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Bactéria que vive no nariz humano é esperança para novos antibióticos

Bactérias inofensivas para humanos produzem antibiótico que reduz contaminações prejudiciais

 

Resumo

A maioria das infecções bacterianas sistêmicas são causadas por patógenos que colonizam as superfícies do corpo humano. Uma das bactérias patogênicas mais importantes é a Staphylococcus aureus, mas os mecanismos de colonização dela são ainda desconhecidos. Sabe-se que microrganismos no solo competem por nutrientes e é nessa competição que evoluiu a produção de antibióticos. No entanto, nenhum processo semelhante a esse descrito para a bactérias de solo havia sido descrito para a microbiota do corpo humano. Neste artigo é demonstrado que a bactéria Staphylococcus lugdunensis produz lugdunina, um antibiótico peptídico que inibe a colonização da S. aureus. Lugdunina demonstrou propriedade bactericida contra vários patógenos, sendo efetiva em modelos animais. Sendo assim, os autores dizem que esse composto poderia ser usado para prevenir infecções por S. aureus e que a microbiota do corpo humano deveria ser considerada como uma fonte para a descoberta de novos antibióticos.

 

Introdução

Infecções causadas por bactérias resistentes a antibióticos têm aumentado consideravelmente nos últimos anos e, na próxima década, espera-se que esses micro-organismos sejam uma causa de morte humana mais frequente do que o câncer. Ainda que a introdução de novos antibióticos seja urgente, existem pouquíssimos compostos em desenvolvimento, sendo que a maioria tem sua estrutura química relacionada a antibióticos já conhecidos.

Como os antibióticos disponíveis estão perdendo sua eficácia, é importante limitar a disseminação das bactérias resistentes que, em contrapartida, está cada vez mais frequente e de difícil controle. A forte pressão na seleção natural exercida por antibióticos usados pelas pessoas e na agropecuária levam à presença assintomática e geralmente não reconhecida de organismos resistentes na microbiota do próprio ser humano. Notavelmente, a maioria das infecções sistêmicas são causadas por microrganismos da microbiota humana, e pessoas que são colonizadas por bactérias resistentes estão expostas a um alto risco de infecções que são de difícil tratamento.

A bactéria S. aureus pode ser encontrada dentro do nariz de aproximadamente 30% da população. Embora o tratamento com um antibiótico chamado mupirocina reduz a predisposição a infecções causadas por ela, a resistência a esse antibiótico, a qual demanda um período de tratamento que prolonga a internação de pacientes hospitalizados, vem aumentado nos últimos anos. Sendo assim, não é necessária apenas a descoberta de novos antibióticos, mas também a implantação de tratamentos de indivíduos colonizados por bactérias resistentes.

Existem poucos estudos sobre como a microbiota humana se adapta, compete e se dissemina. Mas como a pele e as vias aéreas respiratórias são ambientes pobres em nutrientes para a comunidade microbiana, bactérias que vivem nessas regiões do corpo humano produzem antibióticos capazes de inibir o crescimento de outras espécies. Estudos recentes detectaram vários genes relacionados à produção de antibióticos na microbiota humana, inclusive um novo composto foi detectado. No entanto, os papéis destes compostos ativos na formação da microbiota humana ainda são desconhecidos.

 

Atividade bactericida de comensal nasal 

Foram feitos testes de inibição do crescimento do patógeno S. aureus contra várias outras bactérias isoladas do nariz de pessoas. A maioria das bactérias não conseguiu inibir o crescimento do patógeno. Porém, uma linhagem chamada S. lugdunensis teve atividade bem pronunciada quando inoculada em meio de cultura sólido, contendo ágar e com baixa concentração de ferro (Figura 1).

Sendo assim, foram feitas mutações em S. lugdunensis até encontrarem o mutante que não era capaz de inibir o patógeno S. aureus. Análises genéticas foram feitas nesse mutante para detectar em qual conjunto de genes estava essa mutação. Sendo assim, foi possível identificar qual conjunto de genes estava relacionado com a produção do composto que inibe o crescimento do patógeno. Análises de bioinformática foram capazes de prever que o antibiótico produzido era peptídico e que ele tinha baixa semelhança com os compostos já descritos na literatura científica, podendo corresponder a um composto inédito.

