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Estudo revela uma alta prevalência da associação do vírus da mononucleose (Epstein-Barr) com a esclerose múltipla

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)

O trabalho investigou a presença do vírus causador da doença do beijo em mais de 10 milhões de militares nos EUA e observou que os infectados possuem cerca de 32 vezes mais chances de desenvolver esclerose múltipla.

Um estudo realizado na Universidade de Harvard e publicado na última semana na revista Science fornece sólidas evidências de que há um risco aumentado, em cerca de 32 vezes, do desenvolvimento da Esclerose Múltipla (EM) em indivíduos que foram infectados com o vírus Epstein-Barr. O vírus é causador da mononucleose, também conhecida como doença do beijo.

A EM é uma doença inflamatória crônica do sistema nervoso central em que o próprio sistema imunológico ataca as bainhas de mielina, que são capas de tecido adiposo que protegem os neurônios do cérebro e da medula espinhal. Quando esta cobertura é danificada, os impulsos nervosos podem diminuir ou até mesmo parar, sendo esta a causa dos sintomas da doença. A EM é considerada rara e afeta cerca de 2,8 milhões de pessoas em todo o mundo. É uma condição vitalícia e degenerativa que pode causar incapacidade grave, embora às vezes possa ser leve. Dentre os sintomas, é possível haver problemas de visão, movimentos, sensações ou de equilíbrio.

esclerose multipla
Nos neurônios afetados pela EM, a camada que protege os neurônios, chamada de bainha de mielina, é degenerada pela ação do sistema imunológico (Reprodução esclerosemultiplario).

Já o vírus Epstein–Barr (VEB) é um dos vírus mais comuns em humanos. Também é chamado de herpesvírus humano 4, pois pertence à mesma família do herpes. Ele infecta cerca de 95% dos adultos, sendo transmitido principalmente pela saliva e causando a mononucleose que, por causa disso, também é chamada de doença do beijo. A infecção também é conhecida como febre glandular e é latente ao longo de toda a vida do hospedeiro.

vírus Epstein-Barr
Ilustração do vírus Epstein-Barr, causador da mononucleose ou doença so beijo, que afeta cerca de 95% dos adultos (Reprodução scitechdaily).

Na literatura, há muito já se suspeita que o VEB pode desencadear a EM. Assim, o novo estudo é o primeiro a fornecer evidência convincente de que ele realmente tem um papel fundamental no desencadeamento desta doença. Isso explica porque um destaque deste trabalho é o seu grande número amostral, já que os pesquisadores contaram com a participação de mais de 10 milhões de militares nos EUA. Na verdade, essa foi a chave para estabelecer com mais confiança a causalidade entre as doenças. Isso porque o VEB infecta aproximadamente 95% da população, enquanto a EM por outro lado, é relativamente rara. Daí a dificuldade em estabelecer uma relação causal entre elas. Nesses casos, estudos com um grande número de indivíduos são necessários para estabelecer se as pessoas que não foram infectadas com o vírus são de fato menos propensas a desenvolver esclerose múltipla.

Assim, para determinar a conexão entre o vírus e a EM, os pesquisadores analisaram amostras coletadas a cada dois anos. Com isso, foi possível entender o status do vírus no momento da coleta da primeira amostra, além da relação entre a infecção pelo vírus e o início da EM durante o período de serviço militar. Para observar essa relação, os pesquisadores analisaram os níveis de um biomarcador de degeneração nervosa típica da EM e viram que este só aumentou após a infecção viral.

Segundo os autores do estudo, esses resultados “não podem ser explicados por nenhum fator de risco conhecido para EM e sugerem que o VEB é a principal causa” dessa doença. Com base nesses dados, o trabalho aponta que o risco de EM aumentou 32 vezes após a infecção pelo VEB, mas não mudou após a infecção por outros vírus.

Um dos pesquisadores, Alberto Ascherio, comenta que atualmente não há como prevenir ou tratar efetivamente a infecção pelo VEB, mas ele imagina que uma possível vacina ou medicamentos antivirais específicos poderiam prevenir ou até mesmo curar a EM. Neste cenário, atualmente, já existem várias empresas pesquisando uma vacina contra o vírus, portanto esta estratégia poderá ser estudada em breve.

Por outro lado, há pesquisadores que ainda não estão tão convencidos da relação entre as duas doenças. Para Clare Walton, pesquisadora principal da Sociedade de Esclerose Múltipla do Reino Unido, o estudo não prova conclusivamente uma relação causal. Apesar das últimas evidências, um ou mais fatores adicionais devem ser necessários para desencadear a EM, uma vez que, apesar de nove em cada dez pessoas em todo o mundo estarem infectadas com VEB, a maioria não desenvolve EM, declarou Clare em comunicado. Ela acrescenta que, em sua opinião, “não poderemos ter certeza de que o VEB está causando EM até que possamos ver o impacto que a prevenção da infecção por VEB tem na incidência de EM”.

 

Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é Bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site G1, intitulada “O estudo que indica que vírus da ‘doença do beijo’ pode causar esclerose múltipla”, publicada em 17/01/22. https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2022/01/17/o-estudo-que-indica-que-virus-da-doenca-do-beijo-pode-causar-esclerose-multipla.ghtml

Artigo científico intitulado “Longitudinal analysis reveals high prevalence of Epstein-Barr virus associated with multiple sclerosis”, publicado na revista Science em 2022, de autoria de Bjornevik K., Cortese M., Healy B.C., e colaboradores. https://www.science.org/doi/10.1126/science.abj8222

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