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Um oceano limpo

#Década do Oceano (Uma parceria pela sustentabilidade do oceano)

Nosso lixo percorre trajetórias inimagináveis, mesmo uma praia visivelmente limpa pode estar poluída por microplásticos. Como podemos amenizar esse problema?

Destaques:
O lixo no mar vai desde uma escala de mega itens (como contêineres ou redes de pesca gigantes) até partículas microscópicas (como fibras sintéticas e fragmentos minúsculos);
Itens de origem humana foram recentemente observados como parte de rochas naturais formadas no mar, criando um registro geológico da nossa poluição;
Para avaliar os impactos ambientais dos microplásticos é preciso desenvolver maneiras de medi-los no ambiente de forma confiável e representativa;
Uma rotina automática foi desenvolvida pelos pesquisadores para que dezenas ou centenas de microplásticos possam ser identificados simultaneamente.

Diariamente, qualquer um de nós, em menor ou maior grau, polui o planeta que habitamos. O impacto de cada um depende das nossas ações diárias, que vão desde o que produzimos ao o que consumimos. Um exemplo de como essas ações geram diversos tipos de impactos é a quantidade de resíduo sólido ou lixo gerado dentro da nossa casa, que não desaparece simplesmente após ser descartado em uma lixeira ou ser levado pela coleta seletiva.

A produção e o consumo são muito maiores do que a capacidade de gerenciamento dos resíduos sólidos, que demandam muito planejamento e logística para alcançarem uma destinação final adequada. Além disso, os resíduos têm muitas formas de dispersão, desde ventos que carregam uma sacola de lixo até um rio, perdas de matéria-prima da produção do plástico (pellets) no transporte de cargas ou lixões a céu aberto.

O descarte inadequado de resíduos sólidos atinge diferentes ambientes, percorrendo trajetórias inimagináveis, chegando inclusive ao oceano, que está se tornando cada vez mais sujo – além de sofrer com muitos outros problemas como a sobrepesca e a acidificação das águas. E para obtermos um oceano limpo – um dos resultados esperados na Década do Oceano –, os desafios são muitos.

A porta de entrada para a maioria dos resíduos que chega às águas do mar são as praias, o ambiente marinho de mais fácil acesso às pessoas. Caminhar em uma praia contemplando o mar é uma das atividades mais prazerosas da vida, sobretudo quando a praia é limpa, apenas com os rastros das pessoas e do vai e vem das ondas.

Porém, o desconhecimento – ou até mesmo a dificuldade de reconhecimento – pode desviar a atenção de um grave problema no caminho: pontinhos coloridos na areia. Estes, que são muito parecidos com grãos de areia, na realidade são pedacinhos de plástico menores que meio centímetro, os microplásticos. E como eles se formam? Alguns plásticos são produzidos originalmente como essas partículas bem pequenas, já outros materiais plásticos, sob a ação do sol, das ondas e de outros fatores, se quebram, gerando pequenos fragmentos que se dispersam. Uma praia aparentemente limpa pode estar muito poluída por muitos deles!

Infelizmente, o oceano já tem trilhões de microplásticos e o impacto mais conhecido da presença deles na água é que peixes e outros organismos marinhos podem ingeri-los, acumulando-os em seu trato digestivo. Ou seja, eles ingerem fragmentos de plásticos como “alimento” e falecem por inanição ou pelo efeito físico do material em seus tratos digestivos. Além disso, esses organismos contaminados, como peixes e frutos do mar, podem ser consumidos por nós mesmos.

Para avaliar os impactos ambientais dos microplásticos é preciso desenvolver maneiras de medi-los no ambiente de forma confiável e representativa, por exemplo, por meio de métodos analíticos. Estes métodos geram dados que permitem o estudo da dimensão do problema e que podem criar indicadores para ações preventivas e remediativas.

O desenvolvimento de métodos analíticos é uma especialidade do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), coordenado pelo professor Celio Pasquini do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas, (IQ-Unicamp) e que conta com mais de 75 pesquisadores brasileiros de diferentes áreas. No contexto da Década do Oceano, o INCTAA participa do projeto Ciência no Mar, do Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovações (MCTI), focado na problemática do vazamento de óleo e da poluição plástica. O INCTAA tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Um exemplo do uso desses métodos é como identificar os microplásticos coletados na praia. Os pesquisadores Celio Pasquini e Cristiane Vidal, ambos do INCTAA e do IQ-Unicamp, desenvolveram um método rápido que consiste na obtenção de uma imagem gerada por um “scanner químico” que revela a composição química dos microplásticos.