Figura 1) Ensaio de inibição de S. lugdunensis IVK28 contra S. aureus (esquerda) e o mutante que não é capaz de produzir lugdunina contra S. aureus (direita). É possível observar que não há crescimento do patógeno S. aureus ao redor da colônia de S. lugdunensis no teste à esquerda. Imagem: modificada de Zipperer et al., 2016

 

Lugdunina, um novo antibiótico peptídico

Um cultivo de S. lugdunensis foi realizado, extraído com etanol e o extrato purificado. A massa molecular do composto foi verificada e, de fato, não correspondia a nenhum outro já descrito. No entanto, antes de fazerem mais ensaios para verificar a estrutura química e para realizar testes biológicos, era necessária a obtenção de uma maior quantidade desse composto. Como a bactéria só produzia o antibiótico em condições muito específicas foram necessárias manipulações genéticas para induzir S. lugdunensis a produzir maiores quantidades do composto de interesse. Assim, após o cultivo e purificação, a estrutura inédita do composto foi determinada por análises químicas e recebeu o nome de lugdunina. Lugdunina é, de fato, um composto peptídico, porém possui modificações na sua estrutura as quais conferem sua atividade bactericida.

Figura 2) Estrutura da lugdunina. Imagem: modificada de Zipperer et al., 2016.

 

Atividade contra patógenos humanos

Mesmo em baixas concentrações o composto lugdunina apresentou atividade contra vários patógenos humanos. Ainda, lugdunina não se mostrou tóxica às células do sangue (neutrófilos eritrócitos). A investigação do mecanismo de ação sugere-se que lugdunina pode levar a um rápido colapso dos recursos energéticos bacterianos. Além disso, foram feitos testes para ver se havia possibilidade de evolução de resistência a esse composto. Após 30 dias não foi verificada resistência em S. aureus quando expostos a lugdunina, enquanto resistência foi verificada em apenas poucos dias quando expostos a rifampicina, um antibiótico que é utilizado atualmente na clínica.

Foram feitos também testes em ratos, simulando infecções que acontecem em humanos. Os resultados mostraram que o tratamento com lugdunina era capaz de reduzir ou até mesmo erradicar a presença de S. aureus na superfície e nas camadas mais profundas da pele. As bactérias destes animais foram analisadas após o tratamento com lugdunina e não havia evidências de evolução de resistência.

 

S. aureus perde a competição quando há produção de lugdunina

Existem trabalhos publicados na literatura que reportam a descoberta de antibióticos por bactérias da microbiota humana, no entanto, o papel destes compostos na comunidade microbiana é pouco estudado. Sendo assim, foram feitas comparações entre a linhagem de S. lugdunensis capaz de produzir lugdunina e o mutante que não produz. As duas linhagens de S. lugdunensis foram inoculadas juntamente com o patógeno S. aureus e, após três dias, os resultados foram verificados. A linhagem que produzia lugdunina foi capaz de inibir completamente o crescimento do patógeno, enquanto a linhagem que não produzia lugdunina não foi capaz de inibir. Além disso, nesse segundo teste, o patógeno foi capaz de crescer por cima do mutante de S. lugdunensis que não produzia lugdunina.

 

Conclusões

A utilização de lugdunina ou de S. lugdunensis capaz de produzir lugdunina pode prevenir a colonização por S. aureus e infecções em pacientes de alto risco. Lugdunina é um composto inédito, produzido por uma bactéria isolada do nariz de pessoas, que possui uma estrutura bem diferenciada de outras reportadas na literatura. Além disso, possui atividade bactericida contra vários patógenos humanos e apresenta baixo risco de evoluir resistência. Dessa forma, esse estudo demonstra que a microbiota humana pode ser uma nova fonte de exploração na busca por novos antibióticos e saúde humana.

 

Pesquisa ao seu alcance: Taise T. H. Fukuda

sobre a autora

Artigo original

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Human commensals producing a novel antibiotic impair pathogen colonization”, publicado pela revista Nature em julho de 2016, de autoria de A. Zipperer, M. Konnerth, C. Laux, e colaboradores. O artigo original pode ser acessado em https://www.nature.com/articles/nature18634

(Editoração: Fernando Mecca, Gabriela Duarte e Caio Oliveira) 

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