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Reflexões sobre o consumo no cenário pandêmico e pós-pandêmico
Destaques: – A pandemia impactou os hábitos de consumo da população de diversas formas; – Se tais mudanças se perpetuarão ou não após a pandemia, deve depender do perfil dos consumidores; – As marcas devem se atentar a estes diferentes perfis e possibilidades de mudanças de comportamento, a fim de terem sucesso no cenário pós-pandemia. |
Atualmente vivemos em um cenário atípico em nosso mundo, que impactou praticamente todas as esferas sociais, incluindo formas de trabalho, de produção e de consumo. Dessa forma, existe uma infinidade de lacunas a serem exploradas sobre as novas estruturas sociais que se formam em meio à pandemia e como elas se perpetuarão pelos próximos anos. O que se sabe é que as mudanças são intensas e desafiadoras em meio às instituições sociais, mas as suas dimensões ainda são desconhecidas. Em virtude disso, a seguir, são propostas algumas reflexões frente as perspectivas de mudança no cenário de consumo para garantir melhores compreensões e formulações de pesquisas e estratégias para as marcas.
Adesão a novos produtos e serviços
A pandemia trouxe consigo a demanda por novos produtos e serviços, como um aumento na adesão a plataformas de streaming, videoconferências e e-commerce, por exemplo. Mas será que essa tendência permanecerá após o cenário pandêmico?
Sob a luz da literatura sobre difusão de inovação, podemos destacar que essa permanência dependerá da percepção do consumidor sobre as vantagens relativas, o custo-benefício e a disponibilidade de substitutos a esses produtos. Já no plano da formação de hábitos, podemos acrescentar aspectos de consumo que se desenvolveram como parte substancial da rotina do consumidor com o passar do tempo, fazendo com que eles permaneçam mesmo após o fim da pandemia. Mas tal questão deve levar em consideração se esse novo consumo é percebido pelo consumidor como algo necessário ou desejável, pois as formas de consumo que forem enquadradas dentro de uma perspectiva de necessidade frente a pandemia, e não de algo desejável, podem não entrar em um ciclo de formação de hábitos, como pode ocorrer com os cursos de ensino a distância. Já para outras formas de consumo, que passaram a ser percebidas como desejáveis, mesmo que não necessárias, devem ser mantidas, como pode ser o caso do consumo de filmes e séries através de plataformas de streaming.
Economia Compartilhada
A economia compartilhada se refere ao uso de serviços e produtos compartilhados, como carros por aplicativo, aluguel de apartamentos para viagens e até mesmo cuidadores de animais. Quando se fala nas perspectivas de economia compartilhada frente ao cenário pandêmico temos uma dicotomia sobre a qual refletir.
Primeiramente, o consumo de produtos e serviços de economia compartilhada pode sofrer um impacto negativo devido ao medo e ao nojo do contágio. Os consumidores têm uma tendência de nojo a produtos tocados por outras pessoas e essa tendência pode ser amplificada em meio ao cenário pandêmico. Dessa forma, os consumidores podem resistir à retomada de produtos e serviços de economia compartilhada, preferindo buscar produtos e serviços semelhantes, mas sem a percepção de contágio, como usufruir de hotéis ao invés de apartamentos compartilhados, por exemplo.
Porém, pelo lado econômico, devemos refletir sobre o custo-benefício de tais produtos e serviços. Os consumidores também passam por momentos de redução salarial e ameaças ao emprego, fazendo com que busquem formas alternativas mais econômicas, como substituir uma viagem com o seu carro particular por uma carona por meio de aplicativos.
Outro produto da economia compartilhada a ser levado em consideração, como uma união do seguro com o econômico, é o aluguel de bicicletas, que pode ser aderido como alternativa aos transportes públicos, em que a taxa de transmissão do vírus é maior, e também é mais econômico do que um carro por aplicativo ou até mesmo do que o uso de veículo próprio, além dos benefícios ambientais que a utilização desse meio de transporte evoca.
Processamento Afetivo e Cognitivo e o comportamento de consumo
A diferença de importância que cada consumidor dará a estes dois lados da balança (o medo ou nojo vs. a diferença de custos) deve variar de acordo com como cada consumidor foi impactado pela pandemia. Em um cenário pandêmico, vivenciamos diversos tipos de emoções, como ansiedade, medo, nojo, estresse, frustração, entre outros. Essas emoções são evocadas por contextos diferentes, por exemplo, um cenário de ameaça à saúde provoca emoções de medo e nojo, enquanto um cenário de ameaça econômica provoca ansiedade.
