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Estudo apresenta uma bactéria gigante que não se encaixa nos critérios pré-estabelecidos do conceito de bactéria, indicando que a linhagem de Thiomargarita ganhou complexidade ao longo de processos evolutivos
Bacteria e Archaea são os domínios que agrupam os organismos pertencentes ao antigo reino monera. Esses seres vivos compartilham algumas características. Os organismos pertencentes a esse domínio são procariontes, ou seja, seu material genético não é envolto por uma membrana, organizando-o, como acontece nos organismos eucariontes. Além disso, eles são organismos microscópicos e não podem ser vistos a olho nu, apenas com o auxílio de microscópios. No entanto, um estudo publicado na bioRxiv em meados de fevereiro mostra uma incrível bactéria que desafia esses conceitos. O estudo é um pré-print e ainda não foi revisado por pares.
Antes da recente descoberta da Thiomargarita magnifica, que pode chegar até 2 cm, só haviam sido identificadas algumas bactérias gigantes do gênero Thiomargarita com até 0,075 cm. Portanto, essa nova espécie é cerca de 50 vezes maior que as demais bactérias gigantes conhecidas. Para determinar o tamanho das células bacterianas, foram feitas diversas análises de microscopia, as quais demonstraram que os filamentos bacterianos eram compostos por uma única célula e que no seu ápice haviam brotos de células filhas que variavam de tamanho, ficando menores no ápice. Além disso, foram identificados vacúolos e grânulos de enxofre característicos de outras Bactérias Gigantes do Enxofre (LSB, sigla em inglês), como a bactéria em questão no estudo.
Ainda, foram identificadas no citoplasma de T. magnifica regiões densas semelhantes a outros LSB. O grupo hipotetizou que algumas dessas regiões densas dentro do citoplasma, distintas dos grandes grânulos de enxofre, podem conter material genômico disperso. É comum observar poliploidia (conjunto cromossômico de mais de dois conjuntos de cromossomos) em bactérias gigantes como essa, então, quando os autores observaram essas regiões densas diferenciadas, eles hipotetizaram que seria devido a presença de material genético. Isso foi confirmado por técnicas de coloração, onde foi observado que o DNA de T. magnifica se concentra em grânulos ligados à membrana, e não se espalham por todo o citoplasma, como é comum em bactérias. Esses grânulos contendo DNA também abrigam ribossomos (organelas citoplasmáticas envolvidas na síntese de proteínas), compartimentalizando-os. Esta compartimentalização de DNA e ribossomos apresenta semelhança com aquela vista em eucariotos e representa uma nova estrutura celular dentro das bactérias. Essas bactérias são organismos poliplóides e aparentemente transmitem apenas um subconjunto de seus genomas, a serem chamados de “genomas de linha germinativa”, para a prole, ou seja, para os brotos no ápice das células. Esse tipo de ciclo celular já foi observado em outras bactérias do enxofre.
Colocada em inglês, a hipótese de restrição de difusão afirma essencialmente: “Se uma célula deseja mover algo por uma longa distância, ela precisa realizar trabalho”. Essa hipótese explica a restrição de bactérias e arqueas a tamanhos microscópicos, uma vez que o tanto de trabalho que a célula precisa fazer está diretamente relacionada ao seu tamanho. Ou seja, células mais complexas geralmente realizam mais trabalho. Assim, era suposto que bactérias com grandes tamanhos fossem impossíveis, já que é necessário considerar a taxa de difusão de nutrientes, ou seja, o trabalho necessário para a movimentação dos nutrientes pela célula. Dessa forma, a taxa de difusão de nutrientes seria inviável para células bacterianas tão grandes.
Os autores explicam que suas medições mostram que T. magnifica tem um volume de citoplasma de três ordens de grandeza acima do limite máximo previsto. Isso pode ser explicado pelo fato de T. magnifica possuir 20 mudanças na organização espacial dos componentes celulares e rearranjos do sistema de membrana bioenergética, o que pode permitir que algumas bactérias superem muitas limitações.
Os autores concluem que a origem da complexidade biológica nos seres vivos está entre as questões mais importantes, ainda sem resposta, da biologia. E enfatizaram que, embora a maioria das bactérias sejam consideradas pequenas e simples, algumas desenvolveram inovações complexas, como microcompartimentos bacterianos, que são funcionalmente diversos e são encontrados em pelo menos 23 filos. Devido a seu tamanho de célula gigante, seu grande genoma, seu ciclo de vida, e sua compartimentação de material genético, T. magnifica passa a compor a lista de bactérias evoluídas que têm um nível mais alto de complexidade. É a primeira e única bactéria conhecida até hoje que segrega seu material genético de forma semelhante aos eucariotos, desafiando o conceito de célula bacteriana.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Artigo científico em pré-print intitulado “A centimeter-long bacterium with DNA compartmentalized in membrane-bound organelles”, publicado no bioRxiv em 2022, de autoria de Volland e colaboradores. https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2022.02.16.480423v1.abstract
Matéria no site BigThink, intitulada “‘Impossibly big’ bacteria rattle the field of microbiology”, publicada em 06/03/2022. https://bigthink.com/life/impossible-big-bacteria/
Matéria no site Science, intitulada “Largest bacterium ever discovered has an unexpectedly complex cell”, publicada em 23/02/2022. https://www.science.org/content/article/largest-bacterium-ever-discovered-has-unexpectedly-complex-cells