O método inicia-se pela coleta de areia da praia, que é peneirada em diversas faixas de tamanho. Em seguida, a amostra é colocada em um instrumento que emite radiação, que interage de maneira diferente com cada microplástico. Assim, é possível classificar cada um deles, como polietileno ou polipropileno (presentes em embalagens de alimentos, de produtos de higiene e de limpeza), poliestireno (mais conhecido como isopor) e tereftalato de polietileno (também chamado de PET). Dezenas ou centenas de microplásticos podem ser identificados simultaneamente, mesmo pequenos (0,3 a 1 mm) e misturados com outros componentes na areia, por meio de uma rotina computacional desenvolvida pelos pesquisadores.

A técnica que gera a imagem química é chamada de imageamento hiperespectral no infravermelho próximo (HSI-NIR), combinada com machine learning para a classificação do microplástico. O método foi descrito no artigo científico intitulado “A comprehensive and fast microplastics identification based on near-infrared hyperspectral imaging (HSI-NIR) and chemometrics”, publicado na revista internacional Environmental Pollution, escrito pelos químicos Cristiane e Celio, disponível aqui.

O scanner químico e a imagem química – (Acima) Instrumento emitindo radiação em uma amostra de microplásticos. (Abaixo) Amostra medida (à esquerda) e a sua imagem química (à direita) revelando os microplásticos de polietileno (PE) em azul, polipropileno (PP) em roxo e poliestireno (PS) em amarelo, em meio a outros componentes, como fragmentos de galhos e folhas que estavam na areia. Foto: Cristiane Vidal

Obtermos um oceano limpo vai muito além da remoção de lixo das praias. Um aspecto muito importante é considerar a heterogeneidade do lixo encontrado no ambiente marinho e costeiro. Apesar do material mais comum ser o plástico, sobretudo devido à sua flutuabilidade e durabilidade, o lixo marinho contém desde itens do nosso dia-a-dia, como garrafas, embalagens de alimento e hastes flexíveis, a itens muito diferentes, como pneus, material hospitalar e eletrodomésticos.

E tudo isso pode alcançar diferentes distâncias, uma vez que o oceano não tem fronteiras. As praias, são ecossistemas muito acessíveis e visíveis. Mas como podemos limpar áreas distantes da costa? Ou mesmo o mar profundo? Acredite, o lixo é um problema nesses lugares também! Inclusive já há registro de lixo no ponto mais profundo do oceano, a Fossa das Marianas, a 11 mil metros de profundidade.

E uma vez no ambiente, o lixo interage com o meio. Além da ingestão, também é comum animais usá-los como sua casa, como ermitões ou cracas que se abrigam, por exemplo, em tampinhas de garrafas plásticas. No caso de organismos incrustantes, uma vez grudados no lixo como um pedaço de isopor, eles podem sair navegando por aí e ir parar em um novo ambiente, causando desequilíbrios ecológicos.

Recentemente, a pesquisadora Carla Elliff junto com outros estudiosos, relataram em estudo que o lixo no mar está entrando no nosso registro geológico. Eles encontraram uma rocha sedimentar formada com pedaços de metal e plástico, cimentados de forma natural. Ainda não é certa todas as implicações dessa descoberta, que está sendo investigada mais a fundo, mas as antropoquinas – nome dado pelos pesquisadores a esse novo tipo de rocha –, são um alerta importante sobre até onde o nosso lixo pode chegar. O projeto segue sob a coordenação do professor Gerson Fernandino do Ceclimar/Campus Litoral Norte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS).

Esse cenário pode nos desanimar, mas é justamente nesse momento que não podemos deixar de fazer algo. Agir com uma postura de “o estrago já está feito” é ignorar todos os esforços e histórias de sucesso na empreitada de obtermos um oceano limpo e saudável. Sim, talvez nunca fiquemos completamente livres de lixo no mar, mas não podemos aceitar os níveis de poluição que vemos hoje como uma realidade normal.

