Aptidão cardiorrespiratória e a síndrome metabólica: papel de inflamação e da obesidade abdominal
Resumo
A síndrome metabólica é fortemente associada à presença de diabetes mellitus tipo 2 e doenças cardiovasculares. O presente estudo testou a hipótese de que um alto nível de aptidão cardiorrespiratória, medido em um exame em bicicleta ergométrica, evita o acúmulo de gordura visceral, o que leva à diminuição da inflamação e reduz os fatores de risco para síndrome metabólica. Os voluntários realizaram um teste de condicionamento físico, coleta de sangue e responderam um questionário sobre hábitos de vida. A aptidão cardiorrespiratória foi associada de forma inversa ou direta com diferentes biomarcadores pró-inflamatórios, e essa relação pode ser parcialmente explicada pela obesidade abdominal. Além disso, os níveis mais altos de aptidão física foram associados aos valores mais baixos da síndrome metabólica, e essa relação pode ser explicada pelos biomarcadores pró-inflamatórios. Os dados sugerem que a aptidão cardiorrespiratória tem efeitos anti-inflamatórios que são parcialmente explicados por uma redução na obesidade abdominal e uma diminuição no perfil de risco da síndrome metabólica.
Introdução
A inatividade física é considerada o quarto principal fator de risco de morte, sendo a causa de 6% da taxa de mortalidade. Ela está intimamente relacionada ao acúmulo de gordura visceral e, por conseguinte, à elevação dos níveis de citocinas pró-inflamatórias produzidos pelos próprios adipócitos. Portanto, essa gordura acumulada na região intra-abdominal implica em uma inflamação sistêmica crônica que é considerada um fator central e um elo molecular entre os componentes da síndrome metabólica e as doenças cardiovasculares. Essa conexão explica a ligação entre síndrome metabólica e diabetes mellitus tipo 2, e desta com resistência à insulina. Assim como na obesidade central, a síndrome metabólica também é acompanhada por uma inflamação sistêmica crônica de baixo grau caracterizada pelo aumento dos níveis circulantes no corpo de citocinas pró-inflamatórias.
Essa inflamação de baixo grau reflete a circulação de biomarcadores pró-inflamatórios como proteína C-Reativa, interleucina (IL), TNF-α entre outros, e prediz o risco de mortalidade em populações de meia-idade. No entanto, uma resposta anti-inflamatória reguladora pode inibir a produção ou sinalização das citocinas pró-inflamatórias. É sabido que a atividade física regular tem efeitos benéficos em fatores da síndrome metabólica, que reduz o risco de doenças cardiovasculares e diabetes mellitus tipo 2. Considerando que os efeitos anti-inflamatórios da atividade física desempenham um papel de proteção da saúde metabólica e que a aptidão cardiorrespiratória é determinada parcialmente pela genética, mas que em parte a quantidade de atividade física pode melhorar o nível de condicionamento físico, as hipóteses apresentadas neste estudo foram de que altos níveis de aptidão cardiorrespiratória impedem o acúmulo de obesidade abdominal inibindo a rede de vias pró-inflamatórias, e que o efeito anti-inflamatório da aptidão cardiorrespiratória inibe o desenvolvimento da síndrome metabólica. O objetivo deste estudo foi testar essas hipóteses em um grupo de indivíduos de meia-idade com um perfil detalhado de biomarcadores pró-inflamatórios.
Metodologia
Participaram deste estudo, 1.293 indivíduos (homens e mulheres) dinamarqueses, com idade entre 49 e 52 anos. Os voluntários realizaram um teste de aptidão e nível de condicionamento físico segundo protocolo pré-estabelecido na literatura científica utilizando uma bicicleta ergométrica. Foram medidos e calculados os índices antropométricos de obesidade central como circunferência da cintura, relação cintura/quadril, relação cintura/estatura e índice de massa corporal, bem como o percentil de gordura da composição corporal. Foi aferida a pressão arterial e realizada uma coleta de amostras sangue para análises dos níveis de hemoglobina A1c (Hb A1c), HDL, triglicerídeos, citocinas pró-inflamatórias (IL-6, IL-8, TNF-α, IL-1β, IFN-γ e IL-10), proteína C-Reativa e carga inflamatória (pontuação para cada biomarcador pró-inflamatório de acordo com o valor alto ou baixo). Em adição, responderam questionários validados sobre tabagismo e consumo de álcool, eventos inflamatórios agudos e classe social ocupacional. A síndrome metabólica foi caracterizada por circunferência da cintura elevada (≥ 102 cm para homens e ≥ 88 cm para mulheres), dislipidemia (triglicerídeos ≥ 1,7mmol/L para homens ou mulheres, ou HDL < 1 mmol/L para homens e < 1,3 mmol/L para mulheres), pressão arterial ≥ 130/85 mmHg e resistência à insulina (Hb A1c ≥ 5,6%). Para explicar a possível associação entre as variáveis foram utilizados modelos de regressão linear na análise estatística ajustados para variáveis modificadoras de efeitos: idade, sexo, tabagismo, consumo de álcool, status socioeconômico e eventos inflamatórios agudos.
Resultados & Discussão
Neste estudo, os níveis mais altos de aptidão cardiorrespiratória foram associados as menores medidas de obesidade abdominal, especificamente à circunferência da cintura, relação cintura/estatura e percentil de gordura do tronco. Também foi encontrada associação inversa entre a aptidão cardiorrespiratória e os níveis de proteína C-Reativa, IL-6, IL-18, além da associação direta entre a aptidão cardiorrespiratória e níveis de IL-10. Quando os diferentes marcadores de obesidade abdominal (circunferências da cintura, relação cintura/estatura, relação cintura/quadril e percentil de gordura no tronco) foram adicionados ao modelo de regressão linear utilizado no cálculo estatístico, a estimativa da inflamação diminuiu, o que indica que a obesidade abdominal contribui para o quadro inflamatório. Além disso, um nível mais alto de aptidão física foi associado a um valor mais baixo da síndrome metabólica, bem como a um nível benéfico de todos os fatores individuais da síndrome metabólica (triglicerídeos, HDL, HbA1c, pressão arterial sistólica e diastólica). Uma inflamação de baixo grau poderia explicar parcialmente essas associações. O impacto da inflamação foi mais forte quando a Proteína C-Reativa ou IL-6 foram usadas como biomarcadores da inflamação sistêmica.
Conclusão
Os resultados sugerem que o efeito benéfico da atividade física na saúde metabólica pode estar relacionado a um efeito anti-inflamatório da aptidão cardiorrespiratória, devido à redução na obesidade abdominal. Esses achados corroboram com a hipótese de que um nível alto de condicionamento físico promove saúde, prevenindo a obesidade abdominal e a inflamação sistêmica, o que reduz o risco da síndrome metabólica e, portanto, o risco de desenvolver doenças cardiovasculares e diabetes mellitus tipo 2.
Pesquisa ao seu alcance: Gislaine Satyko Kogure
Artigo original
O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Cardiorespiratory fitness and the metabolic syndrome: Roles of inflammation and abdominal obesity”, publicado pela revista Plos One em março de 2018, de autoria de Wedell-Neergaard, A.; Krogh-Madsen, R.; Petersen, G. e colaboradores. O artigo original pode ser acessado em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29590212.
(Editoração: Fernando Mecca, Gabriela Duarte e Caio Oliveira)