#Década do Oceano (Uma parceria pela sustentabilidade do oceano)
Tubarões e corais como espécies-chaves para a manutenção do oceano
Destaques: – A degradação de ecossistemas marinhos acelerou nas últimas cinco décadas devido à multiplicidade de estressores que afetam o oceano. – Para apoiar a conservação e a proteção desses ecossistemas, pesquisas interdisciplinares buscam elucidar os impactos de estressores cumulativos no oceano. – Como predadores de topo, os tubarões desempenham um importante papel no equilíbrio ecológico, mas a retirada desses animais do ambiente tem colocado em risco a saúde do oceano. |
Um oceano saudável e resiliente – onde ecossistemas são mapeados e protegidos, impactos são medidos e reduzidos e a prestação de serviços ecossistêmicos é mantida –, depende, dentre outras coisas, do incentivo e da divulgação da cultura e da ciência oceânica. Por isso, vamos apresentar aqui duas áreas de pesquisa que buscam atingir um oceano saudável e resiliente!
Resiliência, quando se trata do oceano, refere-se à sua capacidade de adaptação às mudanças causadas por interferências externas, como poluição, sobrepesca e mudanças climáticas. A quantidade e diversidade de interferências que nós, humanos, temos causado no oceano é maior do que a sua resiliência. Somente controlando essas interferências, poderemos atingir um oceano saudável – ou seja, limpo, diverso, mantenedor de todas suas funções.
Agora, vamos compreender um pouco mais sobre a saúde do oceano. Você sabe o que é uma espécie-chave? Vamos analisar a imagem abaixo.
O esquema mostra um exemplo de cadeia alimentar de alguns tubarões. Vemos que as algas servem de alimento para camarões, que estão presentes na dieta das trutas, que servem de alimento para tubarões. Se há diminuição de indivíduos predadores de topo – no caso, os tubarões –, observa-se um efeito cascata: aumenta a quantidade de trutas marinhas, que não são mais devoradas; por sua vez, elas competirão pelos camarões cada vez mais escassos, já que há mais trutas para comê-los; e aumenta também a quantidade de algas, pois seus predadores, os camarões, estão em menor quantidade.
O exemplo acima mostra como uma espécie-chave, como o tubarão, se relaciona com diferentes espécies e como a sua diminuição ou desaparecimento pode alterar todo o funcionamento de uma comunidade ou ecossistema.
Apesar do retrato dos tubarões como predadores vorazes ter incutido em muitas pessoas uma aversão a esses animais – imaginário muito estimulado pelo cinema a partir de 1975 com a divulgação do filme “Tubarão” –, a verdade vai muito além: como predadores de topo, eles desempenham um importante papel na regulação dos estoques de peixes e promovem o equilíbrio ecológico no ambiente marinho. Dessa forma, sua retirada ostensiva do ambiente coloca em risco não apenas eles, mas também a saúde do oceano.
A sobrepesca, a captura incidental e o comércio de sua carne e barbatanas têm ameaçado os tubarões, bem como as raias, que juntos compõem a subclasse dos elasmobrânquios. Você já deve ter ouvido falar, ou até mesmo consumido, o famoso cação! Popularmente mencionada apenas como cação, a carne de tubarões e de raias é comercializada a baixo preço de mercado, encobrindo a verdadeira espécie do animal. Em contrapartida, as barbatanas dos tubarões são valorizadas pelo mercado internacional, visadas principalmente na culinária asiática para a produção de uma sopa.
E com a intensificação da pesca desses animais, aliada a seu lento crescimento, baixo número de filhotes por gestação e maturidade sexual tardia, muitas espécies entram na Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), o que pode colocar em risco a saúde dos ecossistemas oceânicos. Isso se deve ao fato de que repor seus indivíduos é um processo relativamente lento, quando comparado ao ritmo da pesca predatória.
Conforme aponta artigo escrito por Nathan Pacoureau e colaboradores, “Half a century of global decline in oceanic sharks and rays”, publicado na Nature em 2021, a abundância global de tubarões e raias oceânicas diminuiu quase três quartos (71%) nos últimos 50 anos, principalmente devido à pesca excessiva. Podemos citar como exemplos de espécies criticamente em perigo o tubarão-galha-branca-oceânico (Carcharhinus longimanus) e o tubarão-martelo (duas espécies Sphyrna lewini e Sphyrna mokarran), de acordo com a IUCN.