O problema nunca esteve tão em alta, mas também nunca contou com tantas pessoas se unindo para buscar soluções inovadoras. Que os registros do nosso impacto sirvam de lembretes para sermos diferentes e melhores para o nosso planeta.

Fotografia da faixa de areia da praia de Jauá, BA. Em primeiro plano há muitos detritos na areia, como restos de vegetação natural do ambiente e principalmente itens de lixo. Esse lixo, majoritariamente plástico, é representado por microplásticos, pedaços de corda, tampinhas de garrafa, pedaços de isopor e outros fragmentos não identificáveis. Ao fundo, a faixa de areia se mistura com a vegetação de restinga e o céu está nublado
Lixo na praia de Jauá, litoral norte da BA – Muitos detritos na areia, como restos de vegetação natural do ambiente e principalmente itens de lixo, majoritariamente plástico, é representado por microplásticos, pedaços de corda, tampinhas de garrafa, pedaços de isopor e outros fragmentos não identificáveis. Ao fundo, a faixa de areia se mistura com a vegetação de restinga e o céu está nublado. Foto: Carla Elliff

Especial Década do Oceano – Uma parceria entre a Ilha do Conhecimento, a Liga das Mulheres pelo Oceano e a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano

Colaboração:

Carla Elliff sobre a autora            

Carla Elliff é oceanógrafa, com mestrado e doutorado em geologia. Atualmente é pesquisadora pós-doc no Instituto Oceanográfico da USP. Além de seu trabalho com lixo no mar, Carla tem interesse em serviços ecossistêmicos, recifes de coral, gestão costeira e divulgação científica.

Cristiane Vidal sobre a autora            

Cristiane Vidal é química e é do quadro de Profissionais de Apoio à Pesquisa da Unicamp. Tem mestrado em Química Analítica e atualmente desenvolve seu doutorado. Entre as áreas que mais lhe interessam estão contaminantes emergentes no ambiente e métodos de análise e remoção dos contaminantes.

Tássia Biazon sobre a autora            

Tássia Biazon é bióloga e jornalista científica. Atualmente é pós-graduanda na Unicamp e no Centro de Pesquisa Boldrini, colaboradora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano da USP e professora na rede SESI. Tem experiência e interesse em biologia da conservação, biologia molecular, jornalismo científico e divulgação científica.

Fontes consultadas:

– Artigo científico intitulado “First description of plastics and other man-made materials in recently formed coastal sedimentary rocks in the southern hemisphere”, publicado na revista Marine Pollution Bulletin em 2020, de autoria de Fernandino, G. e colaboradores.

– Artigo científico intitulado “Plastic Pollution in the World’s Oceans: More than 5 Trillion Plastic Pieces Weighing over 250,000 Tons Afloat at Sea”, publicado na revista PLOS ONE em 2014, de autoria de Eriksen, M. e colaboradores.

– Artigo científico intitulado “High concentrations of plastic hidden beneath the surface of the Atlantic Ocean”, publicado na revista Nature Communications em 2020, de Pabortsava, K. e Lampitt, R.S.

– Artigo científico intitulado “A comprehensive and fast microplastics identification based on near-infrared hyperspectral imaging (HSI-NIR) and chemometrics“, publicado na revista Environmental Pollution em 2021, de autoria de Vidal, C. e Pasquini C.

– Livro intitulado “Lixo nos mares: Do entendimento à solução”, publicado pela editora Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo em 2020, de autoria de Turra, A. e colaboradores.

– Matéria no site National Geographic Brasil intitulada “Sacola plástica encontrada em fossa oceânica mais profunda do planeta” publicada em 16/05/2018.

– Matéria no site Bate-Papo com Netuno intitulada “Lixo no mar: da ciência à política pública” publicada em 06/10/2020.

– Website “Planet or Plastic?“.

– Website “Ciência no Mar“.

– Website “INCTAA”.

– Website “Plano Estratégico de Monitoramento e Avaliação do Lixo no Mar do Estado de São Paulo (PEMALM-SP)”.

– Canal do Youtube “(PEMALM-SP)”.

– Palestra intitulada “Cercados de plástico: do registro fotográfico ao científico“, veiculada no canal do Youtube “Cientistas Formosas”.

(Editoração: Loren Pereira, Fernando Mecca, Tássia Biazon, Eduardo Borges)

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