#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)
Novas pesquisas revelam que, ao longo da história, as mulheres desempenharam um papel fundamental na caça em diversas culturas.
Sabe-se que, ao longo da história da humanidade, as mulheres desenvolveram papéis fundamentais para a subsistência em diversas culturas.No entanto, esse papel feminino nunca foi muito associado à caça de animais. Agora, ao contrário do que se acreditava – que os homens eram os caçadores e as mulheres, coletoras – estudos etnográficos recentes estão desconstruindo essa noção com provas concretas, evidenciando o papel significativo das mulheres como caçadoras. Uma nova pesquisa, publicada na revista PLOS ONE, reuniu dados de diversas sociedades tradicionais e demonstrou que em quase 80% delas foram identificados sinais de participação de mulheres nas atividades de caça.
Caça e coleta eram atividades essenciais para a obtenção de alimentos antes dos avanços tecnológicos modernos. Antigamente, imaginava-se que as mulheres se dedicavam à coleta, pois esta atividade se encaixava melhor ao ritmo de vida atribuído a elas. Enquanto isso, acreditava-se que os homens desempenhavam um papel mais agressivo e ativo como caçadores. Isso provavelmente foi causado pelo viés contemporâneo sobre o entendimento de papéis masculinos e femininos, pois, mesmo quando ferramentas de caça eram encontradas junto aos restos mortais femininos, poucos historiadores ou cientistas consideravam a possibilidade delas terem sido usadas para fins de caça.
Um exemplo intrigante é o estudo realizado em 2020 sobre um sítio funerário nos Andes peruanos chamado Wilamaya Patjxa. Neste local com 9 mil anos de idade, foram encontradas evidências concretas de que algumas mulheres participavam ativamente da caça de animais grandes.
A nova pesquisa, por sua vez, compilou dados provenientes de 63 sociedades tradicionais espalhadas pelo mundo, incluindo América do Norte, América do Sul, África, Austrália, Ásia e Oceania. Surpreendentemente, em 50 dessas sociedades (79% do total), foram identificados sinais de participação feminina na caça.
Nas sociedades em que a caça era a principal forma de subsistência, as mulheres participavam ativamente 100% do tempo. Além disso, as evidências indicam que as mulheres se envolviam na caça de animais de todos os tamanhos quando esta atividade era priorizada. Ao contrário da crença comum sobre o foco nas espécies menores, as mulheres buscavam a caça grande quando esta era uma atividade intencional e não apenas uma oportunidade ocasional.
Ainda, os cientistas relatam que as pesquisas arqueológicas recentes, além de apresentarem evidências de que as fêmeas caçavam, também indicam que elas iam para a guerra, em toda a linhagem do Homo sapiens. O trabalho atual, focou na coleta de dados de toda a literatura etnográfica para investigar a prevalência de mulheres caçadoras em sociedades coletoras em tempos mais recentes.
Assim, as evidências dos últimos cem anos apoiam achados arqueológicos do Holoceno (na escala de tempo geológico, o Holoceno faz parte do Período Quaternário, que começou há cerca de 12 mil anos e segue até os dias atuais) de que mulheres de uma ampla gama de culturas caçam intencionalmente para subsistência.
Portanto, os resultados deste estudo desafiam a noção tradicional de que as mulheres eram exclusivamente coletoras enquanto os homens eram exclusivamente caçadores. É preciso reavaliar as evidências arqueológicas e etnográficas sob uma nova perspectiva para desconstruir essa narrativa generalizada.
Os pesquisadores ressaltam que essas descobertas estão alinhadas com aspectos físicos e fisiológicos das mulheres que tornam seu envolvimento na caça plausível. A prevalência desses dados contraria diretamente a crença amplamente aceita de que há uma divisão clara entre o trabalho masculino de “caçar” e o trabalho feminino de “coletar”.
Colaboração:
Jéssica de Moura Soares sobre a autora
Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Artigo científico de autoria de A. Anderson e colaboradores, intitulado “The Myth of Man the Hunter: Women’s contribution to the hunt across ethnographic contexts”, publicado no periódico PLOs ONE em 28 de junho de 2023. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0287101
Matéria no site Só Científica, intitulada “Estudo prova que mulheres também caçavam na era dos caçadores-coletores”, publicada em 29/06/23. https://socientifica.com.br/estudo-prova-que-mulheres-tambem-cacavam-na-era-dos-cacadores-coletores/