A luta das mulheres dentro do âmbito da educação é muito antiga e, apesar de muitas vitórias, alguns obstáculos persistem até hoje. Somente em meados do século XIX as brasileiras puderam participar do sistema educacional, ainda que de forma superficial. As primeiras escolas destinadas às mulheres eram particulares, portanto, somente meninas de famílias com maior poder aquisitivo tinham acesso. O ingresso feminino em escolas públicas aconteceu após a fundação da Escola Normal, em 1880, no Rio de Janeiro. As professoras formadas por essa escola, geralmente filhas dos fazendeiros, passaram a ensinar instrução primária (atualmente chamado de Anos Iniciais do Ensino Fundamental) para outras meninas das camadas populares. Hoje esse cenário dificultoso de ingresso e permanência na educação básica foi quase totalmente revertido, mas seus reflexos ainda são observados nas dificuldades enfrentadas por mulheres que optam por seguir a carreira acadêmica.
Sabe-se que a participação feminina na pós-graduação brasileira vem aumentando ao longo dos anos. Entretanto, entre docentes e pesquisadoras CNPq, por exemplo, elas ainda são a minoria (em torno de 35%), mostrando uma real dificuldade no ingresso e permanência de mulheres nessa área. Podemos ressaltar que, em 2015, de todos os financiamentos CNPq encerrados de todas grandes áreas e subáreas, os homens enviaram 6379 projetos, enquanto mulheres enviaram apenas 3822. Em relação às aprovações, as mulheres tiveram 39% de projetos aceitos, enquanto que homens, 46%. Acredita-se que essas diferenças ocorram por falta de representatividade, “micro-agressões”, e falta de reconhecimento dentro dos grupos de trabalho.
As diferenças no planejamento de carreira entre homens e mulheres também devem ser levadas em consideração. No caso das mulheres de praticamente todas as áreas, esse plano é fortemente influenciado por diversos aspectos sociais, como a constituição familiar e o papel social dessas mulheres, que muitas vezes desempenham múltiplas tarefas diárias. No mercado de trabalho, as mães têm 79% menos chances de serem contratadas, e são oferecidos a elas 11 mil dólares a menos do que para mulheres sem filhos. Além disso, muitas dessas mães são únicas cuidadoras, trazendo assim uma grande dificuldade na conciliação com o trabalho e seus prazos.
Na carreira científica esse cenário também ocorre, e, mesmo que com variações, essa percepção se dá em todas as áreas. Após o nascimento do filho, há uma queda na produtividade de aproximadamente 4 anos na carreira de cientistas mulheres. Entre as alunas de pós-graduação com média de 29 anos, 71% possuem um filho, 25% possuem dois filhos, e 3,8%, três filhos. Há relatos mostrando que essas cientistas ainda sofrem problemas de aceitação dentro das instituições e dos próprios grupos de pesquisa, sendo que 53% delas não tiveram suporte do orientador e 16% não tiveram nenhum apoio durante a gravidez.
Em relação às bolsas de estudo, que são os salários dos pesquisadores, também há obstáculos a serem superados. Em 2006, o CNPq lançou um termo de outorga que exigia que as mulheres bolsistas deveriam notificar a agência de fomento em caso de gravidez, e então sua bolsa era cancelada. Uma vitória foi alcançada em 2010, quando o CNPq e a CAPES passaram a aceitar extensão da bolsa por quatro meses como licença maternidade. Essa mesma política também foi reconhecida posteriormente pela FAPESP. Entretanto é preciso que as licenças também incorporem outras demandas, tais como auxílio creche, auxílio família, e programas de mobilidade.
Por mais que o Brasil ainda seja carente de políticas eficazes, o país parece estar despontando no assunto. No Reino Unido e países nórdicos, há financiamento privado cobrindo maior tempo de licença, porém com diminuição de salários durante esse período, e nos EUA ainda não existe legislação para as licenças maternidade/paternidade. Na Alemanha, apesar das muitas políticas de suporte à maternidade e paternidade, culturalmente a mãe que tem filhos e sai para trabalhar ainda não é bem vista, e há descrédito da competência feminina, principalmente na áreas de exatas.
Todas essas questões trazem questionamentos acerca da igualdade entre os gêneros dentro da academia e dos direitos às mulheres que escolhem ser mães durante a pós-graduação e a carreira científica. Com diferentes ações, debates e conscientização de toda a população, as conquistas poderão ser plenamente aplicados, e a carreira acadêmica das mulheres poderá vencer os obstáculos e se consolidar dentro das universidades e centros de pesquisas.
Ainda são necessárias políticas públicas que abranjam todas as mulheres. As formas de inclusão vão desde abertura de editais para mulheres que forem mães; manuais para boa conduta de entrevistadores de emprego ou processos seletivos, evitando o viés implícito; a igualdade nos convites entre homens e mulheres para apresentações e debates em eventos científicos, até a abertura de espaços para crianças nesses eventos. Assim, a representatividade feminina em todos os âmbitos e cargos científicos poderão ser de fato vivenciados, assim como a igualdade de gênero e justiça na carreira acadêmica.
Além das políticas públicas, uma outra forma de avançar na representatividade das mulheres dentro das universidades é a criação de grupos diálogo e discussões a respeito do lugar da mulher na ciência. Na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), um grupo de pesquisadoras criou o Grupo de Trabalho Mulheres na Ciência, focado no planejamento de carreira, igualdade de gênero na Academia e direitos femininos durante a maternidade e maternagem. O grupo busca reunir mulheres, mães, tentantes ou não, para conversar e discutir esses assuntos, trazendo argumentos sólidos baseados em vivências, evidências científicas e experiências. Buscando ações concretas, há a produção de material para divulgação científica, para não só levantar essa problemática, mas também incitar a reflexão sobre o papel social da mulher na ciência e educação. Assim, o Mulheres na Ciência faz participação de eventos estudantis e congressos para expandir o debate e iniciar uma discussão global também por meio de redes sociais.
Autoria do projeto: Luana Nayara Gallego Adami, Monica Levy Andersen, Susanny Vercellino Tassini, Catarina Helena Cortada Barbieri, Helena Hachul de Campos, Ricardo Pimenta Bertolla.
Imagem: Projeto Mulheres na Ciência
Ciência et al: Luana Nayara Gallego Adami sobre a autora
Susanny Vercellino Tassini sobre a autora
Monica Levy Andersen sobre a autora
Fontes consultadas:
Anais do evento II Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência – Porto Alegre 2019
(Editoração: Viviane Santana, Eduardo Borges, André Pessoni e Caio Oliveira)