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Espécies-chave para a dispersão de sementes são os primeiros a sumir devido ao desmatamento da Mata Atlântica

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)

As interações animais-plantas são importantes para a manutenção da diversidade funcional da Mata Atlântica e foram analisadas em dois cenários de conservação antagônicos.

Algumas espécies vegetais da Mata Atlântica possuem sementes que podem ser dispersas somente por mamíferos maiores, como alguns primatas e antas. De acordo com um novo estudo conduzido por pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, justamente esses animais são os primeiros a sumir em decorrência do desmatamento da Mata Atlântica.

Para entender os impactos da perda de fauna na floresta, os pesquisadores compararam as interações entre animais e plantas em duas áreas florestais no Estado de São Paulo, a Serra de Paranapiacaba e a Mata de Santa Genebra. “A princípio, a ideia era verificar apenas o papel dos primatas na dispersão de sementes, mas ficou claro que era preciso analisar a atuação de todos os vertebrados”, diz a pesquisadora Lisieux Fuzessy. Além dos primatas, foram incluídos no estudo dados sobre a dispersão de sementes por aves, morcegos, carnívoros, marsupiais, roedores e ungulados (cervídeos, antas, porcos-do-mato etc.). Com isso, o estudo faz um panorama inédito do papel das interações entre animais e plantas para a manutenção da biodiversidade.

Por exemplo, as árvores da espécie Pouteria bullata, popularmente conhecida como guapeva-vermelha, são exclusivas da Mata Atlântica e produzem frutos suculentos e adocicados. Suas sementes têm cerca de dois centímetros e, portanto, são grandes demais para serem engolidas por pássaros e pequenos mamíferos. Desse modo, a planta depende de primatas como o bugio (Alouatta guariba) e o muriqui (Brachyteles arachnoides) e, eventualmente, da anta (Tapirus terrestris) para dispersar seu material genético e perpetuar a espécie.

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O bugio é uma espécie-chave para a dispersão de sementes e, consequentemente, para a perpetuação da Mata Atlântica (Foto: Gisela Sobral/USP. Reprodução Agência Fapesp)

Em locais onde esses mamíferos desapareceram, também já não é possível encontrar a guapeva-vermelha, que é classificada como “vulnerável” na lista de espécies ameaçadas de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Como foi mostrado nas análises desta pesquisa, esses animais importantes para a dispersão de sementes são os primeiros a sumir em decorrência do desmatamento da Mata Atlântica. “A dispersão de sementes é um processo complexo, que abarca muitos tipos de vertebrados ao mesmo tempo. O reflexo do desmatamento é a extinção tanto de animais, que perdem o alimento, como de vegetais, que não podem mais se dispersar”, conta Lisieux. 

Um dos locais onde foi realizado o estudo, a Serra de Paranapiacaba é conhecida como uma das mais conservadas da Mata Atlântica no Brasil, com mais de 120 mil hectares distribuídos por áreas protegidas e propriedades particulares. No local são encontrados alguns dos grandes mamíferos mais ameaçados de extinção atualmente, como a onça-pintada (Panthera onca), o cachorro-vinagre (Speothos venaticus) e a queixada (Tayassu pecari), além de antas e muriquis. A Serra é ainda o mais importante refúgio da jacutinga (Pipile jacutinga), uma grande ave frugívora (que se alimenta de frutos) extinta na maioria dos remanescentes da Mata Atlântica.

O outro local, a Mata de Santa Genebra, por sua vez, é um fragmento de 250 hectares cercado de áreas urbanas e plantações, um reflexo da maioria dos remanescentes do bioma. A área foi desmatada até 1984, quando passou a ser protegida. Como reflexo desse histórico, no local a maior parte dos grandes vertebrados inexiste. São encontradas apenas pequenas aves, além de mamíferos de porte médio como pacas (Cuniculus paca), gambás (Didelphis spp.) e caxinguelês (Guerlinguetus brasiliensis). No entanto, ocorrem também algumas poucas espécies de grandes frugívoros, como o bugio e o jacuguaçu (Penelope obscura). Mesmo assim, as interações são muito menores do que na área conservada.

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Mata de Santa Genebra, um pedaço remanescente da Mata Atlântica em Campinas, é uma Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) no distrito de Barão Geraldo. (Foto: Reprodução campinas.com.br)

Na Serra de Paranapiacaba foram registradas 1.588 interações entre 133 animais e 315 plantas. Na Mata de Santa Genebra, por outro lado, foram 221 interações entre 54 animais e 58 plantas. “É uma diferença muito importante. Espécies-chave como o muriqui ou a anta comem uma diversidade muito maior de frutos do que um passarinho, por exemplo. Além da demanda elevada por calorias, a garganta maior permite que engulam frutos grandes e dispersem plantas que, sem esses animais, simplesmente desaparecem, num efeito cascata”, explica Fuzessy.

O trabalho, portanto, reforça  a importância de conservar não apenas as espécies em si, mas de manter a diversidade funcional, ou seja, de preservar as interações entre animais e plantas que fazem a floresta prosperar. Por isso, esse tipo de pesquisa serve de base para projetos de conservação e reflorestamento.

 

Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é Bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site Agência Fapesp, intitulada “Animais essenciais para a dispersão de sementes na Mata Atlântica são os primeiros a sumir com o desmate”, publicada em 14/03/22. https://agencia.fapesp.br/animais-essenciais-para-a-dispersao-de-sementes-na-mata-atlantica-sao-os-primeiros-a-sumir-com-o-desmate/38122/

Artigo científico intitulado “Functional roles of frugivores and plants shape hyper-diverse mutualistic interactions under two antagonistic conservation scenarios”, publicado na revista Biotropica em 2022, de autoria de Fuzessy, L., Sobral, G., Carreira, D. e colaboradores. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/btp.13065

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