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Emissões de gás carbônico sofrem redução durante a pandemia de COVID-19

#Pesquisa ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Redução temporária na emissão diária de CO2 durante o confinamento forçado por COVID-19

Destaques:
– Políticas de isolamento implementadas na pandemia têm impacto econômico, social e ambiental;
– Diminuição da frequência de atividades como transporte e aviação influenciam nos níveis de CO2 emitidos diariamente;
– Quedas na emissão global de carbono mostram que é possível atingir metas de tratados internacionais, os quais visam frear o aquecimento global.


Resumo

Políticas governamentais impostas durante a pandemia de COVID-19 têm alterado drasticamente a demanda de energia ao redor do mundo e ações, como o fechamento de fronteiras internacionais e medidas de isolamento social, resultaram em mudanças nos padrões de consumo. O objetivo desse estudo foi compilar diferentes dados para estimar o declínio na emissão de gás carbônico (CO2) durante o confinamento. Os resultados apontam que a emissão global deste gás em 2020 diminuiu consideravelmente em comparação com o mesmo período de 2019. O impacto da redução das emissões de CO2 em 2020 dependerá da duração das políticas de confinamento, sendo que a estimativa baixa de redução é de 4%, caso as condições pré-pandêmicas retornem em meados de junho, enquanto a estimativa alta é de 7%, se algumas restrições forem mantidas em todo o mundo até o final do ano. 

 

Introdução

Antes da pandemia de COVID-19, em 2020, as emissões de carbono seguiam aumentando em torno de 1% ao ano e, embora a produção de energias renováveis e com baixo custo estivesse em expansão, ainda não substituíam por completo os combustíveis fósseis. Conforme o avanço da pandemia, ações cada vez mais rigorosas foram adotadas por governos ao redor do mundo, com o intuito inicial de isolar casos da doença e reduzir a transmissão do vírus. Assim, medidas como o isolamento de indivíduos sintomáticos e até mesmo o confinamento domiciliar obrigatório de indivíduos assintomáticos, além do fechamento de escolas e proibição de aglomerações foram implementadas, o que consequentemente resultou em mudanças drásticas no uso de energia e na emissão de gás carbônico.

Embora o monitoramento de emissões de CO2 seja extremamente importante para entender o aquecimento global, os sistemas de averiguação existentes não coletam informações a respeito das emissões desse gás em tempo real. Sendo assim, o relatório de emissão de CO2 é feito anualmente, porém esses dados são frequentemente liberados meses ou até anos após a coleta. Devido a essa falta de dados recentes, neste estudo os pesquisadores optaram por uma abordagem alternativa para estimar os índices de emissão de CO2 por país, baseando-se em um índice de confinamento que captura a extensão com que diferentes políticas implementadas afetaram as emissões de CO2, via dados diários disponíveis para seis diferentes setores econômicos: energia, indústria, transporte terrestre, comércio e construção, residencial e aviação.

 

Material & Métodos

Os autores utilizaram uma combinação de informações sobre perfil de atividade, energia e políticas públicas disponíveis em base de dados no fim de abril de 2020, para estimar as mudanças na emissão diária de CO2 durante o isolamento pela pandemia de COVID-19. Os dados coletados foram comparados com os de 2019, para providenciar uma medida quantitativa de comparação com a condição pré-pandêmica.  A análise considerou 69 países, 50 estados dos Estados Unidos e 30 províncias chinesas, os quais, juntos, representam 85% da população mundial e são responsáveis por 97% das emissões globais de CO2.

As mudanças foram estimadas considerando três índices de confinamento e seis setores da economia, por meio de uma equação matemática que considera o produto de CO2 calculado para cada setor antes e durante o declínio observado e seu impacto em cada setor analisado. De maneira bem simplificada, essa equação avalia a mudança na emissão de gás carbônico por país, por setor e por dia.

Os seis setores econômicos considerados foram: setor energético (referente à geração de energia, correspondente a 44% da emissão global de CO2 por queima de combustível fóssil); industrial (produção de materiais como aço, cimento e manufatura, responsável por 22% da emissão global de CO2); transporte terrestre (carros, ônibus, caminhões e embarcações nacionais e internacionais, 20,6% da emissão global de CO2); comércio e construção (4,2%); residencial (especialmente edifícios residenciais, 5,6%) e aviação (voos domésticos e internacionais, 2,8%).  Os três índices de confinamento correspondem a forma como as atividades consideradas normais foram restringidas para a população (Tabela I).

tabela que mostra as diretrizes e políticas públicas de isolamento social durante pandemia do coronavírus
Tabela I: Exemplificações dos 3 níveis do Índice de Confinamento estabelecidos para a análise realizada no estudo. Modificada de Le Quéré et al., 2020.


