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Uso de uma proteína artificial como vacina contra a leptospirose

Resposta imune a uma proteína artificial derivada da bactéria causadora de leptospirose

 

Resumo

A leptospirose é uma doença disseminada por todo o mundo, causada por bactérias do gênero Leptospira.  Apesar de nociva à saúde humana, ainda não existem medidas de prevenção completamente eficientes contra a contaminação por essas bactérias. O objetivo do presente trabalho foi desenvolver uma proteína artificial derivada de fragmentos da bactéria Leptospira interrogans para avaliar seu potencial como candidata a vacina contra leptospirose. A proteína artificial foi obtida a partir da expressão de um gene construído pelos pesquisadores, com base em cinco regiões de proteínas presentes em L. interrogans. Em seguida, uma solução contendo a proteína artificial foi administrada em hamsters, que posteriormente foram contaminados por leptospiras. Apenas 20% dos animais que não receberam o tratamento sobreviveram à contaminação, sendo que os hamsters que receberam a proteína artificial apresentaram menos bactérias no organismo e uma taxa de sobrevivência de 50-60%. Além disso, a proteína também foi administrada em soluções de pacientes humanos portadores de leptospirose, e foi reconhecida por anticorpos em boa parte desses testes, indicando que a proteína criada possui importante participação na resposta imunológica durante a infecção. O trabalho é importante em demonstrar que a proteína elaborada tem grande potencial para compor uma vacina contra leptospirose, e inspira pesquisas futuras a desenvolverem novas substâncias que aumentarão seu potencial de imunização.

 

Introdução 

A leptospirose é uma zoonose globalmente disseminada, causada por bactérias patogênicas do gênero Leptospira, especialmente pela espécie L. interrogans. Nos humanos, a doença apresenta um quadro amplo de sintomas como febre, dores de cabeça e musculares e enjoos. Em muitos casos, os sintomas podem evoluir para uma complicação generalizada, como falência múltipla de órgãos e problemas respiratórios, podendo levar o paciente a óbito.

Os roedores são os principais carreadores dessas bactérias, uma vez que não manifestam os sintomas de contaminação; condições sanitárias precárias associadas a chuvas propiciam uma maior incidência da doença. As leptospiras são eliminadas pela urina de roedores e também de outros animais infectados, podendo contaminar o ser humano por meio da penetração por cortes, mucosas ou por poros dilatados devido ao contato prolongado com a água.

No Brasil, são relatados pelo Ministério da Saúde cerca de 4 mil casos por ano, com 10% de taxa de mortalidade, sendo esses valores, muito provavelmente, subestimados por conta dos sintomas inespecíficos na fase inicial da doença (confundíveis com outras doenças febris) e da falta de um método diagnóstico eficiente e rápido.

Muitas vacinas veterinárias são vacinas bacterinas, que possuem baixa cobertura e não induzem uma resposta imune duradoura. Até o momento, não existem vacinas contra leptospirose eficientes para uso humano. Uma estratégia atual consiste na vacinologia reversa, pela qual proteínas de interesse são identificadas e avaliadas de acordo com seu potencial para compor uma vacina eficaz, e produzidas por meio de transgênicos.

Durante anos de estudo, algumas proteínas foram estudadas em hamsters (Mesocricetus auratus) e apresentaram propriedades interessantes, porém nenhuma foi capaz de garantir 100% de sobrevivência do modelo animal.

Tendo em vista essa conjuntura, o presente trabalho teve como objetivo criar uma proteína artificial (denominada proteína quimérica), contendo porções de várias proteínas de interesse capazes de desencadear resposta imune, e avaliar seu potencial como vacina contra leptospirose.

