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Como a ciência está encontrando antigas cidades na Amazônia?

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)

Pesquisas brasileiras e internacionais utilizam a tecnologia de laser infravermelho para mapear evidências de sociedades antigas na Amazônia

Evidências científicas estão ajudando a desmistificar a ideia de que a Amazônia era pouco habitada antes da chegada dos europeus. Arqueólogos descobriram um conjunto de antigas cidades que abrigaram milhares de pessoas há cerca de 2.500 anos – e que estão hoje escondidas debaixo da floresta. O conjunto de estradas enterradas e montes de terra no Equador foi notado pela primeira vez há mais de 20 anos pelo arqueólogo Stéphen Rostain. Mas, à época, não havia uma tecnologia tão específica para analisar as estruturas. Agora, a descoberta foi relatada na revista científica Science no dia 11 de janeiro.

As vilas conectadas por estradas reuniam até 30 mil pessoas no Equador – comparável à população de Londres na era romana. A rede de casas e campos é mil anos mais antiga que achados anteriores. Além disso, pesquisadores brasileiros também relataram a descoberta de quatro novos sítios arqueológicos em Marajó, no Pará. Todas essas descobertas foram possíveis graças ao uso de tecnologia que permitiu o sensoriamento remoto e a geração de imagens tridimensionais a partir de pulsos de luz no espectro infravermelho.

No trabalho publicado na Science, os cientistas usaram uma tecnologia de sensor a laser, que revelou que esses locais faziam parte de uma densa rede de cidades ligadas por estradas e canais, escondida nas encostas arborizadas dos Andes e que durou cerca de mil anos.

Os assentamentos no Vale do Upano, no leste do Equador, foram ocupados entre 500 a.C. e 300 a.C. até 600 d.C. – um período mais ou menos contemporâneo ao Império Romano na Europa. Isso significa que os assentamentos existiam mais de mil anos antes do que qualquer outra sociedade complexa da Amazônia que se tinha conhecimento. Machu Picchu, no Peru, por exemplo, foi construída no século 15. A descoberta, portanto, muda o que se sabia sobre a história das civilizações antigas amazônicas, que, segundo os dados antigos, teriam vivido como nômades ou em pequenos assentamentos.

Foram identificados cinco grandes assentamentos e dez menores em uma região de 300 km2, cada um densamente preenchido por estruturas residenciais e cerimoniais. Os pesquisadores encontraram evidências de 6 mil montes de terra que teriam sido a base dessas construções. Embora seja difícil estimar as populações, o local abrigava pelo menos 10 mil habitantes, possivelmente até 15 mil ou 30 mil em seu auge. As cidades eram intercaladas por campos agrícolas retangulares e cercadas por terraços nas encostas, onde os habitantes plantavam diferentes itens, como milho, mandioca e batata doce – encontrados em escavações anteriores na região.

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Sensor a laser identificou rede de cidades antigas ligadas por estradas na Amazônia equatoriana — Foto: Antoine Dorison/AP/picture alliance

A área fica à sombra de um vulcão que possibilitou solos ricos para agricultura – mas que também pode ter levado à destruição da sociedade. Estradas largas e retas ligavam as cidades umas às outras, e as ruas corriam entre as casas e os bairros de cada assentamento. As maiores estradas tinham 10 metros de largura e se estendiam por 10 a 20 km. “Estamos falando de urbanismo”, afirma o coautor do estudo Fernando Mejía, arqueólogo da Pontifícia Universidade Católica do Equador.

A tecnologia que facilitou todas essas descobertas se chama Lidar (sigla em inglês para Light Detection And Ranging) e permite que os pesquisadores vejam através da cobertura florestal e reconstruam os antigos locais abaixo dela. Com essa mesma tecnologia, um estudo alemão de 2022, publicado na revista Nature, também encontrou evidências de sociedades na floresta que antecederam à colonização européia em outros lugares da Amazônia, inclusive no Brasil e na Bolívia. Os lugares pertenceram à cultura Casarabe, que se desenvolveu no sudoeste da Amazônia boliviana no período de 500 a 1400 d.C.

Também com a tecnologia do Lidar, pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) encontraram quatro novos sítios arqueológicos com artefatos de cerâmica indígena no município de Anajás, no arquipélago do Marajó, no Pará. Nesse caso, o achado foi possível devido à seca na região do Alto Rio Anajás. Segundo estudos científicos sobre a região, essa área já era habitada a cerca de 3.500 anos por grupos que tinham como principais atividades a caça, a pesca, a coleta e o cultivo da mandioca.

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Artefatos de cerâmica indígena são encontrados no Marajó. — Foto: Helena Lima / Museu Emílio Goeldi

Todos esses resultados derrubam os argumentos de que a Amazônia ocidental era escassamente povoada em tempos pré-hispânicos. Em um comentário divulgado em um dos estudos, o arqueólogo Christopher T. Fisher, professor de antropologia na Universidade Estadual do Colorado, nos Estados Unidos, avaliou que os dados “apontam para populações densas, paisagens geradas pelo homem, centros com arquitetura monumental e uma complexa hierarquia de assentamentos que podem ser indicativos de sociedades de “nível de Estado”, contradizendo percepções anteriores de que as populações da região eram pequenas e de desenvolvimento limitado.

 

Colaboração:

Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site G1, intitulada “Cidades de 2.500 anos são descobertas na Amazônia” , publicada em 12/01/2024.
https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2024/01/12/cidades-de-2500-anos-sao-descobertas-na-amazonia.ghtml

Matéria no site G1, intitulada “Após seca, pesquisadores encontram quatro sítios arqueológicos com cerâmicas indígenas no Marajó, no Pará” , publicada em 15/01/2024. https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2024/01/15/pesquisadores-encontram-quatro-sitios-arqueologicos-com-ceramicas-indigenas-no-marajo-no-para.ghtml

Matéria no site G1, intitulada “Pesquisa descobre ‘cidades’ da era pré-colonial na Amazônia com pirâmides de até 22 metros de altura”, publicada em 26/05/22. https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2022/05/26/pesquisa-descobre-cidades-da-era-pre-colonial-na-amazonia-com-piramides-de-ate-22-metros-de-altura.ghtml

 

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