Um panorama humano e ambiental
Destaques: – As vítimas do rompimento da barragem somam 259 óbitos e 11 desaparecidos; – Além dos danos sócio-econômicos, há um impacto ambiental ainda notável; – Ainda há cinco vezes mais ferro na água de Brumadinho do que o limite legal; – Pesquisas e monitoramento da área são necessárias para prever e amenizar prejuízos a longo prazo. |
O rompimento da barragem B1 da Vale em Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro de 2019, resultou até o momento em 259 óbitos e 11 pessoas ainda desaparecidas. A barragem de rejeitos de minério de ferro, pertencente à Mina de Córrego do Feijão, estava desativada desde 2015, o que levou as pessoas a acreditarem que a situação não era alarmante.
A barragem B1 foi construída em 1976 pelo método de alteamento a montante, ou seja, em forma de degraus sobre o próprio rejeito depositado. Esse método é mais barato e também menos seguro.
Após o rompimento, a lama atingiu diretamente a área administrativa da mineradora, bem como o refeitório – onde havia a maior parte dos funcionários, incluindo empresas terceirizadas –, a área da locomotiva, bairros como o Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão, comunidades próximas, fazendas, pousadas e estradas.
Os peritos criminais da Polícia Federal calcularam o risco hidrodinâmico, ou seja, a velocidade atingida pela lama multiplicada pela altura; nesta escala, pontuar acima de 7 indica que pode ocorrer o colapso de edifícios. Segundo o laudo emitido, em Brumadinho o nível da escala foi de 900, o que levou ao grande dano material, ambiental e humano.
Durante o trajeto que percorreu, a lama incorporou restos de imóveis, troncos de árvore e veículos, o que aumentou o impacto e o poder de destruição de corpos, provocando a segmentação da maioria deles e, consequentemente dificultando a localização dos mesmos.
As buscas pelas vítimas começaram instantes após o rompimento. Equipes do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais se deslocaram para a região e iniciaram as buscas com o auxílio de aeronaves devido ao cenário caótico. Nos dias seguintes, os bombeiros tiveram a ajuda de equipes de Israel e diversos estados brasileiros, além disso, a ajuda de cães também foi de extrema importância.
A nossa primeira viagem ocorreu 18 dias após o rompimento da barragem. Junto com mais três colegas do Laboratório de Toxicologia Analítica e de Sistemas (FCFRP-USP), Dra Ana Carolina Cavalheiro Paulelli, Ms. Cibele Aparecida Cesila e Ms. Matheus Gallimberti. Iniciamos as coletas na represa de Três Marias (MG) e no Rio São Francisco, em São Gonçalo do Abaeté (MG). Passamos pela represa de Retiro Baixo, em Pompeu, e pelas cidades de Fortuna de Minas, Pará de Minas e Juatuba, até chegarmos em Brumadinho, 22 dias após o rompimento. O cenário era de sofrimento e angústia na espera de notícias. Nesse período, os bombeiros ainda estavam com a base operacional montada na Igreja de Nossa Senhora das Dores, no Córrego do Feijão. Devido aos riscos e ao grande número de bombeiros atuando nas buscas fomos autorizados a coletar a lama que estava na roupa dos bombeiros. Além disso, eles também fizeram algumas coletas para nosso grupo no local onde era a barragem e ao longo do caminho da lama.
Quatro meses após o rompimento da barragem, fizemos uma segunda viagem à Brumadinho, para coleta de água do Rio Paraopeba e novas amostras de lama. A situação era de tristeza e indignação pela população da cidade.
A segunda coleta fez parte do projeto de Doutorado da aluna Paula Pícoli Devóz. Nesse momento, os bombeiros já estavam instalados na sede da Vale, e eles nos acompanharam até o local do rompimento, refeitório, pousada, Rodovia Alberto Flores e outros lugares por onde a lama passou, para a coleta da lama e minério.
Esse projeto envolve um possível processo de remediação da água contaminada do Rio Paraopeba. Sendo assim, as amostras foram coletadas pelos bombeiros em um ponto do rio e por nós entre as cidades de Juatuba e Brumadinho. As amostras da primeira e segunda viagens estão em processo de análise.
Além de trazer danos às famílias, diversos óbitos e um cenário caótico e desesperador, o rompimento da barragem significou também um grande dano ambiental. A lama percorreu cerca de 8,5 km, atingiu o ribeirão Ferro-Carvão (Córrego do Feijão) até chegar no Rio Paraopeba, onde se espalhou pela água e atingiu outras cidades, aldeias indígenas e comunidades ao longo de 300 km no rio.