 

Material & Métodos 

Para a criação da proteína artificial, as regiões de interesse de cinco proteínas distintas de L. interrogans foram selecionadas com base na presença de vários epítopos. Em seguida, um gene sintético foi montado a partir de cada uma das regiões das proteínas (ver Figura 1). Este gene sintético foi ligado a um plasmídeo de outra bactéria chamada de Escherichia coli, amplamente utilizada em pesquisa, para finalmente expressar a proteína de interesse criada artificialmente. A proteína expressa foi purificada e avaliada quanto sua reatividade com soro de 40 pacientes humanos diagnosticados com leptospirose, para primeiro avaliar seu potencial no diagnóstico da doença e, em seguida, quanto ao seu potencial para compor uma vacina (Figura 1). Para os ensaios de vacina, hamsters, que são suscetíveis à infecção, foram injetados duas vezes com a proteína artificial juntamente com adjuvante, em intervalos de duas semanas. A produção de anticorpos foi monitorada e os animais foram então desafiados com leptospiras virulentas. O rim dos animais sobreviventes foi avaliado quanto à presença das bactérias e comparados com os rins de grupos controle de hamsters que não receberam o tratamento com a proteína artificial.

Figura 1: Esquema simplificado do trabalho. a-b) Um gene sintético foi criado contendo epítopos de 5 proteínas de Leptospira. c-d) O gene foi então ligado (clonado) em um plasmídeo para expressão em E. coli e e) a proteína recombinante foi expressa e purificada. f) Foi avaliado se anticorpos presentes no soro de pacientes diagnosticados com leptospirose, na fase inicial e fase convalescente, seriam capazes de reconhecer a proteína produzida. g) Para avaliação do potencial vacinal, grupos de hamsters foram injetados com a proteína quimérica ou apenas com solução salina, no grupo controle. Posteriormente, os animais receberam uma dose de leptospiras e foram avaliados quanto à sobrevivência. Imagem: Luis Guilherme V. Fernandes

 

Resultados & Discussão

A proteína artificial contendo epítopos de cinco proteínas de Leptospira (rQui) foi expressa em E. coli e purificada com alto grau de pureza. Análises da estrutura da proteína mostraram que ela estava apropriada para os ensaios subsequentes. Quando avaliada quanto ao seu potencial no diagnóstico da doença, a rQui apresentou resultados animadores, uma vez que 63% do total de soros de pacientes na fase convalescente de leptospirose apresentaram anticorpos contra nossa proteína. Interessantemente, 40% dos soros de pacientes na fase inicial da doença (período onde o método diagnóstico atual falha) foram positivos em reconhecer a proteína, mostrando que de fato a rQui poderia ser um alvo interessante para diagnóstico.

Quando hamsters foram imunizados com a proteína e diferentes adjuvantes, foi observado que elevadas concentrações de anticorpos foram produzidas pelos animais, mostrando que rQui provoca resposta imunológica. Então, esses animais imunizados pela proteína e do grupo controle foram injetados com leptospiras e avaliados quanto a presença de sintomas e mortalidade. Foi observado que os animais que não receberam a proteína (grupo controle) apresentaram até 20% de sobrevivência, ao passo que os animais imunizados com rQui apresentaram 50-60% de sobrevivência, com menor quantidade de bactéria nos rins. Esses resultados mostram que nossa proteína é um alvo vacinal interessante, mas talvez possa ser administrada juntamente com outras proteínas para aumentar o potencial protetor.

 

Pesquisa ao seu alcance: Luis Guilherme V. Fernandes

sobre o autor

Artigo original

O texto acima é uma adaptação do artigo “Immune response and protective profile elicited by a multi-epitope chimeric protein derived from Leptospira interrogans“, publicado na revista International Journal of Infectious Diseases, em 2017, de autoria de L.G.V. Fernandes, A.F. Teixeira, A.F.S. Filho, G.O. Souza, S.A. Vasconcellos, M.B. Heinemann, E.C. Romero, A.L.T.O. Nascimento. O artigo original se encontra no seguinte link:  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28161462

(Editoração: Priscila Rothier, Fernando Mecca e Caio Oliveira) 

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