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Um oceano seguro

#Década do Oceano (Uma parceria pela sustentabilidade do oceano)

Como ações para tornar o oceano mais seguro pode proteger o continente?

Destaques:
– Para garantir a segurança, tanto na costa como em alto-mar, é necessário compreender e prever diversos fenômenos que se relacionam de forma complexa como correntes, ventos, ondas, e marés;
– A segurança no oceano e regiões costeiras está intimamente relacionada com o clima e é diretamente afetada pelos efeitos das mudanças climáticas;
– Elementos antrópicos, como ocupações irregulares, também podem agravar fenômenos que causam problemas às populações costeiras como a erosão;
– Em relação à segurança na navegação, a Marinha do Brasil emite, de 12 em 12 horas, informações importantes como boletins meteorológicos e avisos de mau-tempo.

O litoral brasileiro é um dos maiores do mundo. Com mais de 8000 km de extensão, ele concentra cerca de 26% da população brasileira. Além disso, abrange diversos tipos de ambientes costeiros como estuários, praias, manguezais e dunas. Estes ambientes são diversos e funcionais, pois representam a transição entre os sistemas marinho, continental e climático. Eles são responsáveis, por exemplo, pela proteção da linha de costa, como no caso das dunas, que fornecem areia para as praias depois de grandes tempestades, e dos manguezais, que além de serem ricos em biodiversidade, atenuam as energias das ondas, oferecendo proteção ao continente.

O ambiente costeiro mais conhecido pela população e também de maior ocorrência no litoral brasileiro são as praias arenosas, que são geradas pelo aporte sedimentar e pela ação de ondas e marés. Um dos principais problemas relacionados à segurança nesses ambientes é a erosão costeira. Estudos indicam que 70% das costas arenosas do mundo estão em processo de erosão, e no Brasil, a erosão costeira está presente em todos os estados litorâneos – influenciadas principalmente por fatores naturais e antrópicos.

Mas, para começar, você sabe como são formadas as ondas e as marés? Tudo começa por causa do Sol, que aquece diferentes regiões do planeta com diferentes intensidades. E é esse aquecimento diferencial o causador primário dos ventos na atmosfera e das correntes no oceano. Os ventos, ao soprarem continuamente por longas extensões oceânicas, geram as ondas que os surfistas surfam. As marés, por sua vez, são a oscilação diurna ou semi-diurna do nível do mar. Elas também são ondas, mas causadas pela atração gravitacional mútua entre a Terra, a Lua e o Sol.

Todos esses fenômenos – correntes, ventos, ondas, marés – se relacionam de forma complexa e têm efeitos que podem ser sentidos tanto em alto-mar quanto na costa, fazendo com que o oceano sempre esteja em movimento. Em alto-mar, dezenas de milhares de embarcações cruzam o oceano todos os dias, passando pelas mais variadas condições meteorológicas e oceanográficas (ou “meteoceanográficas”). Da mesma forma, a maior parte da população mundial vive em regiões costeiras, onde tais condições também podem ser sentidas. E, em um cenário de aceleradas mudanças climáticas e intervenções de engenharia, o ambiente costeiro vem sofrendo cada vez mais com múltiplos estressores, como a erosão e o aumento na frequência de tempestades que geram grandes ondas, além do aumento do nível do mar.

Existem três grandes fatores chave para a ocorrência e a intensificação da erosão costeira: as variações de elementos naturais (como frequência da ocorrência e rotas de tempestades, aumento/diminuição de chuvas) e os elementos antrópicos (alterações causadas pelos humanos, como ocupações errôneas e obras de engenharia) e, possivelmente, a variação do nível do mar.

Um exemplo da influência antrópica é a diminuição do aporte de sedimento fluvial devido à construção de barragens ao longo dos rios, como é o caso do Rio Paraíba do Sul, que banha os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A sequência de barragens ao longo do seu trajeto retém sedimentos que anteriormente eram transportados até a sua foz em Atafona, região do litoral norte do estado do Rio de Janeiro. Isso contribui, juntamente com outros fatores, para que hoje esta região sofra com erosões que geram grandes perdas econômicas e risco à população local, como indicado no estudo de Mello e colaboradores (2018), que mostra a perda de 40 edificações de 2005 a 2016, uma média de quatro casas por ano.

As variações dos fatores naturais, por sua vez, são representadas pelo aumento da intensidade de tempestades, como na costa do Rio Grande do Sul, e pelo aumento simultâneo de episódios extremos tanto de chuvas como de períodos secos em parte do Brasil, além da ocorrência, cada vez mais comum, de marés meteorológicas, conhecidas como ressacas.