Assim, pesquisas são realizadas a fim de atingir o objetivo de um oceano mais saudável e resiliente. É o que realizam as graduandas em Ciências do Mar, Julia Piovesan e Talita Martins, que se dedicam a pesquisar a conservação de tubarões e raias com o auxílio da genética.
Para promover a conservação desses animais, é essencial conhecer quais espécies são alvo de maior pressão, e por consequência, estão mais ameaçadas. Porém, uma das dificuldades é o fato de ser comum que os animais tenham suas barbatanas retiradas e sejam comercializados já filetados, o que dificulta a identificação da espécie. É aí que entra a genética!
Técnicas moleculares têm permitido aos pesquisadores identificar, através do DNA, as espécies de tubarões e raias pescadas e comercializadas, bastando apenas uma pequena amostra do animal – tão pequena quanto um grão de feijão. Uma vez identificadas, é possível conferir se a espécie está na lista vermelha da IUCN e verificar se o seu comércio é permitido. Ao final da pesquisa, espera-se obter um conjunto de dados que se tornarão informações para grupo de cientistas e possíveis elaborações de planos de conservação.
Após conhecer a sua importância no oceano bem como a dedicação em estudá-los, que tal parar de temê-los e passar a garantir a proteção desses majestosos animais?!
Como tudo está conectado, não adianta pensarmos na preservação apenas dos tubarões e das raias. Outro exemplo que também necessita de ações urgentes para a proteção é um dos mais importantes refúgios para a vida marinha: os recifes de corais. Este é foco da iniciação científica da graduanda de Ciências do Mar, Luisa Frank Medeiros, que estuda os corais escleractíneos invasores do Oceano Atlântico Sul ocidental, do gênero Tubastraea, os conhecidos coral-sol. Mas sua pesquisa não foi um fator limitante para a graduanda se aprofundar em outras técnicas de conservação recifal de outros corais, como o Mussismilia harttii (coral couve-flor) e o Millepora alcicorns (coral-fogo).
Estima-se que 65% dos peixes marinhos vivem em recifes de corais. Além do seu papel estrutural, os corais são animais muito importantes já que se relacionam até mesmo com o oxigênio que respiramos. Esses lindos animais realizam simbiose com microalgas que, juntos, absorvem CO2 da atmosfera e produzem mais de 50% do oxigênio que respiramos. Pois é, embora as florestas sejam importantes, não são elas que lideram esse ranking.
Contudo, a degradação dos ecossistemas marinhos acelerou nas últimas cinco décadas devido à multiplicidade de estressores que afetam o oceano. E logo, a saúde e a resiliência de muitos recifes de corais e cadeias alimentares estão em estado de alerta. Algumas ameaças como sobrepesca, mudanças climáticas e outras atividades humanas aceleram o processo de degradação, e estimativas prevêem que, se continuarmos com as tendências atuais, é possível que percamos mais de 90% desses ecossistemas até o ano de 2050.
Para apoiar a conservação e a proteção desses ecossistemas, é necessária a atuação em pesquisas interdisciplinares que buscam elucidar os impactos de estressores cumulativos no oceano.
À exemplo, Luisa recentemente atuou em um projeto que busca a recuperação de corais já branqueados, o projeto Biofábrica de Corais, localizado em Porto de Galinhas, Pernambuco.
Projetos como o Biofábrica e o programa de voluntariado realizado pelo ICMBio Alcatrazes possuem como objetivo gerar conhecimento para elaborar planos de conservação direcionados às espécies estudadas, trabalhando na proteção de diferentes ecossistemas marinhos.
Executar corretamente o manejo e o monitoramento de espécies vulneráveis, com ações específicas e conhecimento prévio de como o controle pode auxiliar na preservação do ecossistema, pode reverter a degradação dos recifes de corais e avanços das espécies invasoras.
Um oceano saudável e resiliente depende do equilíbrio entre o seu uso e a conservação da sua biodiversidade – sendo que o primeiro depende do segundo. Além disso, para que o oceano seja saudável e resiliente, devemos respeitá-lo e valorizá-lo, atitudes que podemos desenvolver por meio de uma eficaz dissipação da cultura e da ciência oceânica!
