O pouco que sabemos sobre sementes destas áreas só nos mostra o quanto é importante aprender mais para poder conservar e restaurar.
Na região Amazônica, se forem consideradas as áreas com menos de 500m acima do nível do mar, cerca de 14% de toda bacia Amazônica (ou 800.000 km2) pode ser considerada área alagável. Estas áreas e suas florestas são responsáveis pela subsistência das populações humanas na Amazônia e pelo desenvolvimento de importantes atividades comercias, como pesca e exploração florestal. São áreas provedoras de muitos serviços ambientais, constituindo a base que sustenta toda uma cadeia de biodiversidade, além da proteção e manutenção da qualidade de vida da própria espécie humana.
Destaques:
- As áreas alagáveis da Amazônia têm papel chave na sustentação da biodiversidade e da subsistência e economia de populações humanas;
- Entender a reprodução dos vegetais destas áreas é essencial para a conservação e a recuperação delas;
- Sementes de áreas alagadas são sensíveis a dessecação, o que dificulta seu armazenamento e comércio;
- Existe uma diferença marcante na composição das espécies da várzea entre as áreas alta e baixa do terreno, que pode ser explicado em parte pelo seu comportamento de germinação.
Estudos de ecologia da germinação, e outros que envolvem o comportamento das sementes, são vitais para desenvolver estratégias de conservação e restauração de florestas tropicais. Pesquisas apontam a tendência de que nas zonas tropicais e subtropicais (áreas úmidas e sem sazonalidade climática) é mais comum a ocorrência de espécies com sementes sensíveis ao dessecamento, e não podem, portanto, ser armazenadas. Outro aspecto a ser considerado em relação às práticas de manejo atualmente aplicadas para florestas tropicais é a questão da sustentabilidade ecológica das atividades de exploração. Entretanto, pouco se sabe sobre a germinação e estabelecimento de espécies florestais de áreas alagadas, bem como sobre a relação destes processos com fatores ambientais como luz e inundação.
Nesse contexto, estudos foram realizados com 12 espécies vegetais com alto valor ecológico e econômico comuns das florestas alagadas, a fim de avaliar a tolerância das sementes em condições de inundação e dessecação. Sementes de oito espécies foram classificadas de acordo com atributos biométricos (comprimento, largura e espessura), morfologia externa (forma do contorno e textura do revestimento externo), massa e o teor de água. As espécies selecionadas representam 80% do número e do volume total de madeira seletivamente extraídas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas.
As sementes de três espécies, menores e com os menor teor de água, permaneceram viáveis e germinaram após o dessecamento e armazenamento (de quatro meses e um ano), sendo classificadas como tolerantes à dessecação. As outras cinco espécies foram classificadas como sensíveis a dessecação: suas sementes não germinaram nos mesmos tratamentos, não podendo ser efetivamente armazenadas. A média da massa seca foi dez vezes maior nas sementes sensíveis à dessecação (82.22 g) do que nas tolerantes a dessecação (8.58g). O conhecimento desses aspectos é considerado básico e necessário para o comércio racional das sementes, para atender demandas crescente de mercado e necessidades de futuras intervenções de restauração, recomposição ou reabilitação de áreas degradas. O estudo sugere que técnicas de armazenamento em via úmida devem ser pesquisados, pois são essenciais para a viabilidade das espécies de várzea.
Em outro estudo, 10 espécies de árvores de regiões alagadas foram divididas entre as que se estabelecem apenas na várzea baixa (mais susceptível a inundação), apenas na várzea alta, ou generalistas. Suas sementes foram plantadas em condição não-inundada, diretamente no solo da várzea, ou de inundação – ficando 15 dias em água antes da semeadura. As espécies de várzea baixa em condições de inundação tiveram um aumento de 37% de germinação, enquanto as espécies de várzea alta e generalista exibiram uma redução de 38% e 35%, nas mesmas condições, respectivamente. As mudas de espécies de várzea baixa tinham mais comumente estruturas iniciais em forma de folha – chamadas cotilédones foliáceos – que realizam fotossíntese e permitem assim o desenvolvimento da planta. Já as espécies de várzea alta tinham cotilédones de armazenamento, ou seja, suas primeiras estruturas a germinar armazenavam recursos que possibilitariam o desenvolvimento da planta.
O comportamento germinativo seria uma resposta às condições de inundação, assim, as sementes produzidas por árvores que se estabelecem nas zonas da “várzea baixa”, portanto sujeitas a maior intensidade de inundação, germinam mais rápido e em sincronia e suas mudas tendem a ter cotilédones foliáceos, sem reservas de nutrientes. Em contrapartida, as sementes produzidas por espécies que se estabelecem em zonas de “várzea alta” sujeitas a menor intensidade de inundação, exibem uma germinação mais lenta e temporalmente dispersa, e suas mudas tendem a ter armazenamento de reserva nos cotilédones.
Os programas que visam o efetivo manejo florestal e implementação de planos de conservação, ou recuperação de áreas degradadas de florestas de várzea, devem considerar as características da fisiologia e do desenvolvimento das sementes em condiçoes ambientais adversas. O prévio conhecimento sobre as estratégias de estabelecimento das espécies é relevante para entender os efeitos das mudanças climáticas e outros fatores de impacto, que podem ameaçar a resiliência e a capacidade de suporte desse ecossistema.
Especial Amazônia: Auristela Conserva
Fontes:
Conserva, A. S.; Santana, D. G. ; Piedade M.T.F. . Seed features of important timber species from the floodplain várzea forest: implications for ex situ conservation programs in the amazon. Uakari (Belém. Online), 9: 7-19, 2013.
Conserva, A. S.; Camargo, J. L. C. ; Santana, D. G. ; Piedade, M. T. F. . Germinative behavior of ten tree species in white-water floodplain forests in Central Amazonia. Folia Geobotanica, 52: 1-13, 2017.
Khurana, E. K. T. A., and J. S. Singh. Ecology of seed and seedling growth for conservation and restoration of tropical dry forest: a review. Environmental conservation. 28.1: 39-52, 2001.
Melack, John M., and Laura L. Hess. Remote sensing of the distribution and extent of wetlands in the Amazon basin. Amazonian floodplain forests. Springer, Dordrecht, 43-59, 2010.
(Editoração: Fernando Mecca, Priscila Rothier)