Danos causados por maré meteorológica e por ondas de tempestade na Ponta da Praia (Santos, SP), ambas ocasionadas pela passagem de um sistema frontal em 21/08/2016. Fenômenos similares se tornaram mais comuns a partir da década de 90. Fotos: Samara Cazzoli y Goya publicadas em Mahiques et al. (2018).

A relação desses processos com o clima é evidente e em um cenário de aquecimento global, com emissões cada vez maiores de CO2, é possível prever que o problema da erosão costeira deve se intensificar e afetar áreas que por enquanto são consideradas estáveis. Por isso, precisamos compreender mais esses fenômenos e propor ações para mitigá-los.

Atualmente, pode-se dizer que a todo instante de todo dia tais condições ambientais representam algum risco a alguma vida humana em algum lugar do planeta, especialmente em alto-mar. É por esse motivo que geocientistas – oceanógrafos, meteorologistas, geólogos e geofísicos – precisam ser capazes de prever tais fenômenos com a antecedência necessária para garantir as tomadas de decisão aplicáveis.

Um exemplo de ação do passado essencial para o presente é a “Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar” (ou SOLAS, da sigla em inglês), estabelecida em 1974. Na ocasião, o oceano global foi dividido em 21 regiões distintas – as METAREAs (abreviação em inglês para “área meteorológica”) – e cada uma foi atribuída a uma nação diferente. A região de responsabilidade do Brasil é a de número 5, a METAREA V, que possui pouco mais de 12 milhões de km2 e abrange aproximadamente metade do Oceano Atlântico Sul assim como toda a costa brasileira.

Representação da área marítima de responsabilidade do Brasil para fins de divulgação da informação meteoceanográfica (METAREA V) e suas subdivisões. Fonte: http://rumoaomar.org.br/meteorologia-oceanografia/avisos-de-mau-tempo-emitidos-pelo-servico-meteorologico-marinho.html

O órgão responsável pela meteorologia e pela oceanografia da METAREA V é o Serviço Meteorológico Marinho (SMM), que se encontra a cargo da Marinha do Brasil (MB) e é operado pelo Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), em Niterói, RJ. Com a missão de produzir informações ambientais em prol da segurança da navegação, o SMM emite boletins meteorológicos, avisos de mau-tempo e cartas sinóticas de 12 em 12 horas ao longo do ano inteiro. 

Tais informações podem ser encontradas no site do CHM e no aplicativo Boletim ao Mar disponível para download. É assim que, no Brasil, informações ambientais relevantes – como ventos, ondas em alto-mar, ressacas na costa, visibilidade horizontal e formação de sistemas ciclônicos – são comunicadas todos os dias para que tenhamos um oceano seguro.

Aplicativo Boletim ao Mar, através do qual a Marinha do Brasil fornece informações ambientais relevantes à segurança da navegação na área náutica brasileira. Fonte: https://boletimaomar.com.br/

Além disso, como podemos tornar nossas praias mais seguras e mais previsíveis? Primeiro, é preciso controlar os elementos antrópicos, o que pode ser feito a partir de políticas públicas adequadas aos ambientes costeiros, em especial às praias arenosas, como o estabelecimento de áreas não edificáveis junto à linha de costa e a reconstrução das paisagens naturais como dunas e restingas. Segundo, é necessário promover ações governamentais efetivas para redução de emissão de CO2 e a execução de outros planos ambientais como a diminuição do desmatamento de matas nativas a fim de reduzir o ritmo e a intensidade das mudanças climáticas e seus efeitos.

Uma junção de esforços entre as universidades, órgãos públicos de todas as esferas de poder, as organizações não governamentais e as populações locais é fundamental para a criação e implementação de soluções que preservem e normatizem o uso da costa, deixando as praias seguras.

Especial Década do Oceano – Uma parceria entre a Ilha do Conhecimento, a Liga das Mulheres pelo Oceano e a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano

 

Colaboração:

Fernanda Minikowski Achete sobre a autora            

Fernanda é professora do programa de Engenharia Costeira e Oceânica (PENO) da COPPE-UFRJ. Possui graduação em Oceanografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2008), mestrado em Coastal and Marine Engineering and Management CoME – Delft University of Technology (2011) e doutorado em Engenharia Costeira – Delft University of Technology (2016). Tem experiência na área de Engenharia Naval e Oceânica, com ênfase em COSTEIRA, atuando principalmente nos seguintes temas: modelagem numérica, sistemas estuarinos, sedimentos finos e dinâmica de manguezais.

Samara Cazzoli y Goya sobre a autora            

Samara é geóloga formada pela UNESP Rio Claro e mestre – doutora pela USP e uma apaixonada pela geologia costeira e sedimentologia. Seu ambiente de trabalho favorito são as praias arenosas. É também professora que acredita na educação para todos e que a ciência é feita para ser divulgada.

