Efeitos agudos de poluentes atmosféricos na perda espontânea da gestação
Resumo
É bem conhecido que a poluição ambiental causa graves problemas de saúde da população. No entanto, não é bem esclarecido se a poluição do ar pode contribuir para que ocorram perdas de gravidez. Com isso, o objetivo do estudo foi investigar a relação entre a exposição aguda aos agentes poluentes no ar dióxido de nitrogênio (NO2), ozônio (O3), e material particulado (PM2,5), com a ocorrência de abortos espontâneos. Foi identificado que a exposição a curto prazo em níveis elevados de poluentes do ar, principalmente NO2, estava associada a um maior risco de perda espontânea de gravidez.
Introdução
A poluição ambiental é um grande risco para a saúde da população, aumentando o risco de doenças e a mortalidade em todas as idades. A poluição do ar é associada a diversos problemas durante a gestação, tais como hipertensão, crescimento inadequado do bebê, baixo peso/estatura ao nascer e natimorto. Alguns estudos já tentaram investigar os efeitos da poluição durante a gestação, e já foi observado um possível aumento da ocorrência de abortos espontâneos quando há exposição ao ar poluído, resultados que variam de acordo com o poluente e a região de estudo. No entanto, estes estudos são bastante diferentes entre si, não sendo possível concluir se foi realmente a exposição à poluição que levou aos abortamentos. Além disso, ainda não se sabe os efeitos que exposição aguda à poluição pode trazer ao bebê em desenvolvimento, ou seja, se o ar poluído traz algum dano à gravidez quando ocorre contato com o ambiente tóxico apenas por um período aproximado de 24 horas.
A região de Wasatch Front no estado de Utah, nos Estados Unidos, fica em uma área urbana cercada por uma cadeia de montanhas, formando o vale de Salt Lake. A geografia dessa região faz com que ocorra um fenômeno conhecido como inversão térmica. Basicamente, as condições climáticas naturais da região criam uma camada de ar mais quente que se acumula no topo das montanhas. Esta camada de ar age como uma tampa e prende o ar mais frio abaixo, que não consegue se dissipar e fica estacionado por alguns dias no vale. O grande problema é que além do ar frio, os gases tóxicos liberados pelas cidades também ficam presos, aumentando a poluição durante alguns períodos dos meses de clima frio.
Médicos do Departamento de Emergências da Universidade de Utah relatam que, durante os dias em que ocorre a inversão térmica, há um aparente aumento no número de abortos espontâneos na região. Como a relação entre exposição aguda à poluição e casos de aborto ainda não é bem esclarecida, surgiu a ideia de usar esse fenômeno que ocorre em Utah para investigar se essa poluição que fica retida no vale causa reais efeitos tóxicos nas gestações das mulheres moradoras da região durante esse período.
Material & Métodos
Foi feito um levantamento dos casos de aborto que ocorreram entre 2007 e 2015, e 1.577 casos de aborto durante a inversão térmica foram identificados. Desses casos, 73 foram excluídos porque as mulheres estavam morando fora do estado de Utah quando houve a perda da gravidez. Além disso, no caso de mulheres que sofreram repetidos abortos, não era possível identificar se as perdas gestacionais seguintes aconteceram em consequência do primeiro aborto ou por algum outro fator, e com isso, outros 106 casos também foram excluídos. Ao final, foram incluídas 1.398 mulheres moradoras da região que sofreram aborto antes de 20 semanas de gestação.
O modelo do estudo foi do tipo “case-crossover”, quando a pessoa avaliada serve como seu próprio controle experimental: as mesmas mulheres foram analisadas em diferentes momentos, quando foram ou não expostas à poluição. Assim foi possível excluir outros fatores que poderiam estar influenciando o risco de perda do bebê, como idade da mãe, por exemplo.
Os dados sobre a qualidade do ar foram obtidos da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, e foram estimados os níveis diários de três poluentes ambientais: dióxido de nitrogênio (NO2), ozônio (O3), e material particulado (PM2,5) para cada região da área estudada. Para as comparações, foi calculada a média de exposição a esses poluentes no dia do aborto com dois ou seis dias anteriores (médias de um total de 3 e 7 dias, respectivamente).
Resultados & Discussão
Os resultados mostram que a cada aumento de 10 p.p.b. na concentração de NO2 no ar, o risco de aborto espontâneo aumenta em 16%, quando avaliada a média de 7 dias de exposição. Por exemplo, um aumento da concentração de 10,3 p.p.b. para 24,7 p.p.b. de NO2 em 7 dias, aumenta o risco de aborto em 11,1%. Não foi encontrada diferença no risco de aborto para as mudanças nas concentrações de PM2,5 ou O3, tanto para a média de 7 ou 3 dias.
Os resultados deste estudo fornecem evidências de que a exposição aguda a níveis elevados de poluentes atmosféricos, especificamente o NO2, estão associados à perda espontânea da gravidez. Produzido pela queima de combustíveis fósseis (por exemplo, o combustível de automóveis), o NO2 é um gás bastante presente em diversos lugares poluídos no mundo. Estudos já mostraram que esse poluente é relacionado com aumento do risco de defeitos cardíacos durante o desenvolvimento do feto. Existem vários mecanismos biológicos possíveis pelos quais a poluição do ar poderia contribuir para a perda espontânea da gravidez, incluindo o estresse oxidativo no feto em desenvolvimento, e alterações endócrinas e inflamação sistêmica na mãe, que podem levar a anormalidades na placenta e no crescimento do bebê.
Como qualquer pesquisa, esse estudo também possui limitações. Como foram analisados casos retrospectivos (casos antigos), o levantamento não foi capaz de analisar a idade do feto no momento do aborto, portanto não conseguiu apontar em que momento o feto fica mais vulnerável à poluição. Além disso, o número de casos analisados poderia ser maior; no entanto, a perda espontânea de gravidez que ocorre nas primeiras semanas de gestação pode não ser documentada se uma mulher não tiver conhecimento da gravidez e acreditar que o sangramento foi apenas um ciclo menstrual normal.
Os resultados da pesquisa fornecem informações importantes para médicos e pacientes que precisam tomar decisões sobre cuidados de saúde. Mais estudos são necessários para estabelecer quais seriam as recomendações médicas, mas mulheres que têm outros fatores de risco para a perda espontânea da gravidez devem ficar em alerta. É importante ressaltar que, como foi encontrado um aumento no risco de aborto relacionado com poluentes emitidos por industriais e automóveis, os resultados deste estudo podem ser usados para possíveis mudanças nas políticas públicas, bem como modificação do comportamento da população quando determinados poluentes ambientais estiverem em alta concentração no ar. Em conclusão, os achados sugerem que mulheres grávidas podem estar em maior risco de perda espontânea de gravidez durante períodos curtos de aumento da poluição do ar.
Pesquisa ao seu alcance: Viviane Paiva Santana
Artigo original
O texto apresentado é uma adaptação do artigo: “Acute effects of air pollutants on spontaneous pregnancy loss: a case-crossover study”, publicado pela revista Fertility and Sterility em 04 de dezembro de 2018, de autoria de C. Leiser, H. Hanson, K. Sawyer e colaboradores. O artigo original pode ser acessado em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S001502821832154X?via%3Dihub.
(Editoração: Fernando Mecca, Priscila Rothier, André Pessoni e Caio Oliveira)