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Reposição hormonal: o segredo para o rejuvenescimento feminino?

A crise da meia idade chega para todos. Nas mulheres esse momento está associado ao fenômeno chamado menopausa, caracterizado pelo fim da reserva de oócitos nos ovários e a redução da produção dos hormônios sexuais, como estrógeno e testosterona. Ainda existe grande dúvida sobre quais os efeitos da famosa terapia hormonal sobre o organismo feminino e por isso esse assunto gera tantas dúvidas entre as mulheres após os 45 anos. Afinal, tratamento hormonal na pós-menopausa é benéfico ou maléfico?

Até a década de 1940 pouco se sabia sobre a pós-menopausa uma vez que a expectativa de vida feminina era baixa e os reais sintomas clínicos dessa fase eram desconhecidos. Entretanto, com o advento científico, tecnológico e o surgimento de programas de saúde pública visando a saúde da mulher, a expectativa de vida feminina aumentou consideravelmente, alcançando a marca de 79,8 anos no Brasil, segundo dados do IBGE de 2018. Sendo assim, a maioria das mulheres entrarão na pós-menopausa e permanecerão nesta fase por pelo menos um terço de suas vidas. Segundo a projeção da Sociedade Norte Americana de Menopausa, o mundo terá 1,1 bilhão de mulheres na fase da menopausa no ano de 2025.

A palavra menopausa é derivada do grego “emmenopausis”, junção de duas palavras “mês” e “pausa/cessar”, e é definida quando há cessação espontânea da menstruação pelo período de 12 meses correntes devido a diversas alterações hormonais no organismo. Durante a idade fértil, o ciclo menstrual dura em média 28 dias e é dividido em duas fases: folicular e lútea. Durante cada uma das fases há a produção de diferentes hormônios, que promovem as mudanças no corpo da mulher e o preparam para uma possível fecundação. A transição entre a idade fértil e a pós-menopausa se inicia entre 49 e 52 anos e é caracterizado pela queda drástica do número de oócitos e também pela redução  na produção dos hormônios sexuais, o estrógeno, a progesterona (que fazem o controle da ovulação e do desenvolvimento de características femininas) e também a testosterona.

Concentrações de hormônios durante a transição para menopausa e pós-menopausa. Imagem: http://www.medicinanet.com.br/

Mas a testosterona não é um hormônio exclusivamente masculino? A resposta é clara: não! A testosterona acaba sendo considerada um hormônio masculino porque seus níveis sanguíneos são de 20 a 30 vezes maiores nos homens do que nas mulheres. Entretanto, mulheres também produzem e necessitam desse hormônio para diversas características, como o aumento do desejo sexual, da massa muscular, e disposição física. Nas mulheres, o folículo ovariano e o córtex adrenal são responsáveis pela produção de 50% da testosterona do organismo e os outros 50% são produzidos no fígado, sangue e na pele. As mudanças nos níveis de testosterona eram ignoradas na pós-menopausa, mas, atualmente, sabe-se que a ausência desse hormônio contribui para diversos sintomas da pós-menopausa.

Ainda não se sabe ao certo o início da redução da testosterona durante a menopausa, mas os efeitos da diminuição na produção desse hormônio são claros. A ausência de testosterona em mulheres promove o “desejo sexual hipoativo”, ou popularmente, a redução da vontade sexual. Atualmente, a redução da vontade sexual  é considerada um dos principais sintomas das mulheres na pós-menopausa juntamente com os fogachos, sudorese noturna, osteoporose, secura vaginal e doenças cardiovasculares.

 

A indústria por trás do uso de hormônios

De fato, o interesse nos estudos na saúde da mulher na pós-menopausa é recente e envolve os interesses da indústria farmacêutica. Apesar de atualmente o conceito e a os efeitos da pós-menopausa serem bem estabelecidos, na década de 1966 a pós-menopausa foi conceituada como “fase de decadência de vida”. A publicação do livro Feminine Forever, que vendeu 100 mil cópias no primeiro ano e ganhou destaque em revistas não científicas, como Time e Vogue, causou um grande choque na população feminina a respeito do suposto lado sombrio que seria chegar à menopausa.

