A importância da vacinação para o álbum de fotografia da sua imunidade
Destaques: – Doenças erradicadas voltam a ser problema de saúde ao redor do mundo; – Vacinação faz com que as células do sistema imune lembrem de suas infecções passadas; – Doenças como o sarampo fazem com que seu sistema imune apague as memórias de infecções anteriores, tornando o indivíduo mais suscetível a doenças. |
Um antigo ditado popular diz: quem é vivo, sempre aparece. Nos últimos anos, temos experienciado o ressurgimento de doenças que haviam sido erradicadas ou eram vistos raríssimos casos ao redor do mundo, como: sarampo, febre amarela, difteria, poliomielite, entre outras. Como é de se imaginar, os vetores de tais doenças continuam perambulando por aí, e quando acham um hospedeiro desprotegido (não vacinado), é hora da festa. O motivo para tal aumento de casos deve-se principalmente ao movimento conhecido como “antivacina”. Mas, antes de chegarmos ao movimento contra as vacinas, vale a pena voltarmos um pouco no assunto e entendermos, afinal, o que é uma vacina.
O conceito de vacinação está diretamente ligado ao conceito de memória. Como você deve saber, o nosso sistema imunológico consegue se lembrar dos patógenos que já encontramos na vida. Se um dia você ficou doente por conta de um vírus ou bactéria (patógeno), seu sistema montou uma resposta imune, destruiu o patógeno e gerou células de memória, as quais chamamos de linfócitos T e B de memória. É como se essas células guardassem uma “foto” daquele agente patogênico e, na próxima vez que ele aparecer, essas células vão reconhecê-lo, montar uma resposta imune rapidamente e eliminá-lo. Assim, provavelmente você nem vai notar que ele esteve pelas redondezas. No caso da vacinação, no lugar da primeira vez em que ficamos doentes, cientistas isolam pequenos pedaços desses agentes infecciosos, os inativam ou atenuam, de tal modo que eles não vão causar a doença, e injetam no corpo do indivíduo. Com isso, seu corpo gerará uma resposta e guardará uma “foto” desses visitantes. Caso eles apareçam na redondeza de novo, os linfócitos T e B de memória vão reconhecer que aquele “rosto” é o mesmo da foto guardada e vão gerar uma resposta imediata para combatê-lo.
O conceito de vacinação foi inicialmente cunhado no século XVIII, pelo médico inglês Edward Jenner. Naquele momento, a varíola (no inglês: smallpox) era uma das doenças que mais matava pessoas no mundo. O paciente infectado pelo vírus da varíola apresentava lesões na pele, febre, dores abdominais e diarreia. Além disso, essa doença se disseminava facilmente, levando à morte de milhares de pessoas, o que a tornava um grande problema social. Jenner observou que os responsáveis pela ordenha de vacas apresentavam uma doença chamada vaccínia (no inglês: cowpox), e apresentavam lesões na pele semelhantes às observadas em pacientes com varíola. Entretanto, pacientes infectados por vaccínia eram imunes à varíola. Frente a isso, Jenner decidiu inocular a secreção das lesões de pessoas infectadas com vaccínia em pessoas que não haviam sido infectadas por nenhuma das duas doenças. Jenner, então, observou que, ao serem infectadas por varíola, tais pessoas encontravam-se protegidas, ou vacinadas.
Desde então, diversas vacinas foram desenvolvidas e, consequentemente, pessoas tornaram-se imunes a inúmeras doenças, entre elas a varíola. Olhando pelo lado bom: parte da população nunca viu uma pessoa infectada, ou muito menos morrendo, por conta de varíola ou sarampo. Por outro lado, também observamos, nos últimos anos, o crescimento de um movimento denominado “antivacina”. Os defensores de tal movimento justificam que as vacinas possuem grandes quantidades de mercúrio, causam autismo, entre outros. Por não ser o primeiro a desmistificar tais notícias, prefiro deixar referências de revistas e cientistas que explicam os diversos motivos pelos quais todas elas não passam de afirmações infundadas. Opto aqui por apresentar o conceito de imunidade coletiva ou efeito rebanho (muito bem ilustrado pela figura abaixo). A ideia é super simples: em um ambiente em que a maioria da população foi imunizada para alguma doença, caso alguns indivíduos não tenham sido vacinados (como recém nascidos, idosos ou pessoas contra vacinas), eles acabam sendo protegidos pelos demais de forma indireta. Porém, quando o número de pessoas não vacinadas aumenta, o grupo não é mais capaz de se proteger e, consequentemente, os casos da doença voltam a aparecer não só entre aqueles que escolheram não tomar vacinas, mas também entre os que não podem tomar.
