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Bolsas de luxo podem ser solução para problema ambiental?

#Ciência et al. (Conteúdos repletos de informações científicas)

Da caça a comer pítons ou usar seu couro para produzir bolsas, até onde podemos ir na busca de uma solução para animais invasores

DESTAQUES:
As pítons birmanesas, apesar de serem originárias da Ásia, se estabeleceram na região dos Everglades, na Flórida;
• Esse crescimento populacional deve-se ao fascínio por animais exóticos e a provável falta de cuidado com os mesmos, levando à sua fuga ou soltura, o que pode modificar o ecossistema em que foram inseridas;
• Atualmente, apesar do dilema, buscam-se soluções para combater essas modificações, sendo através da detecção desses animais até incentivando a caça dos mesmos.

O ecossistema natural da região de pântanos de Everglades, no sul da Flórida, se estende do Lago Okeechobee, no norte, ao sul da Baía da Flórida e Golfo do México. 

Patrimônio Mundial da UNESCO, o local abriga guaxinins, gambás, coelhos, veados, pássaros, jacarés, tartarugas e lagartos, entre outras espécies nativas. Porém, grande parte da vida selvagem natural e do ecossistema local de Everglades tem sido impactada negativamente pela presença de pítons birmanesas. Consideradas uma espécie invasora, as cobras são nativas do sudeste da Ásia e foram introduzidas na área por volta da década de 1980 como resultado de solturas ou fugas de animais de estimação. Desde então, a população cresceu e se estabeleceu, levando a problemas crescentes para os animais nativos.

píton birmanesa
A píton birmanesa é uma das cinco maiores cobras do mundo e pode atingir até 8 metros de comprimento. Alimenta-se de cervos, porcos selvagens, roedores, répteis e aves. As pítons matam as suas presas por constrição, ou seja elas se enrolam nas presas e começam a apertá-las até morrerem por asfixia. Fonte: Wikipedia/.inaturalist.org

Essas cobras são chamadas de generalistas, podendo se alimentarem de um diversa gama de animais, além de serem predadores de emboscada. Esse tipo de predação é considerado seguro e uma estratégia eficiente, já que geralmente esses organismos se escondem e camuflam, aguardando a aproximação da presa.

píton ovos
Uma píton birmanesa com um ninho ‘recorde’ de 111 ovos foi removida dos Everglades. Imagem: Reprodução /MYFWC FLORIDA FISH AND WILDLIFE (umsoplaneta)

A maior píton birmanesa encontrada na Flórida, Estados Unidos da América (EUA) tinha 100 kg. As fêmeas, maiores que os machos, costumam botar 11 a 84 ovos. Porém, no início de julho deste ano, um ninho de píton na Flórida com número recorde de 111 ovos foi encontrado. 

Não é à toa que, embora não sendo nativas dos EUA, se deram muito bem na região dos Everglades. Recentemente, devido à ameaça que representam para o ecossistema local, sugeriu-se resolver este problema transformando-as em bolsas de luxo. Sim, bolsas de luxo…

Vamos te explicar melhor.

A história começa assim: alguém compra uma píton birmanesa (lembrando que elas são nativas do sudeste da Ásia) de estimação. A cobra começa a crescer muito e a pessoa percebe “talvez não seja tão fácil assim criar uma píton?” e pronto, “vamos soltar o bichinho na natureza”. Ou talvez a cobra escapou, ou tenha tido filhotes demais, enfim, são muitos os motivos que podem fazer com que animais exóticos (que não são nativos de determinada região) acabem sendo inseridos em locais onde, até então, eles não existiam. 

Desde 1979, as pítons começaram a ser encontradas nos Everglades da Flórida e, até os anos 90, considerava-se que os indivíduos encontrados eram animais que escaparam ou que foram soltos. Porém, isso logo mudou porque as cobras começaram a se reproduzir. É aí que a questão fica mais séria. 

pítons florida
Áreas de pesquisa da píton birmanesa no sul da Flórida. As áreas primárias de pesquisa são indicadas por polígonos sombreados em verde ou pontos pretos. Grandes pontos pretos indicam as principais cidades e as linhas cinzas indicam as principais estradas. Fonte: Adaptado de Guzy J.C. e colaboradores, 2023.

Nem todo animal exótico que acaba em um local estranho sobrevive. Em alguns casos, condições muito específicas são necessárias para sua sobrevivência. No entanto, quando estes animais estabelecem uma população e começa a ter impacto no ecossistema local eles passam a ser considerados espécies invasoras. 

E o impacto é grande! Já que elas se alimentam de mamíferos, aves, répteis, etc. Até mesmo espécies ameaçadas de extinção e grandes predadores (como o lince) não escapam. Várias espécies em perigo de extinção já foram encontradas no intestino de pítons na Flórida (por exemplo: garça azul, colhereiro e crocodilo americano).

Além disso, elas ainda competem com outros predadores por presas e podem estar relacionadas ao declínio de diversas espécies de mamíferos como linces, veados, coelhos, raposas e guaxinins naquela região.

Estima-se que há cerca de 150 mil pítons no sul da Flórida, mas é difícil saber quantas pítons existem no estado. As serpentes são consideradas de difícil detecção, devido ao seu comportamento, coloração e picos de atividade esporádica e, para a píton birmanesa, isso não é diferente. 

Então unimos todos estes fatores temos uma espécie: 

adaptada muito bem ao tipo de ambiente dos Everglades;
com diversas opções de presas para se alimentar;
difícil de ser detectada.

OU SEJA: A SITUAÇÃO É ALTAMENTE FAVORÁVEL PARA UM “BOOM” POPULACIONAL DE PÍTONS NA REGIÃO!

 

Então, o que fazer depois que elas já se estabeleceram? O que você faria? 

