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A levedura foi modificada geneticamente, recebendo um gene que converte xilose em xilitol, sendo capaz, portanto, de degradar a xilose presente na biomassa vegetal e gerar um produto de alto valor agregado
Em um trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a palha da cana-de-açúcar, uma biomassa de baixo custo utilizada na produção de etanol de segunda geração – quando é produzido a partir dos resíduos que são descartados do processo produtivo do etanol- foi capaz de gerar um produto de ainda maior valor agregado e interesse econômico que o etanol: o açúcar xilitol. Para este fim, a pesquisa utilizou um microrganismo que já é utilizado para diversos processos industriais, a Saccharomyces cerevisiae. A levedura S. cerevisiae foi geneticamente modificada para metabolizar o açúcar conhecido como xilose e produzir o cada vez mais popular adoçante conhecido como xilitol. Os resultados desse estudo foram publicados no Journal of Genetic Engineering and Biotechnology.
O trabalho é resultado da combinação de duas frentes de pesquisa. A primeira envolveu a criação de um sistema para modificação genética de linhagens industriais brasileiras de Saccharomyces cerevisiae, levedura utilizada para transformar os açúcares presentes na cana, em etanol. Essa levedura não metaboliza naturalmente a xilose, que é um tipo de açúcar disponível na biomassa da cana-de-açúcar (e também em troncos e folhas de outros vegetais), como faz ao transformar glicose em etanol. Por isso a necessidade de criar uma cepa mutante, ou seja, uma variante da levedura com propriedades distintas.
Dessa forma, o microrganismo recebeu um gene que converte xilose em xilitol por meio de uma técnica de edição gênica conhecida como CRISPR-Cas9 (sigla para Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas, que funciona com uma proteína associada, a Cas), que permite a edição precisa de uma região específica do DNA. Trata-se do primeiro estudo do tipo utilizando as principais linhagens da levedura usada pela indústria brasileira de bioetanol e que, a partir de agora, poderá servir de base para o trabalho de outros pesquisadores.
Após a edição genética da S. cerevisiae, teve início a segunda frente do trabalho: os testes para confirmar que seria possível aproveitar a mesma fonte de material utilizada na produção de etanol de segunda geração – a palha da cana-de-açúcar hidrolisada, que é uma matéria prima que passa por um processo de degradação da palha para a liberação dos açúcares que compõem essa matéria prima, dentre eles a xilose – para obter o xilitol. Além disso, nessa etapa, foi comparada a produção feita por duas leveduras editadas da mesma maneira: uma industrial e outra laboratorial. Ambas as cepas obtiveram sucesso, mas a industrial superou consistentemente a de laboratório. Os resultados mostraram que a levedura industrial brasileira consegue produzir mais xilitol no meio ótimo, que contém apenas a xilose, sem todos os estresses (impurezas) do hidrolisado de cana-de-açúcar. Apesar disso, a linhagem industrial também obteve sucesso na produção de xilitol usando o hidrolisado da palha (com as impurezas), indicando que essa cepa também possui resistência aos estresses presentes nesse meio.
“De forma conclusiva, o que percebemos foi que a levedura industrial brasileira, além de ser muito boa para a fermentação do etanol, também é excelente para produzir outras moléculas, no caso o xilitol, que tem maior valor agregado”, afirma Fellipe da Silveira Bezerra de Mello, um dos autores do artigo e pesquisador do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia (IB-Unicamp).
Segundo os pesquisadores, o potencial desses processos realizados pelas leveduras é negligenciado pela indústria do etanol, que deixa de agregar valor e de suprir a demanda crescente do mercado e da indústria alimentícia pelo adoçante xilitol. “O sabor adocicado do xilitol é percebido por nosso cérebro como se fosse açúcar, mas o químico carrega o benefício de não ser metabolizado pelo intestino e não ser fermentado pelos microrganismos que causam cáries, o que lhe dá um potencial gigantesco no mercado mundial”, completa Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, professor do IB-Unicamp que também participou da pesquisa.
Portanto, o trabalho foi uma prova de conceito, finalizada com sucesso e agora os pesquisadores trabalham para aumentar a produtividade por meio de benfeitorias no processo de fermentação do hidrolisado de cana. Uma das estratégias é suplementar o meio de cultura para promover maior crescimento da levedura. Outra é aplicar uma corrente elétrica ao meio, o que deve contribuir para a regeneração de cofatores (moléculas que auxiliam nas reações químicas necessárias para o metabolismo da xilose) – quanto mais cofatores, maior é a produção de xilitol. “Estamos realizando uma varredura de possíveis estratégias para obter um produto comercial com competitividade industrial. Desse modo, a área de engenharia poderia trabalhar com a purificação do produto para utilização pelo consumidor”, finaliza Mello.
Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora
Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Matéria no site Agência FAPESP, intitulada “Cientistas usam levedura modificada para produzir o adoçante xilitol a partir da palha da cana”, publicada em 24/08/22. https://agencia.fapesp.br/cientistas-usam-levedura-modificada-para-produzir-o-adocante-xilitol-a-partir-da-palha-da-cana/39417/