Livro escrito pelo médico Robert A. Wilson que trazia na capa a promessa da prevenção quase total dos sintomas da pós-menopausa, principalmente os relacionados a vida sexual, através da reposição hormonal. Imagem: https://www.amazon.com/

Mas, por interesse da indústria farmacêutica, a solução sugerida na época para todas essas alterações promovidas pela menopausa foi o uso de hormônios. Inicialmente, a terapia hormonal foi baseada somente na reposição de estrógeno, que passou de um simples tratamento farmacológico para a nova pílula do rejuvenescimento. No ano do lançamento do livro, a indústria farmacêutica bateu recorde e lucrou muito com a venda de hormônios sintéticos.

Atualmente existem duas formas mais comuns de terapia hormonal: a terapia apenas de estrogênio ou estrogênio associado à progesterona. No entanto, a terapia com testosterona vem ganhando destaque e pode ser associada aos outros dois tipos. O uso de testosterona apresenta-se como uma alternativa clínica para aumentar o desejo sexual e por isso tem sido recomendado pela Sociedade Norte Americana de Menopausa em casos de transtorno do desejo sexual hipoativo. No entanto, a reposição com testosterona em altas doses  parece não exercer efeitos benéficos de forma sistêmica, aumentando, por exemplo, o risco de doenças cardiovasculares.

 

Histórico da pesquisa hormonal: em qual situação nos encontramos?

O uso de hormônios sintéticos na pós-menopausa com o objetivo de “rejuvenescimento” impulsionou diversos estudos científicos, na busca pelo entendimento dos efeitos dos hormônios na biologia feminina.

Os efeitos hormonais sobre o sistema cardiovascular ganharam destaque nos últimos anos. Estudos científicos mostraram que as mulheres no período fértil são mais protegidas contra as doenças do sistema cardiovascular, como infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico (AVE) e hipertensão, do que homens na mesma faixa etária. Quando a mulher entra na pós-menopausa, o índice de doenças do sistema circulatório vai se assemelhando ao dos homens, até torna-se maior nas mulheres com o passar da idade. Considerando então que o índice de doenças do sistema cardiovascular aumenta na pós-menopausa, e que nessa fase há redução drástica dos níveis de estrógenos, é válido propor que esses hormônios exercem efeito protetor sobre os vasos sanguíneos e coração de mulheres no período fértil.

Há controvérsias sobre como a terapia hormonal com estrógenos afeta o risco de doenças cardiovasculares. Algumas pesquisas mostraram uma redução de 35-50% nos casos, outras encontraram que o estrogênio não exercia nenhum efeito protetor no sistema cardiovascular, e algumas até mesmo detectaram aumento do risco de AVE com o uso de estrógenos. Chegamos a um ponto do século XXI em que tínhamos contraposição entre os resultados, benéfico e maléfico, e a comunidade científica tinha como meta entender essas contradições. Assim, discussões e críticas aos estudos foram surgindo para tentar estabelecer um consenso. Os temas discutidos giraram, por exemplo, em torno da via de administração do hormônio, do tipo de estrógeno utilizado, e da associação com progesterona.

Após muitas pesquisas, o fator idade (envelhecimento) ganhou destaque. Foi observado que o aumento de problemas relacionados ao sistema cardiovascular associado aos estrógenos ocorria nas mulheres acima dos 60 anos, ou seja, que estavam pelo menos a 10 anos na pós-menopausa. Sendo assim, o fator envelhecimento parece alterar os efeitos do estrógeno no sistema cardiovascular e, além disso, atualmente sabe-se que há uma possível janela de oportunidade terapêutica para o início do tratamento hormonal na pós-menopausa, onde o estrógeno poderiam ainda causar proteção ao sistema cardiovascular.

