#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)
Desde 1990 houve um aumento de 0,6 ºC por década dos lagos amazônicos, causando a morte de 209 botos em um mês
Uma pesquisa liderada pelo Instituto Mamirauá na cidade de Tefé, no estado do Amazonas, mostrou que a água enfrenta aquecimento generalizado na Amazônia. Resultados preliminares do estudo, que ainda se encontra no processo de revisão por pares para publicação, foram apresentados em uma mesa-redonda sobre a hidrografia, os aquíferos, as secas e enchentes na Amazônia, durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá é uma Organização Social fomentada e supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O instituto tem como objetivo a aplicação da ação de ciência, tecnologia e inovação na adoção de estratégias e políticas públicas de conservação e uso sustentável da biodiversidade da Amazônia. Diante dessa preocupação e após o registro do pico de temperatura no lago Tefé, em 2023, os pesquisadores estabeleceram, entre setembro e outubro do mesmo ano, uma rede de monitoramento emergencial para medir a temperatura da água em diversos lagos da Amazônia central. Os resultados das análises indicaram que mais da metade dos 10 lagos incluídos no mapeamento registraram temperatura superior a 37 ºC.
De acordo com os pesquisadores, o pico de temperatura foi atingido na seca extrema de 2023. Nesse período, a água do lago Tefé, medida ao longo de toda a coluna d’água, a 2 m de profundidade, atingiu mais de 40 ºC.
Já era sabido que os lagos na Amazônia podem atingir temperaturas extremas na superfície, uma vez que limnólogos (profissional com pós graduação em estudos de água doce) que trabalham há décadas na região já mediram temperaturas entre 37 ºC e 40 ºC. No entanto, quando o nível da água baixa 30 cm, por exemplo, a temperatura cai rapidamente para 30 ºC a 35 ºC. Na seca de 2023 na Amazônia, contudo, a temperatura da superfície do lago Tefé permaneceu no patamar de 40 ºC.
Com essas descobertas, os pesquisadores conseguiram explicar a morte de 209 botos em um mês, a maior parte deles botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e alguns tucuxi (Sotalia fluviatilis). Quando a morte de tantos botos foi registrada, foi desencadeada a Operação Emergência Botos Tefé, coordenada pelo Instituto Mamirauá e com a participação de dezenas de instituições do país e do exterior.
Com a pesquisa, foi constatado que a causa da morte dos animais foi hipertermia, causada por uma combinação catastrófica: durante a seca de 2023, a Amazônia registrou recorde de dias seguidos sem nuvem (evento raro na região). Sem a cobertura das nuvens, aumentou a radiação solar no lago que, devido à seca, estava muito raso e, consequentemente, foi mais fácil de aquecer. Além disso, as águas estavam turvas, o que também facilitou o aquecimento.
Uma vez que toda coluna de água do lago Tefé estava com 40 ºC, os botos não conseguiam encontrar abrigo nas profundezas do lago para aguentar as altas temperaturas, como de costume.
“Especialistas da área de mamíferos aquáticos comentam que, se a gente encontra três carcaças de botos em algumas semanas, já é um alerta vermelho. Agora, 70 animais mortos em um dia [como aconteceu em 28 de setembro de 2023], é uma tragédia. Peixe morrer em uma seca extrema é muito comum na Amazônia, mas boto morrer nessa proporção ninguém tinha visto. A grande pergunta era o que estava acontecendo”, relatou Ayan Fleischmann, coordenador do estudo.
O pesquisador alerta que esse aquecimento generalizado da superfície dos lagos da Amazônia consiste num risco real para os ecossistemas aquáticos e para as pessoas que vivem no bioma, principalmente as comunidades ribeirinhas que dependem do rio para o transporte e acesso a serviços essenciais.
“Foi uma verdadeira catástrofe humanitária o que aconteceu na Amazônia na seca de 2023. Não só as comunidades ribeirinhas, mas áreas urbanas em tributários do rio Amazonas e, especialmente, cidades que ficam em rios menores também ficaram muito isoladas”, Fleischmann explica.
Uma vez que esse tipo de evento climático extremo tende a acontecer com maior frequência e intensidade, também é preciso criar urgentemente programas de acesso à água na Amazônia, avaliou o pesquisador. “Não é porque estamos na beira do maior rio do mundo que o acesso à água de qualidade para o consumo é garantido”, conclui o pesquisador.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.
Referências:
Matéria no site Pesquisa Fapesp, intitulada “Aquecimento da água na Amazônia é generalizado, alertam pesquisadores”, publicada em 15/07/2024. https://revistapesquisa.fapesp.br/aquecimento-da-agua-na-amazonia-e-generalizado-alertam-pesquisadores/
Matéria no site SoCientifica, intitulada “Água na Amazônia enfrenta aquecimento generalizado, segundo cientistas”, publicada em 24/07/2024. https://socientifica.com.br/agua-na-amazonia-enfrenta-aquecimento-generalizado-segundo-cientistas/