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A luta da ciência contra o câncer

Conheça os tratamentos e avanços recentes da ciência para a cura de diversos tipos de câncer

Destaques:
– Câncer é o nome dado para um conjunto de diferentes doenças que têm em comum o comportamento alterado de uma ou mais células resultando na formação de um tumor;
– Os tratamentos mais comuns para essas doenças são a radioterapia, a quimioterapia, e a remoção cirúrgica do tumor, no entanto, nem todos os tipos de câncer podem ser tratados dessa forma;
– Um novo tipo de tratamento, chamado de imunoterapia, está sendo desenvolvido e já foi aplicado com sucesso em pacientes com leucemias e linfomas;
– Pesquisas ainda são necessárias para aprimorar e diversificar o uso da imunoterapia.

Uma das doenças mais temidas nos dias atuais é o câncer, e não sem razão. Afinal, de acordo com a última estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA), aproximadamente 680 mil brasileiros receberão o diagnóstico em 2020. Mas, cada vez mais, há esperança para esses pacientes. Inúmeras pesquisas contribuem diariamente para aprimorar e reinventar tratamentos. Neste texto, pretendemos mostrar alguns tipos de tratamento e recentes avanços que a ciência tem nos trazido.

O que conhecemos como câncer, na verdade, é um conjunto de doenças que compartilham uma característica em comum: uma ou mais células que passaram a se comportar de maneira inesperada. Nosso corpo é composto por células com características peculiares que exercem funções específicas e se organizam em tecidos e órgãos. Assim como nosso fígado e o nosso pulmão têm funções distintas, as células que compõem esses e outros órgãos também apresentam diferenças. Todo o conjunto de células do nosso corpo trabalha em equilíbrio. Quando alguma célula começa a apresentar problemas, por exemplo, se multiplicar quando não deveria, pode ocorrer a formação de um tumor: o câncer. Portanto, por se tratar de células diferentes, esperamos que um câncer no fígado, no pulmão ou no sangue, sejam doenças diferentes e que necessitam de tratamentos também diferentes. Atualmente os tratamentos mais tradicionais são: a remoção cirúrgica do tumor (quando possível), a radioterapia e a quimioterapia.

A radioterapia visa atingir diretamente o tumor com altas doses de radiação, o que é tóxico para as células do nosso corpo. Como a radiação é direcionada para o tumor, tem altas chances de eliminá-lo. Porém, assim como as células do tumor, as células saudáveis ao seu redor também receberão essas doses de radiação e podem ser igualmente prejudicadas. Atualmente, aparelhos mais precisos foram desenvolvidos para um melhor tratamento. No entanto, a aplicação da radioterapia é insuficiente para curar todos os tipos de câncer. Assim, pode ser necessária a combinação com a tão famosa quimioterapia.

A quimioterapia é um tratamento sistêmico, ou seja, o medicamento entrará na corrente sanguínea e percorrerá todo o corpo. Os primeiros quimioterápicos foram desenvolvidos quando ainda se pensava no câncer como uma doença que poderia se combater de forma única. Em todos os tipos de tumores, as células afetadas se multiplicam de forma rápida e descontrolada. A ideia então era usar essa característica comum como um alvo da terapia, onde o quimioterápico agiria de forma a afetar a rápida multiplicação das células. Desta forma, o tumor seria facilmente atingido e eliminado. Entretanto, células saudáveis que também se multiplicam rapidamente, são afetadas. Assim, é fácil entender porque o cabelo, que nunca para de crescer, cai quando o paciente recebe a “quimio”.

Apesar de eficaz contra alguns tipos tumorais, esse tipo de quimioterapia não funciona em todos os casos. Sabendo que o câncer corresponde a diferentes doenças, iniciou-se a busca por novos quimioterápicos que fossem específicos para cada tipo de câncer. Inúmeros medicamentos foram descobertos e são hoje utilizados, e esse campo segue avançando dia após dia. Mas ainda há vários desafios a serem superados. Neste caminho de tantas pesquisas, novas ideias de tratamentos surgiram.