Agora as pesquisas tentam descobrir quais são os fatores relacionados ao envelhecimento que levam ao risco de doenças cardiovasculares associados ao uso de terapia hormonal com estrógeno. Ao que parece, o envelhecimento é o novo fator determinante para os efeitos dos hormônios no organismo. Ansiosamente aguardam-se os próximos resultados.  

 

E agora? Qual terapia escolher?

Num contexto geral é complicado afirmar se a terapia hormonal é “boa” ou “ruim”; há apenas fatores isolados. Por isso, vale ressaltar alguns dados científicos importantes que toda mulher deve conhecer, considerar e informar ao médico caso queria realizar a terapia.

– Mulheres com histórico familiar (principalmente mãe e avó) de câncer de mama e útero devem ficar em alerta, pois a terapia hormonal pode aumentar a incidência desses tipos de câncer. A recomendação geral é que mulheres com câncer já diagnosticado não devem fazer uso da terapia hormonal, mas cada caso deve ser analisado cautelosamente pelo médico responsável.

– A terapia hormonal com estrógenos se demonstrou eficiente para sintomas como suores noturnos, ondas de calor, ressecamento vaginal, e pode ajudar na prevenção de osteoporose em pacientes de risco. Já a testosterona é recomendada para aumentar o desejo sexual.

– A terapia hormonal com estrógenos pode ser associada a outros hormônios, como a progesterona ou testosterona. A associação com progesterona parece reduzir o risco de câncer no endométrio.

– Do ponto de vista cardiovascular e cerebrovascular, a terapia hormonal não demonstrou efeito protetor e ainda aumentou o risco de acidente vascular encefálico em alguns pacientes. Apesar disso, estudos recentes estão testando novas doses e o início da terapia hormonal logo no início da pós-menopausa. Os resultados podem ser promissores, mas requer tempo para qualquer conclusão.

– Converse com seu médico sobre as doses para terapia hormonal, pois, muitas vezes, doses mais baixas melhoram diversos sintomas e reduzem os efeitos adversos.

– A terapia hormonal é vasta e pode ser realizada por comprimidos, gel, injeções subcutâneas e adesivo transdérmico. Veja qual é o melhor para o seu caso.

– A soja é rica em fitoestrógenos e seu consumo pode estar associado à diminuição de diversos sintomas decorrentes da pós-menopausa; mulheres orientais, que são grandes consumidoras de soja ao longo da vida, tem menos sintomas vasomotores (fogachos) da pós-menopausa.

– Caso for utilizar testosterona para o aumento do desejo sexual, avaliar junto com o médico as menores doses possíveis.

E o mais importante: uma avaliação rigorosa e detalhada deve ser feita pelo seu médico, para que seja avaliado seu caso e, assim, recomendar qual terapia hormonal é a mais indicada para você!

 

Ciência et al: Tiago Januário da Costa

sobre o autor

Fontes consultadas:

Takahashi, T. A.; Johnson, K. M. Menopause. Med Clin North Am, v. 99, n. 3, p. 521-34, Maio 2015.

Clarkson, T. B.; Appt, S. E. Controversies about HRT–lessons from monkey models. Maturitas, v. 51, n. 1, p. 64-74, Maio 2005.

Grodstein, F.; Manson, J. E.; Stampfer, M. J. Hormone therapy and coronary heart disease: the role of time since menopause and age at hormone initiation. J Womens Health (Larchmt), v. 15, n. 1, p. 35-44, Jan-Fev 2006.

Manson, J. E. The ‘timing hypothesis’ for estrogen therapy in menopausal symptom management. Women’s Health (Lond), v. 11, n. 4, p. 437-40, Jul 2015.

Dubey, R. K.  et al. Vascular consequences of menopause and hormone therapy: importance of timing of treatment and type of estrogen. Cardiovasc Res, v. 66, n. 2, p. 295-306, Maio 2005.

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Hodis, H. N.  et al. Vascular Effects of Early versus Late Postmenopausal Treatment with Estradiol. N Engl J Med, v. 374, n. 13, p. 1221-31, Mar 2016.

(Editoração: Viviane Santana, Eduardo Borges, André Pessoni e Caio Oliveira)

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