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Especial Década do Oceano – Uma parceria entre a Ilha do Conhecimento, a Liga das Mulheres pelo Oceano e a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano
Colaboração:
Julia Piovesan sobre a autora
Julia Piovesan é técnica em Meio Ambiente e aluna do Laboratório de Genética Pesqueira da Universidade Federal de São Paulo, onde cursa graduação em Ciência e Tecnologia do Mar. Apaixonada pelo mar e por tubarões, dedica seu estudo à aplicação da genética na conservação de tubarões e possui interesse na fotografia aliada à educação ambiental.
Luisa Frank Medeiros sobre a autora
Luisa é estudante de ciências do mar pela UNIFESP, fascinada pelo oceano e pela conservação da vida marinha. Hoje sua maior área de estudo são os corais da classe Anthazoa, e trabalha com pesquisa e mergulho científico tanto no manejo e monitoramento do coral-sol no Arquipélago dos Alcatrazes, SP, como também na recuperação de recifes de corais degradados em Porto de Galinhas, PE.
Talita Oliveira Moia Martins sobre a autora
Talita Martins está no fim da sua graduação em Ciências e Tecnologia do Mar e está no processo para começar outra graduação em Engenharia Ambiental, ambas no Instituto do Mar (IMar) da UNIFESP. Faz parte do Laboratório de Genética Pesqueira, onde desenvolveu muito interesse na área de conservação genética, bioinformática, além de interesses pessoais em educação ambiental e sustentabilidade.
Tássia Biazon sobre a autora
Tássia Biazon é bióloga e jornalista científica. Atualmente é pós-graduanda na Unicamp e no Centro de Pesquisa Boldrini, colaboradora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano da USP e professora na rede SESI. Tem experiência e interesse em biologia da conservação, biologia molecular, jornalismo científico e divulgação científica.
Fontes consultadas:
– Matéria na revista Ciência Hoje intitulada “O oceano que queremos”, publicada em 20/01/2021. (https://cienciahoje.org.br/artigo/o-oceano-que-queremos/)
– Livro “Cultura oceânica para todos – kit pedagógico”, de autoria da UNESCO, publicado pela editora UNESCO Europa em 2020. (https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373449.locale=en.)
– Site da Biofábrica de Corais (https://biofabricadecorais.com)
– Matéria da UNESCO intitulada “Ciência oceânica e zonas costeiras” (https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/expertise/ocean-science-coastal-zone)
– Matéria no site do Ministério do Meio Ambiente intitulada “Serviços ecossistêmicos” , publicado em: 13/11/2020 (https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/servicosambientais/ecossistemas-1/conservacao-1/servicos-ecossistemicos/servicos-ecossistemicos-1)
– Livro “A Economia da Natureza”, de autoria de Ricklefs, R., publicado pela editora Guanabara Koogan em 2003. 5a ed.
– Matéria no site IBAMA intitulada “Coral-sol” publicada em 05/08/2019 (http://ibama.gov.br/especies-exoticas-invasoras/coral-sol).
– Plano de Ação do ICMBio, intitulado “Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Tubarões e Raias Marinhos Ameaçados de Extinção”. (https://www.icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/plano-de-acao-nacional-lista/2839-plano-de-acao-nacional-para-a-conservacao-dos-tubaroes).
– Artigo científico intitulado “Half a century of global decline in oceanic sharks and rays”, publicado na revista Nature em 2021, de autoria de Pacoureau, N., Rigby, C.L., Kyne, P.M. e colaboradores.
– Artigo científico intitulado “Buying a Pig in a Poke : The Problem of Elasmobranch Meat Consumption in Southern Brazil”, publicado na revista Ethnobiology Letters em 2015, de autoria de Bornatowski, H. e colaboradores.
– Artigo científico intitulado “The effects of Fishing on Sharks, Rays and Chimaeras (Chondrichthyans), and implications for marine ecosystems”, publicado na revista ICES Journal of Marine Science em 2000, de autoria de Stevens, J. D.; Bonfil, R.; Dulvy, N. K.; Walker, P. A.
– Artigo científico intitulado “Identification of shark and ray fins using DNA barcoding”, publicado na revista Fisheries Research em 2009, de autoria de Holmes, B.; Steinke, D.; e Ward, R.
– Relatório “The State of World Fisheries and Aquaculture” de autoria d a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), publicado pela FAO em 2020.
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(Editoração: Fernando Mecca, Tássia Biazon, Eduardo Borges, Nathalia Khaled)