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Congelamento de óvulos, o vilão ou o mocinho?

Vantagens e desvantagens do congelamento de óvulos

Destaques:
– As Técnicas de Reprodução Assistida são responsáveis pelo nascimento de milhões de bebês em todo o mundo, influenciadas pelo avanço da idade materna e por tratamentos para o câncer, que podem levar à infertilidade;
– O congelamento de óvulos é uma opção de preservação da fertilidade feminina;
– 
Pouco se sabe a respeito do potencial impacto do congelamento nos indivíduos nascidos de óvulos congelados.

As técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro, não são mais novidade. Em alguns países, como a Dinamarca, estima-se que 10% de todos os nascimentos envolvam alguma técnica desse tipo. Um dos motivos para esse crescimento exponencial nas últimas décadas, é o aumento da idade para engravidar. Acredita-se que a busca pelo sucesso profissional tem estimulado muitas mulheres a postergar a maternidade. Desta forma, a gestação tardia, após os 35 anos, é cada vez mais frequente. Contudo, adiar a gravidez não é a melhor opção para a fertilidade feminina. Além disso, alguns tratamentos para o câncer e doenças autoimunes podem levar a infertilidade. 

É nesse cenário que o congelamento de óvulos surge como uma opção de preservação da fertilidade, ou melhor, de preservação dos gametas femininos. O congelamento, ou a criopreservação, trata-se de um procedimento no qual as células ou tecidos podem ser mantidos durante longos períodos em temperaturas extremamente baixas, como forma de reduzir drasticamente os processos metabólicos. Estabelecido pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva desde 2013, o congelamento de óvulos é uma tentativa de conservar a qualidade e a quantidade dos óvulos, aumentando as chances de uma gravidez futura, e é direcionado a mulheres que possuem ou não parceiro no momento da preservação. 

Congelamento de óvulos por criopreservação (reprodução assistida)
Resumo ilustrado de uma técnica de criopreservação. Imagem: modificado de: https://www.reproduccionasistida.org)

As técnicas de congelamento diferem entre si por diversas variáveis. Dentre elas, podem ser citadas: o tipo e a concentração das soluções crioprotetoras utilizadas; as diferentes velocidades de congelamento; o tempo de exposição do óvulo na solução crioprotetora; o tipo de recipiente utilizado para o armazenamento dos óvulos; a velocidade de descongelamento; entre outras. Atualmente, a técnica de congelamento com melhores taxas de sobrevivência dos óvulos é a vitrificação. A vitrificação trata-se de um congelamento ultrarrápido do óvulo. Nesse processo de congelamento, ocorre a desidratação do gameta, que perde água para o meio extracelular, garantindo um aspecto de vidro sem a presença de gelo na célula. As taxas de nascidos vivos usando óvulos frescos e vitrificados/aquecidos são similares. Todavia, pouco se sabe a respeito do potencial impacto da vitrificação nos futuros embriões e na prole proveniente do uso desses óvulos. Os estudos nessa temática, ainda iniciais, geralmente utilizam camundongos como modelo experimental para a realização dos testes. O conhecimento obtido através das pesquisas com o modelo animal tem potencial de aplicabilidade na reprodução humana assistida em vista da dificuldade e da delonga na obtenção de dados clínicos com humanos. 

Existem indícios de que o ambiente in vitro utilizado nas técnicas de reprodução assistida tem implicações no indivíduo mesmo depois do nascimento. Estudos sugerem que crianças geradas a partir de tratamentos de reprodução assistida tem perfis metabólicos distintos, podendo predispor a doenças na vida adulta. Além disso, apesar dos bons resultados com óvulos vitrificados, ainda existe o risco epigenético atribuído a técnica de congelamento. 

Apesar de o congelamento de óvulos ser largamente utilizado nas clínicas de reprodução humana hoje em dia, ainda há muito para se descobrir. A maioria dos estudos relacionados com a segurança do método de vitrificação envolve dados perinatais, neonatais e de curto prazo, como incidência de anormalidades cromossômicas, peso ao nascer e anomalias congênitas. Desta forma, levanta-se a discussão da escassez de estudos de longo-prazo, que investiguem a prole proveniente de embriões obtidos de óvulos criopreservados. Portanto, mais estudos são necessários para que seja garantida a confiabilidade e a segurança das tecnologias reprodutivas, que são e continuarão sendo responsáveis pelo nascimento de milhões de bebês em todo o mundo.

Colaboração: Caroline Mantovani da Luz sobre a autora

Fontes consultadas:

Argyle, C.; Harper, J.; Davies, M. Oocyte cryopreservation: where are we now? Human Reprodoction Update, 2016;

– Cobo, A.; Garrido, N.; Crespo, J.; et al. Accumulation of oocytes: a new strategy for managing low-responder patients. Reproductive Biomedicine Online, 2012;

– De Vos, M.; Smitz, J.; Woodruff, T. Fertility preservation in women with cancer. Lancet, 2014;

– Feuer, S.; Liu, X.; Donjacour, A.; et al. Use of a mouse in vitro fertilization model to understand the developmental origins of health and disease hypothesis. Endocrinology, 2014;

– Kupka, M.; D’Hooghe, T.; Ferraretti, A.; et al. Assisted reproductive technology in Europe, 2011: results generated from European registers by ESHRE. Human Reproduction, 2016;

– Mandawala, A.; Harvey, S.; Roy, T.; et al. Cryopreservation of animal oocytes and embryos: Current progress and future prospects. Theriogenology, 2016;

– Practice Committees of American Society for Reproductive Medicine; Society for Assisted Reproductive Technology. Mature oocyte cryopreservation: a guideline. Fertility and Sterility, v. 99, n. 1, p. 37-43, Jan 2013. ISSN 0015-0282; 

– Rienzi, L.; Gracia, C.; Maggiulli, R.; et al. Oocyte, embryo and blastocyst cryopreservation in ART: systematic review and meta-analysis comparing slow-freezing versus vitrification to produce evidence for the development of global guidance. Human Reproduction Update, 2017;  

– Scherrer, U.; Rimoldi, S.; Rexhaj, E.; et al. Systemic and pulmonary vascular dysfunction in children conceived by assisted reproductive technologies. Circulation, 2012;  

– Tatone, C.; Di Emidio, G.; Barbaro, R.; et al. Effects of reproductive aging and postovulatory aging on the maintenance of biological competence after oocyte vitrification: insights from the mouse model. Theriogenology, 2011.

(Editoração: Beatriz Spinelli, Fernando Mecca e Caio Oliveira)

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