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Cultivo de fragmentos de cérebro humano no laboratório

#Mapa da Ciência (Pessoas por trás das descobertas científicas)

Tecido é empregado no estudo de doenças do sistema nervoso central como Alzheimer e infecções virais

DESTAQUES:
Modelagem de Doenças do Sistema Nervoso Central humano: O Laboratório utiliza fragmentos de cérebro humano obtidos em cirurgias para desenvolver modelos de doenças otimizados para a melhor compreensão de mecanismos e para a testagem de novos compostos capazes de combater os efeitos dessas doenças;

Pesquisas em andamento incluem modelar a esquizofrenia e investigar os efeitos de medicamentos antipsicóticos, além de estudar infecções virais por SARS-CoV2 e Oropouche, analisando como esses vírus afetam diferentes tipos de células cerebrais;

O Laboratório foca também em entender os mecanismos moleculares associados à Doença de Alzheimer, estudando o impacto de agregados de proteínas e respostas pró-inflamatórias na perda de função cerebral associada a essa doença.

O Laboratório de Bioquímica Neural, coordenado pelo Prof. Adriano Sebollela e vinculado ao Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), tem como missão principal desvendar mecanismos moleculares associados a doenças do cérebro humano. Uma das linhas de pesquisa com recente destaque é o cultivo no laboratório de pequenos fragmentos de cérebro humano coletados de cirurgias, visando seu uso como modelo experimental de doenças que afetam nosso cérebro, como Alzheimer, esquizofrenia e até mesmo infecções pelos vírus Oropouche e Sars-CoV-2.

O Laboratório coordenado pelo Prof. Sebollela tem trabalhado em estreita colaboração com a equipe de neurocirurgia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP) para a obtenção de pequenos fragmentos de cérebro humano de adultos, que são obtidos de pacientes submetidos a tratamentos cirúrgicos para retirada de regiões do cérebro com mal funcionamento, como em casos de epilepsia resistente a medicamentos. Esses fragmentos de cérebro removidos seriam normalmente descartados, mas por meio da nossa parceria com o hospital, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do HCFMRP (HCRP 17578/15) esse tecido é coletado e levado para o laboratório, onde é processado para gerar pequenas fatias que são mantidas vivas em uma incubadora no laboratório por vários dias.

Esse tecido é usado como modelo experimental ideal para estudar as respostas do cérebro humano a condições similares as que ocorrem em doenças, como na infecção por vírus, pois preservam a estrutura e as conexões entre as diferentes células que compõem o nosso cérebro, como os neurônios –responsáveis pelo armazenamento e transmissão de informações, e as células gliais, importantes no suporte metabólico e defesa do cérebro. Além disso, a alternativa de aplicação de tecido humano pós-cirúrgico em pesquisa colabora para reduzir o número de animais usados em experimentação biomédica.

Informações mais detalhadas de como produzimos, mantemos e usamos as culturas de fatias de cérebro humano adulto no nosso laboratório podem ser encontradas no nosso vídeo artigo disponível em:

O Laboratório do Prof. Adriano Sebollela tem utilizado esse modelo para entender diversas doenças que afetam nosso cérebro. Em um estudo publicado recentemente (doi: 10.1111/jnc.16059), em colaboração com o grupo liderado pelo Prof. Daniel Martins de Souza (Unicamp), esse modelo foi utilizado para estudar os mecanismos da esquizofrenia, incluindo as alterações cerebrais associadas a antipsicóticos muito utilizados no tratamento dessa doença.

Usando fármacos experimentais, induzimos nas fatias cerebrais cultivadas em laboratório uma condição semelhante à observada em pacientes com esquizofrenia e, então, a reversão dessa condição utilizando os fármacos de uso clínico para essas condições, como haloperidol e clozapina. Os resultados foram obtidos por uma abordagem conhecida como proteômica, na qual são analisados de uma só vez os níveis de milhares de proteínas diferentes em cada amostra.

Além da esquizofrenia, o uso do modelo de fatias de cérebro também vem sendo utilizado para investigar o efeito de infecções por vírus neurotrópicos, isto é, que podem infectar o cérebro humano. Temos estudado diferentes vírus, como o SARS-CoV-2, responsável pela pandemia da COVID-19, e o vírus Oropouche, causador da Febre de Oropouche, e que recentemente vem ganhando destaque devido ao aumento de casos no Brasil (Matéria em O Globo aqui).

Utilizando esse modelo, pesquisadores do Laboratório descobriram que o SARS-CoV-2 infecta preferencialmente um tipo de células do cérebro, chamadas de astrócitos, enquanto o vírus Oropouche infecta preferencialmente outro tipo, as micróglias. Ambos os vírus foram capazes de infectar neurônios também, apesar de em menor intensidade. Como essas células têm composição e funções muito distintas, essas informações auxiliam na compreensão dos mecanismos de dano induzidos por cada vírus e, portanto, no desenvolvimento de estratégias para combater os efeitos neurológicos dessas infecções. Informações mais detalhadas sobre o uso do modelo para estudar a infecção por SARS-CoV-2 e Vírus Oropouche pode ser encontrada no vídeo do nosso laboratório, que recebeu menção honrosa no Prêmio Vídeo PósGraduação USP 2021 (abaixo) e também em artigo publicado por nosso grupo (doi: 10.3389/fnins.2021.674576).