Uma das doenças que infelizmente faz parte do quadro das que haviam diminuído ou sido erradicadas em diversos países, mas retornou, é o sarampo. Sarampo é um vírus extremamente transmissível por gotas de aerossol, podendo afetar 90% das pessoas não vacinadas que entrarem em contato com gotículas de saliva de alguém contaminado. Ao entrar no sistema respiratório, o vírus é levado pelo ar, ou pelos cílios presentes na traqueia, até o pulmão, aonde infecta as células responsáveis por destruí-los, chamadas macrófagos. Ou seja, as primeiras células de defesa que possuímos no pulmão, são as primeiras a serem infectadas. Após a infecção, os macrófagos passam a servir aos interesses do vírus, gerando assim mais e mais partículas virais. Com o tempo, o número de vírus aumenta vertiginosamente, infectando mais e mais células. Os sintomas aparecem após 10 a 12 dias de infecção, incluindo febre, tosse, coriza, irritação nos olhos e manchas vermelhas pelo corpo. O problema é que, quando não cuidamos da doença, sintomas graves também aparecem, como pneumonia e encefalite, podendo levar à morte.
Além disso, alguns patógenos, como o vírus do sarampo, têm a capacidade de “apagar” a memória imunológica ou “deletar a foto” que o sistema imune havia guardado. Ao entrar em contato com as células do sistema imune, o vírus do sarampo consegue também infectar as células T e B de memória. Quando isso acontece, a única alternativa para acabar com o vírus é eliminar todas as células infectadas por ele. Ou seja, você elimina também as “fotos” que havia guardado de outras infecções por vírus, bactérias e parasitas anteriores. Mas, qual a consequência disso? Uma pessoa não vacinada para sarampo, que é infectada pelo vírus, passa então a ser mais suscetível a outras doenças por conta da “amnésia” gerada pelo sarampo no seu sistema imunológico.
Em conjunto, todas essas informações se somam ao coro que clama para que as pessoas levem a sério o calendário de vacinação e tratem com muitíssimo cuidado a sua carteirinha de vacinação. Não se trata apenas de proteger a si mesmo, mas também de cuidar da comunidade ao seu redor, das crianças e dos idosos. Ainda que nossa memória às vezes esqueça o quão ruins determinadas doenças podem ser, vamos coletivamente relembrar do ditado da vovó: “é melhor prevenir do que remediar”.
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Especial “UP Vacinas”: Gustavo Gastão Davanzo sobre o autor
Fontes consultadas:
– SANTOS, V. “História da vacina”; Brasil Escola. (Website);
– Podcast Naruhodo #146: Por que precisamos falar sobre vacinas? (Disponível aqui);
– Podcast Scicast #268: Vacinas. (Disponível aqui);
– Podcast PODEntender #35 sobre Vacinação e Saúde Pública. (Disponível aqui);
– Vídeo Nerdologia: Existe perigo na vacina? (Veja no Youtube);
– SALZBERG, S. How anti-vax activists use conspiracy theories to spread fear of vaccines/ Como os ativistas antivacina usam teorias da conspiração para espalhar medo de vacinas. (Matéria da revista Forbes);
– HUSSAIN, A.; ALI, S.; AHMED, M.; et al. The Anti-vaccination Movement: A Regression in Modern Medicine. Cureus. 2018. (Artigo científico);
– Ministério da Saúde. Você sabe o que é imunização de rebanho? (Veja no Youtube);
– American Society for microbiology. Measles and Immune Amnesia. (Artigo Científico);
– PETROVA, V.; SAWATSKY, B.; HAN, A.; et al. Incomplete genetic reconstitution of B cell pools contributes to prolonged immunosuppression after measles. Science Immunology. 2019. (Artigo Científico);
– MINA, M.; KULA, T.; LENG, Y.; et al. Measles virus infection diminishes preexisting antibodies that offer protection from other pathogens. Science. 2019. (Artigo Científico).
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(Editoração: Beatriz Spinelli, Fernando Mecca e Caio Oliveira)