Resultados e Discussão

Os resultados mostram grande queda na emissão de CO2 em todos os setores avaliados com índice de confinamento de nível 3 até o dia 7 de abril, em que as emissões diárias de CO2 diminuíram em 17%. Essa queda está diretamente associada ao período de atividade de cada setor, sendo que a aviação sofreu maior redução (75%). A atividade de transportes terrestres diminuiu em 50%, indústria em 35%, comércio e construção em 33% e em 15% o setor de energia. O único setor em que houve aumento de atividade foi o residencial, com 5% (Figura 1).

gráficos que mostram mudanças na emissão de combustíveis fósseis na atmosfera durante a pandemia do coronavírus
Figura 1: Quedas na emissão de gás carbônico por setor entre os meses de Janeiro e Abril de 2020. Imagem: Modificada de Le Quéré et al., 2020.


Os reflexos das quedas na emissão de CO
2 para o ano de 2020 dependerão da duração e da extensão das políticas de isolamento, além do tempo e das condições necessárias para a retomada do ritmo normal das atividades. Até a publicação deste artigo (abril/maio 2020), a maioria dos países em confinamento de nível 3 já haviam anunciado flexibilizações. Como parte final do estudo, os autores projetaram 3 cenários hipotéticos em relação à extensão dos efeitos do isolamento nas emissões de CO2 para o ano de 2020. Antes da pandemia, era esperado que os níveis de emissão global fossem semelhantes ao ano de 2019. O primeiro cenário hipotético prevê que, caso as políticas de confinamento sejam encerradas em junho (6 meses depois do início da pandemia), a redução na emissão de CO2 em 2020 estaria entre 1,5% a 4,2%. Já o segundo cenário considera que, caso a volta à condição normal acontecesse por volta julho, a redução seria de 1,9% a 5,3%. Esse cenário é mais condizente com a realidade de países como França, Noruega e Reino Unido, os quais já anunciaram a reabertura gradual dos setores conforme a evolução da doença, porém, também considera que o período de readequação poderá vir acompanhado de baixa produtividade em decorrência do trauma social causado pela pandemia. O terceiro cenário hipotético considerou que todos os países avaliados permanecessem em isolamento de nível 1 até o fim do ano. Essa política já foi adotada em muitas províncias chinesas e está alinhada com o que se sabe até agora a respeito da transmissibilidade do vírus – há previsões que o distanciamento social, prolongado ou intermitente, possa ser necessário até 2022. Nesse caso, as reduções na emissão de CO2 em decorrência da pandemia de COVID-19 poderiam variar entre 2,7 e 7,5%. 

Os autores concluem que a queda na emissão de CO2 observada até o momento é um fenômeno extremo e provavelmente nunca visto antes, servindo como guia para as reduções anuais necessárias para prevenir que as mudanças climáticas levem a um aumento de 1,5ºC na temperatura global prevista para a próxima década. Esses números colocam em perspectiva tanto o elevado crescimento das emissões globais de CO2 observadas nos últimos anos, quanto o tamanho do desafio exigido para cumprir as metas do Acordo Climático de Paris

A maioria das mudanças observadas em 2020 provavelmente serão temporárias, pois não refletem mudanças estruturais na economia, sistemas de transporte ou energia. O trauma social do confinamento e mudanças associadas aos reflexos da pandemia são imprevisíveis, mas as respostas sociais por si só não conduziriam a reduções profundas capazes de sustentar um cenário de menor poluição ambiental – seria necessário definir mudanças estruturais implementando estímulos econômicos alinhados com baixas vias de emissão de carbono. Por fim, é provável que as mudanças observadas em diferentes cenários ambientais e econômicos em decorrência da COVID-19 influenciem as vias e as quantidades de emissões de CO2 nas próximas décadas, mas dependerá de como os líderes mundiais considerarão as mudanças climáticas ao planejar suas atividades econômicas futuramente.

Colaboração: Nathalia Rossigalli Alves Costa

sobre a autora

Artigo original

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Temporary reduction in daily global CO2 emissions during the COVID-19 forced confinement”, publicado pela revista Nature Climate Change em maio de 2020, de autoria de Le Quéré, C. e colaboradores. O artigo original pode ser acessado nesse link.

(Editoração: Beatriz Spinelli, Fernando Mecca e Caio Oliveira)

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