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Fungo super-resistente a medicamentos e com alta letalidade é registrado pela primeira vez no Brasil

Chegada do fungo ao país aumenta preocupação de equipes médicas em um momento em que hospitais já estão sobrecarregados em consequência da Covid-19. 

 

A semana foi marcada pelo alerta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a chegada do fungo Candida auris ao Brasil. O fungo representa uma ameaça por ter alta resistência a medicamentos, ser fatal em cerca de 39% dos casos e causar surtos de infecções, especialmente em hospitais. O alerta de risco foi emitido na segunda-feira (8) após confirmação do diagnóstico em um paciente com Covid-19 internado em um hospital no estado da Bahia.

A suspeita começou na semana passada, após o paciente (um homem adulto) apresentar sintomas compatíveis com a infecção pelo fungo. Traços do microrganismo foram encontrados na ponta de um cateter inserido no paciente. Como o fungo é facilmente confundido com outras espécies, a estratégia adotada para diagnóstico foi de prova e contraprova: uma amostra foi enviada para o Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia e outra para o Laboratório da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). As duas deram resultado positivo para Candida auris. Novos exames para confirmação serão realizados, incluindo sequenciamento genético do microrganismo.

 

Representação gráfica da levedura.
Maioria das infecções por Candida auris no mundo ocorreu em hospitais. Imagem: Reprodução / Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo.

 

Algumas espécies do gênero Candida são conhecidas por causar doenças em humanos, como a candidíase, e são comuns em ambientes hospitalares. O maior problema da C. auris é sua grande resistência a fungicidas e o alto risco de ser fatal. De acordo com o alerta da Anvisa, “algumas cepas de C. auris são resistentes a todas as três principais classes de fármacos antifúngicos (polienos, azóis e equinocandinas)”.  Além disso, as cepas são resistentes à maioria dos desinfetantes utilizados nos hospitais e podem permanecer no ambiente por semanas ou meses. Cepas são variantes genéticas de fungos, que têm origem comum e compartilham características na forma e na fisiologia.

O primeiro registro de infecção pelo fungo foi feito em 2009, no ouvido de uma paciente no Japão. Na última década, o microrganismo já se alastrou para mais de 30 países e infectou mais de 4,7 mil pessoas. A estimativa foi feita com base em estudos que notificaram casos clínicos de Candida auris e foi publicada na revista científica BMC Infectious Diseases mês passado. Segundo a pesquisa, alguns fatores aumentam a letalidade do fungo. Um deles é a chegada da infecção à corrente sanguínea do paciente, o que pode causar morte em cerca de 45% das vezes.

A chegada de C. auris ao Brasil é um lembrete importante às autoridades brasileiras sobre o desafio imposto pela resistência microbiana, tanto de fungos quanto de bactérias. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), microrganismos resistentes a medicamentos têm aumentado rapidamente e são uma das maiores ameaças à saúde global, pois limitam a opção de tratamento das doenças causadas por eles. Apesar de ocorrer naturalmente, a resistência a medicamentos tem se acelerado por fatores como o uso excessivo e inadequado de medicamentos em pessoas e outros animais.

 

Representação gráfica da levedura.
C. auris é um tipo de levedura, assim como os fungos da espécie Saccharomyces cerevisiae usada na produção de cervejas. Imagem: Science Photo Library/ BBC Brasil.

 

Embora os riscos sejam altos, o médico infectologista Alessandro Pasqualotto, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde em Porto Alegre, disse em entrevista ao UOL que não há necessidade para pânico: “Em termos globais, ainda são poucos os casos. Não é porque temos a suspeita de um caso no Brasil que temos que fechar as fronteiras. Mas, dada a sua resistência, existe sim um alerta, porque (o fungo) pode causar surtos em pequenos núcleos, como no ambiente hospitalar”. 

O primeiro surto na região da América Latina ocorreu na Venezuela entre 2012 e 2013 e atingiu 18 pessoas em hospitais. Entre 2015 e 2016, um surto em um hospital de Londres atingiu 50 pessoas, entre as quais 22 desenvolveram infecção e 18 foram colonizadas pelo fungo em partes da pele ou das mucosas.  

Uma dificuldade a ser superada pelo sistema de saúde é a capacidade de diagnóstico e notificação das infecções. Segundo levantamento de Pasqualotto em 2017, apenas 10% dos 130 laboratórios de centros médicos de referência na América Latina tinham capacidade de atender aos padrões europeus de detecção de doenças invasivas de fungos.

Para saber mais sobre outro fungo que também causa preocupação hospitalar, inclusive associado à Covid-19, confira o texto “Fungo híbrido causa infecção secundária em pacientes com Covid-19“. 

 

News: Luanne Caires

sobre a autora

Fontes e mais informações sobre o tema:

Alerta de Risco GVIMS/GGTES/Anvisa no 01/2020, publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 07/12/2020. 
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/identificacao-de-possivel-caso-de-candida-auris-no-brasil/ALERTA012020CANDIDAAURIS07.12.2020_2.pdf

Matéria no site BBC News Brasil, intitulada “Candida auris: Brasil emite alerta sobre 1º caso de ‘superfungo’ fatal resistente a medicamentos”, publicada em 08/12/2020.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55231505

Matéria no site UOL, intitulada “‘Superfungo’ em alerta no Brasil preocupa, mas não é ameaça como covid-19, diz infectologista, publicada em 09/12/2020.
https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/bbc/2020/12/09/superfungo-em-alerta-no-brasil-preocupa-mas-nao-e-ameaca-como-covid-19-diz-infectologista.htm

Matéria no site Agência Brasil, intitulada “Anvisa confirma identificação de fungo resistente e letal no Brasil”, publicada em 09/12/2020. 
https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2020-12/anvisa-confirma-identificacao-de-fungo-resistente-e-letal-no-brasil

Artigo científico intitulado “Is the superbug fungus really so scary? A systematic review and meta-analysis of global epidemiology and mortality of Candida auris”, publicado na revista BMC Infectious Diseases em 2020, de autoria de Chen J., Tian S., Han X. e colaboradores.
https://bmcinfectdis.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12879-020-05543-0#Sec7

Comunicado científico intitulado “First report of Candida auris in America: Clinical and microbiological aspects of 18 episodes of candidemia”, publicado na revista Journal of Infection em 2016, de autoria de Calvo B., Melo ASA., Perozo-Mena A. e colaboradores.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27452195/

Artigo científico intitulado “First hospital outbreak of the globally emerging Candida auris in a European hospital”, publicado na revista Antimicrobial Resistance & Infection Control em 2016, de autoria de Schelenz S., Hagen F., Rhodes JL. e colaboradores.
https://aricjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13756-016-0132-5

Campanha da Organização Mundial da Saúde, intitulada “Semana Global de Conscientização Antimicrobial 2020”.
https://www.who.int/campaigns/world-antimicrobial-awareness-week/2020

 

(Editoração: André Pessoni)

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