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Governo mexicano tenta semear nuvens

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)

Devido à seca, o México está investindo na controversa tecnologia de propagação de nuvens

O México enfrenta a segunda pior seca em uma década. Diante disso, os produtores rurais, temerosos por suas colheitas e criações, solicitaram auxílio ao governo, que respondeu à demanda usando a tecnologia de propagação de nuvens. Neste contexto, a Comissão Nacional para Zonas Áridas (Conaza), um braço do Ministério da Agricultura do país, anunciou que lançaria um programa de estímulo às chuvas nos estados de Tamaulipas e Baja California, no nordeste e noroeste do país, respectivamente. Apesar da escolha, a semeadura de nuvens divide opiniões entre pesquisadores, e muitos cientistas alertam que há poucas evidências de que a semeadura de nuvens funcione, apesar do governo mexicano dizer que teve sucesso.

A semeadura de nuvens parte do princípio de dispersar gotículas de iodeto de prata nas nuvens. Como o iodeto possui uma estrutura cristalina similar ao gelo, ele atrai gotículas de água ao seu redor que, eventualmente, tornam-se pesadas o suficiente para cair como chuva ou neve. O governo tem trabalhado com Alejandro Trueba, engenheiro agrícola, fundador e diretor da empresa Startup Renaissance.

Segundo Fernando García, físico de nuvens da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) na Cidade do México, o governo começou a realizar experimentos de modificação do clima na década de 1940, mas as pesquisas foram escassas ao longo das décadas.

Desde que Trueba se envolveu, a Conaza executou pelo menos cinco programas de semeadura de nuvens. Para isso, foram enviadas aeronaves para as nuvens várias vezes. Com base nessas execuções, a agência informou que a tecnologia é 98% eficaz na mitigação dos efeitos da seca, que extinguiu pelo menos 25 incêndios florestais e que encheu barragens e aquíferos. Apesar disso, Garcia explica que há “evidências teóricas” de que a semeadura de nuvens pode aumentar a precipitação. “Posso modificar [uma nuvem]. O que não sei é se vou aumentar as chuvas ou até suprimir, porque isso também pode acontecer.”

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Membros da Força Aérea trabalhando pelo governo mexicano para dispersar partículas em nuvens com o objetivo de aumentar a precipitação. Crédito: Jesús Bustamante/Reuters/Reprodução Nature

Diante dessas discussões a revista Nature solicitou ao México (obedecendo a uma lei de acesso à informação) documentos de como a Conaza avalia a eficiência do programa. Em resposta, a Comissão divulgou 150 páginas sobre o programa, com informações de 2020 a 2022, nas quais afirma que não é uma instituição de pesquisa ou regulação de tecnologia, e que escolheu a Startup Renaissance porque a empresa prometia eficiências superiores a 90% com sua tecnologia RainMate.

Os documentos também mostram que a Conaza avalia o sucesso comparando as medições dos pluviômetros após a semeadura de nuvens com a quantidade de precipitação que havia sido prevista anteriormente para a região. No entanto, Garcia explica que o problema dessa abordagem é que as previsões meteorológicas não são perfeitamente precisas e as nuvens podem ter produzido chuva de qualquer maneira, sem a semeadura das nuvens. Trueba, por sua vez, explica que suas medições têm base em impactos, não na meteorologia, o que reforça a dúvida da eficiência da tecnologia.

Por outro lado, Sarah Tessendorf, física de nuvens do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos EUA em Boulder, Colorado, afirma que há algumas evidências de que a semeadura de nuvens funciona. Ela é a principal cientista do Seeded and Natural Orographic Wintertime Clouds: The Idaho Experiment (SNOWIE), um projeto que, em 2020, relatou crescimento de cristais de gelo e queda de neve durante três execuções de semeadura de nuvens.

Tessendorf e seus colegas estimam que, em uma área de aproximadamente 2.000 quilômetros quadrados, esses experimentos geraram uma quantidade de neve equivalente à água necessária para encher 300 piscinas olímpicas. Ela ainda sugere medir se a semeadura de nuvens funcionou por meio de técnicas que investigam conjuntos de controle de nuvens – semeando algumas nuvens, mas não outras, onde as condições são semelhantes – e executando um experimento estatístico “por anos e anos – idealmente décadas”, o que não permitiria validar a tecnologia agora. Além disso, ela também explica que é possível fazer simulações computacionais para prever como as nuvens se comportam com e sem propagação.

Os pesquisadores comparam os resultados desses modelos com medições de quanta água as nuvens retêm antes e depois de serem semeadas com iodeto de prata, acrescenta ela.

Outras questões que os cientistas abordam são as de custo benefício, a qual a Conaza responde afirmando que vê a semeadura de nuvens como uma solução à seca e reforça citando os sucessos do programa, incluindo o enchimento de barragens com aproximadamente 30 milhões de metros cúbicos de água para consumo humano. Além disso, Abelardo Rodriguez, consultor de economia hídrica, explica que “Mesmo que a semeadura de nuvens seja comprovadamente bem-sucedida, mais chuva não resolverá os problemas hídricos do país. A população do México aumentou dramaticamente, mas os recursos hídricos não aumentaram nada”, apontando a questão da gestão hídrica como um problema fundamental no país.

Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora

Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.

Fontes:

Matéria no site Nature, intitulada “Mexico is seeding clouds to make rain — scientists aren’t sure it works”, publicada em 01/05/2023. https://www.nature.com/articles/d41586-023-01038-5

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