Com o intuito de realizar um monitoramento emergencial da qualidade da água do rio, nos primeiros dias após o ocorrido o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) criou uma rede integrada com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Agência Nacional de Águas (ANA) e Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais (COPASA), a qual tinha como objetivo integrar os dados gerados sobre esse monitoramento e garantir a transparência quanto aos danos gerados após o rompimento da barragem.
A análise realizada indicou que os níveis de mercúrio e chumbo no Rio Paraopeba estavam 21 vezes acima do limite aceitável. Também foram encontrados níquel e cádmio, o que pode representar riscos à saúde animal e humana. Após quatro meses do rompimento da barragem, era possível observar o acúmulo de minério de ferro, uma vez que esse metal era extraído e processado na mineradora Vale.
O rio Paraopeba é um dos mais importantes rios do estado de Minas Gerais, sendo responsável pelo abastecimento de diversas cidades da região metropolitana de Belo Horizonte, além de ser afluente do Rio São Francisco, um dos rios de maior importância do Brasil e da América do Sul.
O rio também era utilizado pela população para irrigação de hortas, plantações, saciar a sede dos animais e até mesmo captação para uso doméstico. Após o rompimento da barragem, esse uso foi interrompido, e as populações passaram a ser abastecidas pela COPASA. Além disso, comunidades como a Aldeia Indígena Pataxó Nao Xohã, em São Joaquim de Bicas (MG), tiveram seu sustento e costumes religiosos prejudicados, uma vez que utilizavam o rio para essa finalidade.
O IGAM publica mensalmente boletins informando os níveis de metais presentes no Rio Paraopeba. Em janeiro de 2020, o IGAM divulgou que, entre as cidades de Brumadinho e Pompeu, os níveis de ferro estavam cinco vezes acima do limite legal. É importante ressaltar que com o período de chuvas, os metais que haviam se depositado no fundo do rio voltam para a superfície, pois há a remobilização desses materiais ou também nova entrada de rejeitos no rio Paraopeba. A remoção da lama pela empresa Vale também é outro fator que pode contribuir para a entrada de mais rejeitos no rio, devido ao revolvimento dos sedimentos.
Ainda neste boletim, o IGAM constatou que os rejeitos de minério não ultrapassaram os limites do reservatório da usina de Retiro Baixo, e dessa forma não atingiram o reservatório de Três Marias e o Rio São Francisco.
Ainda não se sabe quais serão as consequências a longo prazo, tanto para a exposição humana quanto para a exposição ambiental. Dessa forma, é de extrema importância que os órgãos federais, estaduais e a comunidade científica se mobilizem a fim de compreender os efeitos para que medidas públicas cabíveis e eficazes sejam tomadas. Além disso é imprescindível que os órgãos da Justiça se empenhem para que casos como esse não mais ocorram.
Um ano após o rompimento da barragem, os bombeiros ainda atuam nas buscas de forma ininterrupta.
As autoras agradecem à Soldado Glaucimara, Capitão Enock, Tenente Calçado, SubTenente Paulo (foto abaixo), Sargento Wagner, Tenente-Coronel Anderson Passos, SubTenente Kléber Pesso, Cabo Douglas Cruz e ao Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais pela disponibilidade e ajuda nas coletas realizadas na Barragem B1 da Vale em Brumadinho, MG.
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Colaboração: Cecília Cristina de Souza Rocha sobre a autora
Paula Pícoli Devóz sobre a autora
Fontes consultadas:
– Agência Nacional de Águas (Site);
– Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Enquanto houver esperança (Disponível aqui);
– Instituto Mineiro de Gestão das Águas. Informativo semanal da avaliação dos sedimentos do rio Paraopeba nos locais monitorados ao longo do Rio Paraopeba, após o desastre na barragem B1 no complexo da Mina Córrego Feijão da Mineradora Vale/SA no município de Brumadinho – Minas Gerais. Informe nº 2 (Acesso);
– Instituto Mineiro de Gestão das Águas. Resumo da qualidade das águas nos locais monitorados ao longo do Rio Paraopeba, após o desastre na barragem 1 no complexo da Mina Córrego Feijão da Mineradora Vale/SA, município de Brumadinho – Minas Gerais. Boletim Informativo do Cidadão nº 7 (Acesso);
– Porsani, J., de Jesus, F., Stangari, M.. GPR Survey on an Iron Mining Area after the Collapse of the Tailings Dam I at the Córrego do Feijão Mine in Brumadinho-MG, Brazil. Remote Sens. 2019;
– Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Informativo nº 55 – Novembro de 2019: Qualidade das Águas do Rio Paraopeba, após o desastre na barragem B1 da Mineradora Vale/SA no município de Brumadinho – Minas Gerais (Acesso);
– Vale. Esclarecimentos sobre a Barragem I da Mina de Córrego do Feijão, 25/01/2019 (Disponível aqui).
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(Editoração: Fernando Mecca, Priscila Rothier e Caio Oliveira)