Para estudarmos infecções virais nesse modelo, as fatias cultivadas são incubadas com o tipo viral de interesse, em ambientes especiais compatíveis com o nível de biossegurança de cada vírus. Após 24 ou 48 horas de contato das fatias de cérebro com cada vírus (tempo necessário para que as partículas virais entrem nas células e comecem a replicar), as fatias são lavadas para retirada das partículas que não penetraram nas células e então uma série de análises são realizadas. Entre essas análises, aquelas realizadas em microscópio de fluorescência se destacam, pois assim podemos observar a presença do vírus Oropouche no interior de células em uma fatia incubada com o vírus.

Um esquema de como utilizamos nosso modelo para estudar a infecção pelo vírus Oropouche e uma imagem de microscopia que mostra a detecção de vírus Oropouche está apresentado na Figura a seguir. A partir desses resultados, passa a ser possível investigar as alterações moleculares causadas pelo vírus em cérebro humano adulto, e, portanto, seus efeitos neurológicos.

cérebro
(A) Esquema do modelo de cultura de cérebro humano adulto realizado em nosso laboratório. Em parceria com a equipe de neurocirurgia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, coletamos tecido de cérebro de pacientes submetidos a neurocirurgias. Esse tecido é cortado em fragmentos menores e mantido em cultura em nosso laboratório por até 5 dias. Para estudar infecção viral, algumas fatias são infectadas com vírus e outras não, pois são usadas como controle comparativo. (B) Imagem obtida utilizando um microscópio de fluorescência confocal. Os núcleos das células estão em azul, enquanto em verde vemos proteínas do vírus Oropouche. O verde ao redor do azul indica uma célula de cérebro humano infectada pelo vírus Oropouche. Imagem reproduzida de artigo publicado por nosso grupo (Almeida et al, 2021).

Além de infecções virais, nosso Laboratório investiga também os mecanismos moleculares associados ao efeito de agregados de proteínas que se acumulam no cérebro de pacientes que sofrem com a Doença de Alzheimer. Esses agregados, chamados de oligômeros de beta-amiloide, alteram o funcionamento de alguns neurônios, o que está associado a sintomas clássicos do Alzheimer, como a perda de memória.

Assim, de maneira semelhante ao realizado com os vírus, as fatias de cérebro cultivadas são incubadas com estes oligômeros de beta-amiloide (que produzimos no Laboratório) e uma série de parâmetros são então avaliados, como a ligação desses agregados aos neurônios e outras células cerebrais, e a liberação de substâncias pró-inflamatórias, que também contribuem para a disfunção cerebral em pacientes com a Doença de Alzheimer. Usando esse modelo experimental como plataforma, é possível agora testar novos compostos que sejam capazes de reverter esses efeitos.

 

Colaboradores:

Adriano Silva Sebollela sobre o autor

Adriano Sebollela é bioquímico, professor e cientista. Se interessa por entender como as macromoléculas, em particular as proteínas, se organizam nas células e tecidos para desempenhar suas funções biológicas. E como perturbações nessa organização podem levar a doenças como as amiloidoses.

 

Giovanna Orlovski Nogueira sobre a autora

Giovanna Nogueira é Cientista Biomédica e aluna de doutorado. Tem interesse em neurociência, em especial no funcionamento do cérebro, e procura entender como proteínas específicas se relacionam com doenças que afetam o sistema nervoso central – como a Doença de Alzheimer.

 

Glaucia Maria de Almeida sobre a autora

Glaucia M. Almeida é formada em Ciências Biomédicas e mestra em Bioquímica pela FMRP/USP. Desde a graduação é fascinada por virologia e pelo funcionamento do cérebro humano. Por isso, sua área de pesquisa juntou essas duas coisas: cérebro e vírus! Hoje seus projetos buscam entender os efeitos de uma infecção viral no cérebro humano.

 

Referências:

Artigo científico intitulado “Neural Infection by Oropouche Virus in Adult Human Brain Slices Induces na Inflammatory and Toxic Response”, publicado na revista Frontiers in Neuroscience em 2021 de autoria de Almeida, G.M.; Souza, J. P.; Mendes, N. D.; e colaboradores.

Artigo científico intitulado “NMDA glutamate receptor antagonist MK-801 induces proteome changes in adult human brain slices which are partially counteracted by haloperidol and clozapine”, publicado na revista Journal of Neurochemistry em 2024 de autoria de Almeida, V.; Mendes, N. D.; Zuccoli, G. S.; e colaboradores.

Matéria no O Globo intitulada “Ministério da Saúde alerta para disseminação da febre Oropouche pelo Brasil, com mais de 5 mil casos”, publicada em 16/05/2024. https://www.youtube.com/watch?v=AhYWpuPulKk

Vídeo Ciências Biológicas | Glaucia Maria de Almeida – Prêmio Vídeo PósGraduação USP”, disponível no canal ‘Pró-Reitoria de Pós-Graduação – USP’. https://www.youtube.com/watch?v=t1q6pNJBEdE

 

(Editoração: Fernando F. Mecca e Priscilla Elias)

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