Resultado foi destaque na 23ª Conferência Internacional sobre AIDS, mas críticas indicam um longo caminho até resultados conclusivos.
A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) afeta 38 milhões de pessoas no mundo e a busca por sua cura desafia a ciência há décadas. Nesta semana, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) anunciaram um caminho promissor para eliminar a infecção. Segundo a equipe de cientistas, há 17 meses o vírus não é detectado em exames de um paciente portador de HIV há no mínimo sete anos e identificado como “paciente de São Paulo”.
A não detecção do microorganismo em exames de alta precisão foi acompanhada pela queda progressiva da quantidade de anticorpos contra o HIV no corpo do paciente. Anticorpos são moléculas do sistema imunológico que atuam no combate a elementos invasores, como vírus e bactérias, e são específicos para cada tipo de agente invasor. A redução progressiva na quantidade dessas moléculas pode indicar que o agente não está mais presente no organismo.
Célula humana infectada por HIV. Imagem: Flickr/NIH Image Gallery/Reprodução: Galileu.
O paciente de São Paulo começou a participar da pesquisa em 2015 e integrou um grupo de 30 voluntários que tinham carga viral indetectável e faziam uso do tratamento padrão para a AIDS: o coquetel de três antirretrovirais vigente no início do estudo. Os 30 voluntários foram divididos em seis grupos e cada grupo foi submetido a diferentes combinações de medicamentos, incluindo substâncias que forçam vírus latentes (escondidos) a se manifestarem.
O paciente foi tratado com uma combinação do coquetel, dois antirretrovirais adicionais (dolutegravir e maraviroc) e nicotinamida, uma das formas da vitamina B3 que força a manifestação viral. Depois de 48 semanas de tratamento múltiplo, os cinco pacientes deste grupo voltaram a ser tratados apenas com o coquetel por três anos. Na etapa seguinte do estudo, os cinco pacientes suspenderam o uso de todos os medicamentos. O vírus voltou a ser detectado em quatro deles, mas desde março de 2019 o paciente de São Paulo não teve registros da presença do HIV em seu organismo, como indicado por análise sanguínea.
Imagem: Agência AIDS.
Apesar dos resultados promissores, a equipe de cientistas responsável pelo estudo, bem como outros membros da comunidade científica, chama a atenção para a possibilidade de que o vírus ainda volte a ser detectado futuramente. Outros estudos já indicaram o retorno do vírus mais de dois anos depois de um registro potencial de cura. Também é preciso ampliar a análise de presença do vírus após a interrupção do tratamento, investigando células de linfonodos e do intestino do paciente de São Paulo.
As críticas passam ainda pela ausência do efeito em múltiplos pacientes, já que 80% do grupo submetido ao tratamento apresentaram rápido retorno da carga viral. Esse cenário dificulta a compreensão de fatores que podem afetar o sucesso das medidas adotadas. Um dos fatores de interesse é o intervalo de tempo entre a infecção por HIV e o início do tratamento com antirretrovirais.
Vírus HIV, causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Imagem: AIDSource/NIH.
Atualmente apenas duas pessoas são consideradas curadas da infecção: o homem conhecido como “paciente de Londres” e Timothy Ray Brown, também chamado de “paciente de Berlim”. Nos dois casos, a cura foi consequência de um transplante de medula óssea durante tratamento contra o câncer. Com a nova medula, um novo sistema imunológico foi desenvolvido. A prática é cara e com vários efeitos colaterais e, por isso, não constitui uma cura viável para os milhões de portadores de HIV.
News: Luanne Caires
Fontes:
23ª Conferência Internacional sobre AIDS (AIDS 2020)
https://www.youtube.com/channel/UCBBhpWA2uqSzk2lfFig-7JQ
An intriguing—but far from proven—HIV cure in the ‘São Paulo Patient’ (Science)
https://www.sciencemag.org/news/2020/07/intriguing-far-proven-hiv-cure-s-o-paulo-patient
HIV resurfaces in ‘Mississippi baby’ many presumed cured (Science)
https://www.sciencemag.org/news/2014/07/hiv-resurfaces-mississippi-baby-many-presumed-cured
Muito próximo da cura (Universidade Federal de São Paulo)
https://www.unifesp.br/edicao-atual-entreteses/item/3574-muito-proximo-da-cura
Médicos brasileiros anunciam paciente que está há 17 meses sem vírus HIV (Revista Galileu)
(Editoração: André Pessoni)