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Edição do DNA e Nobel de Química: como funciona a técnica premiada?

Pesquisadoras recebem mais de R$ 6 milhões em reconhecimento por técnica revolucionária de edição do código da vida. 

 

A semana de realização do Nobel trouxe um feito inédito para a ciência: pela primeira vez duas mulheres ganharam juntas o prêmio na área de Química. Na última quarta-feira (7), as pesquisadoras Emmanuelle Charpentier, da França, e Jennifer Doudna, dos Estados Unidos, foram premiadas pelo desenvolvimento da técnica de edição genética CRISPR. A pesquisa da dupla foi realizada em 2012 e contribuiu para o avanço de novas terapias contra doenças ligadas ao funcionamento de genes. 

O método Crispr se baseia em uma estratégia utilizada pelas bactérias contra a infecção por vírus. Quando as bactérias são infectadas pela primeira vez, seu sistema interno copia o DNA do vírus e guarda a cópia em seu próprio DNA como registro de identificação viral. Da próxima vez em que o vírus for atacá-la, a bactéria aciona moléculas de RNA (outro tipo de material genético presente nas células) que funcionam como “guias de reconhecimento”. O RNA é complementar ao DNA, como peças de Lego que se encaixam de forma específica.

 

Foto das pesquisadoras premiadas com o Nobel de Química em 2020, Emmanuelle Charpentier (esquerda) e Jennifer Doudna (direita).
Emmanuelle Charpentier (esquerda) e Jennifer Doudna (direita), pesquisadoras premiadas com o Nobel de Química em 2020 por técnica de edição genética. Imagens: Bianca Fioretti of Hallbauer & Fioretti (esquerda) e Duncan.Hull and The Royal Society (direita) / Wikimedia Commons.

 

Quando o pedaço de DNA invasor é reconhecido pelo RNA guia, uma proteína chamada Cas9 é ativada e corta o DNA naquele ponto. Com isso, o vírus não consegue produzir cópias de si mesmo e a reprodução viral é bloqueada.

CRISPR e a contribuição das premiadas

O termo CRISPR é uma sigla para “Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas” (em inglês: “Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats”). O nome é longo, mas sua interpretação é simples: ele faz referência a uma sequência de blocos repetidos no DNA, como se fossem peças iguais de Lego enfileiradas e espaçadas. A expressão foi usada pela primeira vez no começo dos anos 2000, em outra pesquisa que investigava a função desses blocos repetidos e descobriu que eles estavam associados aos genes de proteínas Cas. 

Apesar de o nome CRISPR ser recente, o estudo de edição gênica é mais antigo e já incluía vários métodos diferentes. Mas todos eram muito caros e demorados. A grande contribuição de Emmanuelle e Jennifer foi simplificar a técnica e aplicar o mecanismo da Cas9 para editar o DNA de outros seres vivos. Elas mostraram que a edição era possível em células in vitro, ou seja, cultivadas em laboratório. Esse passo ampliou as possibilidades de retirar genes ou de substituir uma parte do DNA.

 

Infográfico sobre funcionamento da técnica CRISPR.
Infográfico sobre funcionamento da técnica CRISPR. Imagem: Reprodução/ComCiência.

 

O processo de “recortar e colar” trechos do material genético permite mudar e melhorar características de interesse. A técnica já foi usada, por exemplo, para produzir amendoins que não causam alergia, melhorar variedades de tomates e desenvolver terapias para câncer, distrofia muscular e problemas de visão.

Preocupações éticas e a batalha pela patente

Ao mesmo tempo em que traz grandes progressos, a técnica exige cuidados éticos. O método CRISPR pode resultar em erros na hora de cortar o DNA ou desencadear mutações não previstas. Por essa razão, seu uso tem limitações. A técnica ainda não pode ser aplicada, por exemplo, em embriões humanos que serão utilizados em reprodução assistida. O descumprimento desta recomendação resultou na condenação de um pesquisador chinês a três anos de prisão: em 2018, He Jiankui editou genes de embriões humanos para torná-los imunes ao vírus HIV.  Os embriões foram implantados e resultaram no nascimento de trigêmeas. 

Seis meses depois que Emmanuelle e Jennifer publicaram seu estudo na revista científica Science, o pesquisador Feng Zhang, do Instituto Broad (EUA), demonstrou o funcionamento da técnica CRISPR em células de mamíferos. A disputa pela patente do método ainda está em aberto e, uma vez resolvida, pode render bilhões de dólares. Por essa razão, havia uma expectativa em parte da comunidade científica de que Feng compartilhasse o Nobel com as duas pesquisadoras, o que não aconteceu.

 

News: Luanne Caires

sobre a autora

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site G1, intitulada “Nobel de Química 2020: entenda o que é o Crispr, ferramenta que consegue editar o DNA”, publicado em 07/10/2020.
https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/10/07/nobel-de-quimica-2020-entenda-o-que-e-o-crispr-ferramenta-que-consegue-editar-o-dna.ghtml

Artigo no site do Universo Racionalista, intitulado “CRISPR, o revolucionário editor genético, é homenageado pelo Nobel de Química de 2020”, publicado em 07/10/2020.
https://universoracionalista.org/crispr-o-revolucionario-editor-genetico-e-homenageado-pelo-nobel-de-quimica-de-2020/

 

(Editoração: André Pessoni)

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