Um destes tratamentos que não envolve a quimioterapia ganhou fama no ano passado (2019) no Brasil, com o caso do paciente tratado no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. O câncer do paciente era um linfoma do tipo não-Hodgkin. O paciente já havia passado por diversas fases de quimio- e radioterapia, infelizmente sem sucesso. Em casos semelhantes a este, não há outras opções de tratamento. Entretanto, uma nova pesquisa desenvolvida no mesmo hospital buscava pacientes com este perfil para a realização de testes. O paciente, então, foi recrutado para participar deste inovador tratamento. A ideia por trás deste é se utilizar das defesas naturais do nosso corpo para reconhecer e eliminar as células cancerosas. Essa “defesa natural” é o nosso sistema imune, e por isso, este tipo de tratamento é chamado de “imunoterapia”. 

Algumas das células do nosso sistema imune são especializadas em reconhecer invasores, como vírus ou bactérias. Elas conseguem diferenciar o que pertence ao nosso corpo (próprio) e o que não pertence ao corpo (não-próprio). Depois do reconhecimento, as chamadas “células T” ajudarão a eliminar o vírus ou bactéria. É assim que nosso sistema imune mantém nosso corpo livre de doenças. Isso não acontece com o câncer, porque a célula que “deu problema” e originou o tumor é do nosso próprio corpo e não é reconhecida pelas células do sistema imune como um agente invasor. Desta forma, o problema passa despercebido.

Porém, cientistas encontraram uma forma de “treinar” as células do sistema imune para reconhecer as células cancerosas. Para isso, eles identificam uma característica que seja exclusiva de células do câncer em questão e depois modificam geneticamente as células T (agora chamadas células CAR-T) para reconhecer esta característica. A ideia do tratamento é coletar células do sistema imune do próprio paciente, modificá-las geneticamente em laboratório, tornando-as aptas ao reconhecimento das células cancerosas e reintroduzi-las no paciente. No corpo do paciente, as células CAR-T poderão atacar as células do câncer.

Um dos principais desafios desse tratamento é identificar características que sejam exclusivas das células tumorais. Uma vez que estas são células do nosso próprio corpo, elas são muito semelhantes às células saudáveis. O grande risco é treinar as células CAR-T para reconhecer uma característica que não seja exclusiva das células cancerosas, pois assim atacariam também as células saudáveis. Anos de pesquisa são necessários para o reconhecimento de tais alvos e até o momento apenas leucemias e linfomas puderam se beneficiar seguramente do tratamento com as células CAR-T. No entanto, pesquisadores do Brasil e do mundo ainda trabalham no reconhecimento de novos alvos para a utilização desse tratamento em outros tipos tumorais.

A utilização das células CAR-T é extremamente promissora, uma vez que os pacientes tratados tiveram uma boa resposta. Todavia, é um tratamento recente que foi aprovado em 2018 apenas nos EUA e na Europa. No Brasil, a utilização se dá apenas na fase da pesquisa clínica, em caráter experimental, uma vez que o tratamento ainda não é aprovado pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Além das promissoras células CAR-T, pesquisas continuam avançando em busca de novas descobertas para o tratamento do câncer. Em janeiro de 2020, foi publicado um estudo anunciando a descoberta de um novo tipo de célula do sistema imune. Pesquisadores do País de Gales identificaram um tipo de célula capaz de reconhecer e eliminar, em laboratório, uma maior variedade de células tumorais (incluindo células de câncer de pulmão, cólon, pele, mama, próstata, ovário, e sangue), sem afetar as células saudáveis. A identificação de tal célula nos permite voltar a sonhar com um tratamento único para diferentes tipos de câncer. No entanto, mais estudos são necessários para entender como essa célula funciona e se há a possibilidade de sua utilização efetiva para o tratamento do câncer. Esta descoberta traz novas esperanças para pesquisadores, médicos e pacientes para que um dia o diagnóstico de câncer não seja mais tão temido.

Colaboração: Lara Elis Alberici Delsin sobre a autora

                        Gustavo Borges sobre o autor

Fontes consultadas:

– Instituto Nacional de Câncer (Site); 

National Cancer Institute (EUA) (Site); 

– Artigo científico de Crowther, Michael D., e colaboradores, publicado na revista Nature Immunology em 2018: “Genome-wide CRISPR–Cas9 screening reveals ubiquitous T cell cancer targeting via the monomorphic MHC class I-related protein MR1”, 21.2 (2020): 178-185;

– Jornal da USP (Matéria).

(Editoração: Eduardo Borges, Fernando Mecca e Caio Oliveira)

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