Nesse sentido, podemos inferir que consumidores imersos na ameaça de saúde terão mais medo e nojo, o que resulta em uma menor adoção de economias compartilhadas e mais adoção de serviços como hotéis. Já os consumidores imersos na ameaça econômica terão mais ansiedade, o que resulta em uma busca de serviços que oferecem maior economia.
Dentro do âmbito cognitivo, o cenário pandêmico ativa nas pessoas as sensações de perda de controle, de desamparo, de incertezas e de necessidade de conexão, por exemplo. Dessa forma, as pessoas buscam no consumo de produtos e nas marcas líderes de mercado a criação de conexões fortes com essas marcas, o restabelecimento do seu controle e formas de expressar a sua identidade.
Ainda nesse sentido, durante o momento de pandemia, os consumidores podem manter o consumo de produtos e marcas que geram conforto e segurança, mas no cenário pós-pandêmico podem aderir a uma mentalidade de recomeço, aderindo a novos produtos, marcas e metas de consumo em busca representar a sua nova identidade.
Consumo de marcas
Outro ponto importante é sobre quais marcas estão e serão consumidas preferencialmente pelo consumidor. A tendência é que os consumidores busquem marcas fortes e reconhecidas no mercado, nas quais possam ter maior confiança e conexão para restabelecer a sua segurança.
Porém, consumidores mais pró-sociais podem buscar marcas locais ou individuais, com a intenção de ajudar os empreendimentos que, aparentemente, podem passar por maiores necessidades em meio ao cenário pandêmico, já que a ameaça social da pandemia gera nesses consumidores a indignação com a injustiça social.
Em suma, as marcas podem utilizar da ampla gama de emoções e cognições, como apresentado anteriormente, para se estabelecerem em seus respectivos mercados, levando em consideração o perfil do seu cliente em potencial, dada a sua atual situação e as suas perspectivas futuras, além de transmitirem a percepção de vantagem relativa e custo-benefício em detrimento aos concorrentes e cultivarem a formação de hábitos em seus consumidores em relação aos seus produtos.
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Colaboração: Caio Pedrinho da Silva sobre o autor
Fontes consultadas:
– Artigo científico intitulado “Company Worth Keeping: Personal Control and Preferences for Brand Leaders”, publicado na revista Journal of Consumer Research e, 2020, de autoria de Beck, J.; Rahinel, R.; e Bleier, A.;
– Artigo científico intitulado “In Times of Trouble: A Framework for Understanding Consumers’ Responses to Threats”, publicado na revista Journal of Consumer Research em 2020, de autoria de Campbell, M.; Inman, J.; Kirmani, A.; e colaboradores;
– Artigo científico intitulado “Disgusted and Afraid: Consumer Choices under the Threat of Contagious Disease”, publicado na revista Journal of Consumer Research em 2020, de autoria de Galoni, C.; Carpenter, G.; e Rao, H.;
– Artigo científico intitulado “A Quiet Disquiet: Anxiety and Risk Avoidance due to Nonconscious Auditory Priming”, publicado na revista Journal of Consumer Research em 2019, de autoria de Lowe, M.; Loveland, K.; e Krishna, A.;
– Artigo científico intitulado “Habit and Intention in Everyday Life: The Multiple Processes by Which Past Behavior Predicts Future Behavior”, publicado na revista Psychological Bulletin em 1998, de autoria de Ouellette, J. e Wood, W.;
– Artigo científico intitulado “The Fresh Start Mindset: Transforming Consumers’ Lives”, publicado na revista Journal of Consumer Research em 2018, de autoria de Price, L.; Coulter, R.; Strizhakova, Y. e colaboradores;
– Artigo científico intitulado “The Safety of Objects: Materialism, Existential Insecurity, and Brand Connection”, publicado na revista Journal of Consumer Research em 2009, de autoria de Rindfleisch, A.; Burroughs, J.; eWong, N.;
– Livro “Diffusion of Innovations”, de autoria de Rogers, E., publicado pela editora Simon and Schuster em 2003 (2003).
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(Editoração: Fernando Mecca, Beatriz Spinelli e Caio Oliveira)