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Tratamento de câncer com células imunes modificadas (CAR-T cells) é efetivo à longo prazo

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)

Dez anos depois que dois pacientes com um tipo de leucemia receberam um novo tipo de imunoterapia envolvendo células imunes, chamadas células CAR-T, as células ainda estão detectáveis no corpo dos pacientes e seu câncer ainda está em remissão.

Em 2010, dois pacientes com um tipo de câncer do sangue, a leucemia linfocítica crônica, receberam uma imunoterapia experimental, baseada na reprogramação de células imunes. A terapia funcionou e seus cânceres entraram em remissão. Uma década depois, as células imunes de combate ao câncer usadas na terapia ainda estavam presentes, um sinal de que o tratamento pode ser duradouro. O caso foi relatado por pesquisadores em um trabalho publicado no dia 2 de fevereiro na revista Nature.

A imunoterapia com células CAR-T (sigla do inglês Chimeric Antigen Receptor – T cells, ou Receptor de Antígeno Quimérico) usa células imunes dos próprios pacientes modificadas para rastrear e matar células cancerígenas. Mais especificamente, os linfócitos T são reprogramados para reconhecer antígenos associados a tumores, como por exemplo o antígeno CD-19, uma molécula da superfície celular de linfócitos B. A escolha desse antígeno como marcador se dá porque a leucemia linfocítica crônica é caracterizada pelo acúmulo progressivo de linfócitos B malignos maduros. A técnica tem demonstrado potencial para o tratamento de diversos tipos de câncer nos últimos anos, principalmente de leucemias. No entanto, pouco ainda se sabe sobre o potencial de longo prazo e a estabilidade clonal das células infundidas.

câncer
Etapas do processo de coleta e modificação das células CAR-T e seus mecanismos de atuação. Adaptado de Jornal da USP (jornal.usp.br/wp-content/uploads/2019/10/infografia)

No trabalho em questão, os pesquisadores puderam observar os efeitos de longa duração das células CAR-T anti-CD19 em dois pacientes com leucemia linfocítica crônica que haviam, após tratamento, atingido remissão em 2010. As células CAR-T permaneceram detectáveis mais de dez anos após a infusão, com remissão sustentada em ambos os pacientes. Além disso, uma população de células T CD4+ altamente ativada surgiu em ambos os pacientes, dominando a população de células CAR-T nos momentos posteriores. Essa transição se refletiu na estabilização da composição clonal das células CAR-T com um repertório dominado por um pequeno número de clones. As células CD4+ atuam ativando e estimulando outros linfócitos a se multiplicarem e atacarem antígenos, portanto coordenam a resposta imune. Assim, as análises demonstraram que essas células CAR-T CD4+ de longa duração exibiram características citotóxicas, ou seja, ativas contra células cancerígenas, juntamente com as funções de ativação e proliferação funcionais contínuas. 

Portanto, a identificação e caracterização dessas populações de células CAR-T fornecem novas informações sobre as características das células associadas à sua resposta anticâncer e remissão de longo prazo na leucemia. Com base nos resultados, o imunologista de câncer e coautor do estudo Carl June, da Universidade da Pensilvânia afirma que “agora podemos concluir que as células CAR-T podem realmente curar pacientes com leucemia”.

A imunoterapia com células CAR-T foi liberada pelo FDA (Food and Drug Administration) para uso comercial nos EUA em 2018 e também rendeu aos seus pesquisadores o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina no mesmo ano. Em 2019, foi aplicada pela primeira vez na América Latina, por pesquisadores da USP no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, em um paciente com um linfoma grave. O paciente, Vamberto Luiz de Castro na época com 64 anos, era portador de um linfoma não Hodgkins avançado e já havia sido submetido a quatro linhas de tratamento prévias, sem sucesso. Após o tratamento com as células CAR-T, o paciente não apresentou mais sintomas clínicos e nem laboratoriais da doença e recebeu alta após cerca de 30 dias. Os especialistas só não falam em ‘cura’ porque o diagnóstico final só pode ser dado após cinco anos de acompanhamento. Porém, tecnicamente, os exames indicaram a “remissão do câncer”.

Vamberto, que tinha prognóstico de vida de um ano, deixou o hospital livre dos sintomas do câncer, após o tratamento com células CAR-T em 2019, em Ribeirão Preto. Reprodução CCB Med (https://ccb.med.br/uploads/not-2022/not_11_01_22.jpg)

Atualmente, a imunoterapia CAR-T está sendo estudada na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. O Professor Dr. Renato Cunha está à frente da tarefa de desenvolver uma plataforma brasileira de terapia com células CAR-T no âmbito do Centro de Terapia Celular (CTC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sediado na USP. Em 2018, Cunha recebeu o prêmio da Associação Americana de Hematologia (ASH), nos EUA, para desenvolver o estudo da terapia genética no Brasil.

 

Colaboração: Jéssica de Moura Soares sobre a autora

Jéssica de Moura Soares é Bacharel em Biotecnologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestre e agora doutoranda em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Se interessa por iniciativas onde a ciência ajuda a transformar o mundo em um lugar mais sustentável e igualitário. Entusiasta da divulgação científica, acredita que a ciência tem que ser de fácil acesso a todos.

 

Fontes e mais informações sobre o tema:

Matéria no site Science News, intitulada “Genetically engineered immune cells have kept two people cancer-free for a decade”, publicada em 02/02/2022. https://www.sciencenews.org/article/cancer-genetically-engineered-immune-cells-car-t-therapy-remission

Artigo científico intitulado “Decade-long leukaemia remissions with persistence of CD4+ CAR T cells”, publicado na revista Nature em 2022, de autoria de Melenhorst, J.J., Chen, G.M., Wang, M. e colaboradores. https://www.nature.com/articles/s41586-021-04390-6

Matéria no site Jornal da USP, intitulada “Terapia inédita na América Latina devolve futuro a paciente com câncer terminal”, publicada em 10/10/2019. https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/terapia-inedita-na-america-latina-devolve-futuro-a-paciente-com-cancer-terminal/

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