girinos de Leptodactylus latrans expostos ao glifosato, em girinos de Rana esculenta aos metais pesados e adultos de Euphlyctis hexadactylus.

De maneira semelhante, os rins dos Lithobates catesbeianus desempenham funções importantes relacionadas à excreção de substâncias, sendo que lesões causadas por poluentes químicos ou agentes xenobióticos podem também levar à intoxicação e morte dos animais. Os resultados obtidos são semelhantes aos obtidos com exposição de girinos de rã-touro ao cromo.

Outros estudos do mesmo grupo vêm sendo realizados utilizando-se girinos e embriões de rã-touro em testes ecotoxicológicos não apenas com defensivos agrícolas, mas também com cosméticos, medicamentos e microplásticos, dentre outras substâncias.

 

Colaboração:

Adriana Sacioto Marcantonio sobre a autora           

Adriana é zootecnista, com mestrado em Genética e Melhoramento Animal e doutorado em Aquicultura. É pesquisadora científica da APTA Regional – Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, vinculada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, atuando na área de aquicultura, ranicultura, ecotoxicologia aquática e educação ambiental.

 

Artigo Original:

Marcantonio, A., França, F., Santos, D. e colaboradores (2022). Histopathological changes in Lithobates catesbeianus tadpoles used as biomarkers of pesticide poisoning. Boletim do Instituto de Pesca. 48: e711. https://doi.org/10.20950/1678-2305/bip.2022.48.e711

 

(Editoração: Fernando F. Mecca e Nathália A. Khaled)

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