Thalles Augusto Abreu Araujo sobre o autor            

Thalles é bacharel em Oceanografia (USP), mestre em Exploração Científica (UMiami), mestre em Engenharia Oceânica (UFRJ) e mergulhador Divemaster (NAUI). Autodidata apaixonado por física-matemática aplicada à terra, à água e ao ar, é um ávido defensor do conhecimento teórico e está prestes a iniciar um doutorado na University of Western Australia (UWA).

Tássia Biazon sobre a autora       

Tássia Biazon é bióloga e jornalista científica. Atualmente é pós-graduanda na Unicamp e no Centro de Pesquisa Boldrini, colaboradora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano da USP e professora na rede SESI. Tem experiência e interesse em biologia da conservação, biologia molecular, jornalismo científico e divulgação científica

Fontes consultadas:

– Artigo científico intitulado “A critical review of mid- to late-Holocene sea-level fluctuations on the eastern Brazilian coastline”, publicado na revista Quaternary Science Review em 2006, de autoria de Angulo, R. J. e colaboradores.

– Livro “Coastal Geomorphology: An introduction”, de autoria de Bird, E. C. F. Publicado pela editora Wiley and Sons, Chinchester, England, em 2008. 2a ed.

– Livro “Censo Demográfico 2010”, de autoria de IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), publicado por IBGE, Brasília, em 2010.

– Matéria no site do IEA (Agência de Energia Internacional) intitulada “Sustainable Recovery Tracker”, publicada em julho/2021. (https://www.iea.org/reports/sustainable-recovery-tracker)

– Relatório “Global Warning of 1.50C”, de autoria de IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), publicado por IPCC, Genebra, em 2018.

– Capítulo de livro “São Paulo”, de autoria de Mahiques, M. M. e colaboradores, publicado no livro Panorama da Erosão Costeira no Brasil, organizado por Muehe, D., publicado por MMA/ SRH/ DGAT, Brasília, em 2018.

– Tese de Professor Titular defendida na Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande, no ano de 2017, intitulada “Maré meteorológica na costa brasileira”, de autoria de Melo Filho, E.

– Capítulo de livro “Geomorfologia Costeira”, de autoria de Muehe, D., publicado no livro Geomorfologia: uma atualização e bases e conceitos, organizado por Cunha, S. B. e Guerra, A. J. T., publicado por editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, em 1994. 2a ed.

– Livro “Panorama da Erosão Costeira no Brasil”, organizado por Muehe, D., publicado por MMA/ SRH/ DGAT, Brasília, em 2018.

– Artigo científico intitulado “Future rainfall and temperature changes in Brazil under global warming levels of 1.5ºC, 2ºC and 4ºC”, publicado na revista Sustentabilidade em Debate em 2020, de autoria de Santos, D. J. e colaboradores.

– Artigo científico intitulado “Processos Costeiros Condicionantes do Litoral Brasileiro”, publicado na revista do Departamento de Geografia (USP) em 2005, de autoria de Tessler, M. G. e Cazzoli y Goya, S.

– Dissertação de Mestrado defendida no Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 1999, intitulada “Influência das tempestades extratropicais sobre o estoque subaéreo das praias entre Rio Grande e Chuí, RS. Campanha de outono e inverno de 1996”, de autoria de Tozzi, H. A. M.

– Muehe, D. C. E. H. (2006). Erosão e progradação do litoral brasileiro. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 1, 475.

– Mello, G.S. ; Machado, B.A; Rocha, T.B., 2018, AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS DA EROSÃO COSTEIRA NO DISTRITO DE ATAFONA (RJ), ENTRE OS ANOS DE 2005 E 2016., SINAGEO 2018.

– Shepherd, A. (2018). Mass balance of the Antarctic Ice Sheet from 1992 to 2017. Nature, 558(7709), 219–222. https://doi.org/10.1038/s41586-018-0179-y

– Winterwerp JC, Van Kesteren WG (2004) Introduction to the physics of cohesive sediment dynamics in the marine environment vol 56. Elsevier,

– Wolanski E (1995) Transport of sediment in mangrove swamps Hydrobiologia 295:31-42 doi:10.1007/bf00029108

– Normas da Autoridade Marítima para as Atividades de Meteorologia Marinha (NORMAN-19, 1a revisão, 2018) (https://www.marinha.mil.br/dhn/?q=en/node/264).

– Site da Wikipedia, página sobre a Convenção SOLAS (https://en.wikipedia.org/wiki/SOLAS_Convention).

– Site do Centro de Hidrografia da Marinha (https://www.marinha.mil.br/chm/).

– Site do aplicativo Boletim ao Mar (https://boletimaomar.com.br/).

(Editoração: Eduardo Borges e Tássia Biazon)

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