A espécie foi encontrada pela primeira vez em ambientes hospitalares e chama a atenção para a necessidade de se aprimorar métodos de identificação de fungos em hospitais.
O novo coronavírus colocou o mundo inteiro em alerta com a pandemia de Covid-19, uma doença respiratória aguda. Mas outros microrganismos também são capazes de infectar o sistema respiratório humano e até mesmo agravar problemas causados por infecções simultâneas. É o caso do Aspergillus latus, fungo híbrido encontrado pela primeira vez em ambiente hospitalar e que apresenta maior resistência a medicamentos do que os fungos dos quais se origina.
O A. latus faz parte do gênero Aspergillus, famoso na área da saúde por causar uma doença pulmonar chamada aspergilose. A principal espécie causadora da doença é a A. fumigatus, responsável por cerca de 90% dos casos, mas A. flavus, A. terreus, A. niger e A. nidulans também podem afetar o sistema respiratório. A nidulans é especialmente frequente em pacientes com doença granulomatosa crônica, uma doença geneticamente determinada que afeta células de defesa do corpo.
Representante do gênero de fungos Aspergillus. Imagem: Shutterstock.
Associação com Covid-19 e outras doenças
Comuns em plantas e no solo, as espécies de Aspergillus são geralmente inofensivas a pessoas saudáveis, pois o sistema imunológico responde rapidamente à presença de esporos dos fungos. O problema aparece quando pessoas com sistema imunológico comprometido respiram os esporos, o que pode resultar em pneumonia e outros sintomas graves.
Pacientes com Covid-19 se enquadram nesse perfil e quatro cepas de Aspergillus já foram isoladas de pessoas que morreram por ocorrência simultânea das duas doenças na Europa. Agora, pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Portugal e Bélgica utilizam técnicas de sequenciamento genético para investigar quais espécies foram responsáveis pelas infecções e quais fatores favorecem a relação entre Covid-19 e a infecção por fungos.
A história começou porque os cientistas reuniram material coletado em hospitais dos Estados Unidos, Canadá, Portugal e Bélgica para analisar o efeito patogênico de A. nidulans em ambientes hospitalares. Surpreendentemente, das nove amostras coletadas de pacientes com aspergilose supostamente causada por A. nidulans, seis amostradas se revelaram causadas por A. latus. O resultado é inédito, já que antes não havia registros de que esse fungo causasse infecções em humanos.
Ao sequenciar o genoma da espécie, o grupo descobriu que ela é um híbrido, ou seja, contém material genético de espécies diferentes. No caso, as espécies são A. spinulosporus e uma espécie ainda não definida, mas que é aparentada de A. quadrilineatus.
A espécie Aspergillus aspinolusporus e uma espécie aparentada a Aspergillus quadrilineatus originaram uma espécie híbrida de fungo chamada Aspergillus latus. Imagem: Gustavo Goldman/USP/Reprodução Agência Fapesp.
Os híbridos muitas vezes herdam uma média das características das espécies que lhes dão origem, mas A. latus manteve intacto todo o material genético das duas espécies parentais, o que sugere que o hibridismo é recente em termos evolutivos. Essa característica também coloca a espécie no grupo minoritário de fungos que têm dois conjuntos de cromossomos. Todas as células humanas, com exceção dos óvulos e dos espermatozóides, têm dois conjuntos de cromossomos (um herdado da mãe e outro do pai), mas essa composição genética não é comum em fungos.
Assim como acontece com bactérias, fungos também podem desenvolver resistência a medicamentos. Por essa razão, identificar corretamente as espécies causadoras de doenças é fundamental para um tratamento específico e eficaz. As amostras de A. latus encontradas pelos pesquisadores, por exemplo, são muito mais resistentes a antifúngicos do que as espécies parentais e interagem de forma diferente com células imunológicas humanas.
Atualmente a identificação em hospitais é feita por análise morfológica no microscópio, o que pode levar a conclusões erradas devido à alta similaridade de aparência entre algumas espécies. Um método mais seguro seria o sequenciamento genético, mas o Brasil tem poucos hospitais que dispõem de recursos para essa forma de identificação.
Microscopia de fungo do gênero Aspergillus afetando tecido pulmonar. O fungo corresponde aos compridos filamentos em roxo. Imagem: Anatomia Patológica Unicamp.
O estudo sobre as características de A. latus e sua patogenicidade foi publicado na revista científica Current Biology. O núcleo brasileiro da pesquisa é coordenado pelo professor Gustavo Henrique Goldman, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
News: Luanne Caires
Fontes:
Pathogenic allodiploid hybrids of Aspergillus fungi (Current Biology)
https://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(20)30587-X
Pesquisadores descobrem fungo híbrido envolvido em infecções pulmonares (Agência Fapesp)
Pesquisadores descobrem doença secundária em pacientes com Covid-19 (EPTV)
https://globoplay.globo.com/v/8662646/
(Editoração: André Pessoni)