Image default

Tratamento pioneiro com células tronco cura mulher portadora do vírus da AIDS

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)

Pesquisadores anunciam primeira mulher a ser curada do HIV após receber um transplante de células-tronco

Nesta última terça (15/02/2022), durante a Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas em Denver, pesquisadores estadunidenses divulgaram o resultado de uma pesquisa que observou a cura de uma mulher contaminada com Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, sigla em inglês) após receber um transplante de células-tronco de um doador que era naturalmente resistente ao vírus causador da Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS, sigla em inglês) por não possuir o co-receptor que permite a contaminação. Este relato de caso é resultante de um estudo maior, cujo objetivo é acompanhar 25 pessoas com HIV e câncer que receberam transplante de células-tronco retiradas do sangue de cordão umbilical. A pesquisa é apoiada pelos Estados Unidos (EUA), sendo liderada pela Dra. Yvonne Bryson (Universidade da Califórnia – UCLA), e pela Dra. Deborah Persaud (Universidade Johns Hopkins).

Filmagem ao vivo da transmissão do HIV. Fonte: UNAIDS

Morgane Bomsel, diretora da equipe de pesquisa do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS) e integrante de uma pesquisa francesa que filmou a infecção das células humanas pelo vírus da AIDS, explica o que ocorre no vídeo acima: “As células infectadas pelo HIV são marcadas em verde e produzem vírus fluorescentes que aparecem como pontos verdes. O que vemos é a célula infectada pelo HIV aderindo-se à camada externa (epitélio) de células saudáveis reconstruídas de um revestimento mucoso do trato genital. Em seguida, vemos os glóbulos brancos do sistema imunológico (macrófagos), que normalmente absorvem substâncias estranhas, detritos ou células cancerígenas, absorvendo as partículas vermelhas que se movem levemente ao lado do núcleo dos macrófagos azuis. A célula infectada pelo HIV se aproxima da superfície da mucosa e se posiciona ali suavemente. Devido ao, ou induzida por contato, a célula infectada recruta os vírus pré-formados em direção ao contato celular (as manchas intensas verdes e amarelas) e então passa a cuspi-los como vírus infecciosos completos, que aparecem como pontos verdes. Esses vírus verdes penetram a camada externa do tecido por um processo chamado transcitose – um tipo de transporte celular. Os vírus entram na célula e saem, ainda infecciosos, do outro lado da barreira epitelial. Como resultado, o HIV penetra nos tipos de glóbulos brancos que são responsáveis por detectar, absorver e destruir substâncias estranhas, e os infecta. Uma vez dentro do núcleo, o vírus se insere no material genético (DNA) e as células do sangue que protegem o corpo começam a produzir vírus. Curiosamente, o vídeo mostrou que a produção de vírus não dura muito tempo. Após três semanas, os glóbulos brancos infectados se tornam latentes e um reservatório de glóbulos brancos é formado.” 

O caso relatado consiste na cura de uma mulher de 64 anos que vivia com o HIV e sofria de leucemia mieloide aguda. O primeiro passo do estudo envolve quimioterapia em altas doses para matar as células imunológicas cancerígenas. Assim, o tratamento com as células-tronco visa a reposição de células sanguíneas e do sistema imunológico da paciente, uma vez que seu conjunto celular foi previamente destruído. Inicialmente, as primeiras células-tronco vieram de um parente adulto saudável, como uma medida paliativa para reduzir complicações infecciosas. Em seguida, os pesquisadores transplantaram sangue do cordão umbilical de um recém nascido. O sangue do cordão umbilical pode ser usado com sucesso mesmo quando vem de um doador sem parentesco, assim, essa metodologia pode ser aplicada para transplantes em pacientes sem doadores adultos compatíveis.

Para este trabalho, os pesquisadores usaram células-tronco de sangue do cordão umbilical com uma mutação genética que impede a produção natural da proteína CCR5 (CCR5Δ32). Essa proteína é um co-receptor usado ​​pelo HIV para infectar células. Uma vez que as células não possuem esse receptor, a infecção pelo vírus é efetivamente bloqueada. Após 3 meses do transplante, análises do conjunto de células da paciente mostravam que este já era inteiramente derivado das células-tronco transplantadas. Testes realizados por vários métodos de diagnósticos posteriores ao transplante não detectaram mais o HIV. Sendo assim, o uso de antirretrovirais foi interrompido e, passados 14 meses, ainda não foi observado o ressurgimento do vírus, o que pode indicar  a “remissão a longo prazo”, termo utilizado para se referir ao estado da paciente. Um dos resultados mais importantes desta pesquisa é a sugestão de que o transplante de células resistentes ao HIV é um elemento importante para o sucesso do tratamento.

células tronco hiv aids
Mecanismo molecular do co-receptor CCR5 na infecção pelo HIV e o efeito protetor do CCR5-Δ32 contra a infecção pelo HIV-1.             Fonte: Editado de Xu, 2020.

Este é o terceiro caso de remissão a longo prazo em pacientes com câncer e HIV que foram submetidos a transplantes de células-tronco CCR5Δ32. Os outros dois casos se referem a homens que tiveram o transplante de células-tronco resistentes e já foram mencionados em uma publicação anterior do Ilha do Conhecimento. Apesar dos resultados otimistas, Sharon Lewin, presidente eleita da Sociedade Internacional de AIDS, explica que esta metodologia não é acessível para curar a maioria das pessoas que vivem com HIV, mas confirma que uma cura para AIDS é possível e enfatiza que o uso da terapia genética é estratégia viável para esse objetivo. Lewin conclui que, juntos, esses três casos de cura pós-transplante de células-tronco ajudaram a desvendar os vários componentes do transplante que foram absolutamente essenciais para a cura da AIDS.

 

Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora

Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site CNN, intitulada “Mulher foi curada do HIV com tratamento de células-tronco, dizem cientistas”, publicado em 15/02/2022. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/mulher-foi-curada-do-hiv-com-tratamento-de-celulas-tronco-dizem-cientistas/

Matéria no site Reuters, intitulada “First woman reported cured of HIV after stem cell transplant”, atualizado em 15/02/2022. https://www.reuters.com/business/healthcare-pharmaceuticals/first-woman-reported-cured-hiv-after-bone-marrow-transplant-2022-02-15/

Matéria no site UNAIDS, intitulada “Cientistas franceses filmam transmissão do HIV ao vivo”, publicado em 29 de maio de 2018. https://unaids.org.br/2018/05/cientistas-franceses-filmam-transmissao-do-hiv-ao-vivo/

Postagens populares

Nova organela descoberta em algas permite a fixação de nitrogênio

IDC

Como o cérebro regula as emoções?

IDC

As galinhas também têm sentimentos!

IDC

Cientistas descobrem a origem do medo no cérebro

IDC

Vaca modificada geneticamente produz insulina no leite

IDC

Cientistas conseguem formar óvulo a partir de célula da pele

IDC