Na Flórida já tentaram algumas alternativas:

cães farejadores;
⇒ rastreadores em machos para identificar fêmeas reprodutivas e retirá-las da população;
⇒ incentivo financeiro para caçadores de pítons
A Comissão de Peixes e Vida Selvagem da Florida (FWC – Florida Fish and Wildlife Commission) faz uma competição para caçadores de pítons, sendo que o ganhador ganharia até 10 mil dólares.

Polêmica ou não, a mais nova solução em pauta é a conversão dos animais capturados por caçadores em bolsas. A empresa responsável por essa transformação é a grife de Nova York, Piper e Skye. 

Essa grife já fez uma ação similar com uma espécie invasora marinha, o peixe-leão. Nela, eles apoiavam pescadores de baixa renda a capturar estes animais e posteriormente a marca os transformava em acessórios da moda. Para se ter uma ideia, uma bolsa de couro de píton da Flórida pode chegar até 800 euros. 

Situações como esta são complicadas e a prevenção se mostra a melhor prática. O mercado de animais exóticos precisa ser melhor regulado e as instituições que os criam, assim como as pessoas que buscam estes animais como pets, precisam estar cientes dos impactos ambientais que eles podem causar caso acabem sendo introduzidos em uma área na qual não são nativos.

Este caso da Flórida parece distante da nossa realidade, mas aqui no Brasil animais invasores também são um problema (na realidade, eles são uma ameaça à biodiversidade no mundo todo). 

O peixe-leão (sim, o mesmo citado acima que já é um problema nos EUA), por exemplo, está expandindo sua área no litoral brasileiro e já foi registrado em Pernambuco. Ainda, também podemos citar javalis, javaporcos e o caramujo africano. 

Nesse ponto em que o problema já está instaurado, o que pode ser feito? 

Por um lado, matar um animal que está sobrevivendo em um novo ambiente não parece muito legal e correto, além de gerar muitas opiniões controversas. Por outro, permitir que uma espécie invasora devaste um ecossistema e ameace a biodiversidade local, também não parece uma boa alternativa. 

Não há respostas simples para a problemática, principalmente porque a discussão não pode ficar apenas no âmbito de valores e ética, precisamos de dados e analisar a situação de forma holística. Por isso, o monitoramento e avaliação de práticas que visem reduzir o impacto destas espécies invasoras é essencial. 

Assim, podemos identificar o que funciona, porque funciona, se e como pode ser aplicado a outros contextos… Enfim, no caso das pítons, do peixe-leão, javalis e caramujos, há uma gama de propostas de manejo. 

Você conhece ou ouviu falar sobre alguma destas estratégias? O que acham dessa ideia de aproveitar o couro das cobras como bolsas de luxo? Contem para a gente! 

E, claro, se você souber mais sobre o assunto, especialmente sobre os casos brasileiros, nos ajude a explorar o tema! Entre em contato pelo e-mail conteudo@ilhadoconhecimento.com.br.

 

Colaboradoras:

Bruna Lima Ferreira sobre a autora

Bruna é bióloga e mestre pela USP e pesquisadora colaboradora do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC). É fascinada pelas relações que as pessoas têm com a natureza e pela busca de estratégias que promovam comportamentos mais sustentáveis e a reaproximação (e valorização) da sociedade e natureza. Acredita no papel da popularização científica e ensino de ciências para construção de uma ciência democrática.

Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

Stephanie Teodoro dos Santos sobre a autora

Stephanie é bióloga e pesquisadora no eixo de Educação para Conservação do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC). Atua no Projeto Suçuaranas no Quintal, em Goiás, onde você pode encontrá-la no meio de uma atividade com as crianças ou ouvindo um causo sobre animais com os moradores da região enquanto tomam um cafézinho.

 

Referências

Artigo científico intitulado “Burmese pythons in Florida: A synthesis of biology, impacts, and management tools”, publicado na revista NeoBiota em janeiro de 2023, de autoria de Guzi, J.C. e colaboradores. 

Matéria no jornal The Guardian, intitulada “Could handbags be the haute couture solution to Florida’s python problem?”, publicada em 16/05/2023. https://www.theguardian.com/environment/2023/may/16/snakeskin-purses-florida-environment-solution-invasive-species

Matéria no jornal The New York Times, intitulada “Pythons, Invasive and Hungry, Are Making Their Way North in Florida”, publicada em 14/05/2023. https://www.nytimes.com/2023/03/14/us/pythons-florida-invasive-species.html

Matéria no site Green Me, intitulada “A Flórida tem um problema sério com pítons (devido aos humanos), uma empresa as está caçando para fazer bolsas de luxo”, publicada em 19/05/2023. https://www.greenmebrasil.com/informarse/animais/79359-a-florida-tem-um-problema-serio-com-pitons-devido-aos-humanos-uma-empresa-as-esta-cacando-para-fazer-bolsas-de-luxo/

Matéria no site Gulf Shore Life, intitulada “Stylish handbags made of everglades python skins”, publicada em 01/05/2023. https://www.gulfshorelife.com/2023/05/01/stylish-handbags-made-of-everglades-python-skins/

Matéria no site SoCientífica, intitulada “Comer pítons pode salvar o ecossistema da Flórida, nos EUA”, publicada em 05/01/2021. https://socientifica.com.br/comer-pitons-pode-ajudar-a-proteger-os-everglades/

Matéria no site Um só planeta, intitulada “Ninho de píton birmanesa é encontrado na Flórida com número recorde de 111 ovos”, publicada em 16/07/2023. https://umsoplaneta.globo.com/biodiversidade/noticia/2023/07/16/ninho-de-piton-birmanesa-e-encontrado-na-florida-com-numero-recorde-de-111-ovos.ghtml

 

(Editoração: Nathália A. Khaled)

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