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Nosso cérebro reage diferentemente ao observar corpos de cada sexo

#Pesquisa ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

O sexo de imagens corporais modula estimativas de tamanho e respostas cerebrais lateralizadas na percepção de corpos

Destaques:
– Mulheres tendem a distorcer mais a imagem corporal do que os homens, o que causa insatisfação com o próprio corpo;
– A percepção da imagem corporal é controlada por áreas especializadas do cérebro e, possivelmente, essa é uma função lateralizada do cérebro;
Essa pesquisa avaliou o papel dos dois hemisférios cerebrais, medindo a percepção de tamanho de homens e mulheres, ao observar imagens de corpos dos dois sexos;
– Houve evidência de lateralização cerebral e o sexo dos corpos observados influenciou nos resultados, mas não houve diferença entre voluntários homens e mulheres.


Resumo

Pesquisas sugerem que o hemisfério cerebral direito contribui para distorções da percepção de imagem corporal apenas em mulheres. O objetivo dessa pesquisa foi reproduzir esses resultados e investigar se o sexo do corpo observado influencia o fenômeno de lateralização cerebral. No Experimento 1, os pesquisadores usaram imagens de corpos andróginos e não encontraram nenhuma diferença entre participantes homens e mulheres e entre hemisférios cerebrais. No Experimento 2, as imagens usadas tinham maior dimorfismo sexual. O tamanho dos corpos femininos foi superestimado pelos participantes nos dois hemicampos visuais, mas o tamanho de corpos masculinos foi subestimado no hemicampo visual esquerdo. Não foram encontradas diferenças entre participantes homens e mulheres. Esses resultados sugerem que as diferenças de lateralização cerebral entre homens e mulheres encontradas nos estudos anteriores podem ter sido influenciadas pelo sexo dos corpos observados pelos participantes.


Introdução

A distorção da imagem corporal é um fenômeno comum entre homens e mulheres, e influencia a satisfação das pessoas com os seus próprios corpos, impactando a saúde mental. Mulheres notadamente são mais insatisfeitas com os próprios corpos e superestimam o tamanho de imagens corporais em maior grau do que os homens. Essa distorção da imagem corporal está relacionada aos fenômenos perceptivos, como a adaptação visual, e aos diferentes processos cognitivos básicos, como a imaginação mental, a memória de trabalho e a atenção visual

Redes neurais envolvidas no processamento de imagens corporais são altamente especializadas e envolvem duas áreas distintas do córtex cerebral em cada um dos hemisférios cerebrais: a área corporal do extra-estriado e a área corporal do fusiforme. Cada uma delas contribui diferentemente para o processamento de imagens corporais. Pesquisas sugerem que o processamento da imagem corporal é uma função cerebral lateralizada majoritariamente controlada pelo hemisfério direito. Curiosamente, estudos de neuroimagem mostraram que somente mulheres apresentaram respostas neurais mais intensas nas áreas corporais do extra-estriado e do fusiforme do hemisfério direito. Além disso, pesquisadores encontraram alterações em redes neurais do hemisfério direito associadas a transtornos alimentares, que são mais comuns em mulheres e cuja característica marcante é a distorção da própria imagem corporal. Isso fez alguns pesquisadores sugerirem que o hemisfério direito é o responsável por essas distorções.

Um estudo de 2007 usou o método do campo visual dividido para investigar as distorções da imagem corporal. Cada campo visual é processado pelo hemisfério cerebral oposto – o campo visual esquerdo é processado no hemisfério direito, e vice-versa. Nos experimentos, os participantes viam fotos distorcidas dos seus próprios corpos, de corpos de outra pessoa do mesmo sexo e de uma garrafa de refrigerante (condição controle), e deveriam responder se essas imagens tinham o mesmo tamanho que a imagem-padrão, não distorcida. Os resultados mostraram que apenas participantes mulheres superestimaram o tamanho das imagens no campo visual esquerdo (hemisfério cerebral direito). Entretanto, como os participantes tinham que comparar o tamanho das imagens distorcidas com a imagem-padrão a partir da memória, não é possível saber se os resultados refletem o funcionamento da percepção visual ou da memória (por exemplo, os participantes poderiam não mais lembrar exatamente o tamanho do estímulo-padrão na hora de responder). Além disso, como as imagens corporais usadas no estudo eram sempre do mesmo sexo que o do participante, é impossível concluir se a superestimação no hemisfério direito de mulheres foi causada pelo fato delas serem mulheres ou pelo fato de estarem julgando o tamanho de corpos femininos.

Inspirado por este estudo, o presente artigo teve como objetivo replicar os resultados mencionados acima, mas controlando duas possíveis variáveis de confusão: a memória dos participantes e a influência do sexo dos participantes.

 

Método

Os pesquisadores fizeram dois experimentos no computador usando o método do campo visual dividido. Cada participante via duas imagens simultaneamente, lado a lado, na tela do computador: uma delas no campo visual esquerdo e a outra no campo visual direito. Para garantir que as imagens fossem projetadas adequadamente nos hemicampos visuais, os pesquisadores controlaram rigorosamente a distância do participante até a tela do computador usando um aparato de suporte para a cabeça. Os participantes deveriam responder qual das duas imagens exibidas era maior. Esse processo foi repetido muitas vezes e usando várias imagens com tamanhos diferentes.

A imagem tem um fundo branco e está dividida em duas metades. Na esquerda, mostra um esquema anatômico do sistema visual humano, detalhando as vias que saem da retina e vão para cada hemisfério cerebral. Na direita, um esquema mostra uma sequência de telas de computador: na primeira está escrito “pressione espaço”; na segunda, há uma cruz ao centro, em um fundo branco; na quarta há uma figura de um modelo 3D feminino em cada lado da cruz, a da esquerda mais magra e a da direita mais gorda; na quarta está escrito “qual é maior?”.
30 Figura 1. Esq.) Sistema visual humano. As imagens de cada campo visual são processadas pelo hemisfério cerebral do lado oposto. Dir.) Experimentos feitos pelos pesquisadores. O esquema representa a sequência de eventos vista pelos participantes na tela do computador. Imagem: adaptada de Walsh (2000).


No experimento 1, os pares de imagens usados foram de três tipos: um modelo 3D de corpo masculino, um modelo 3D de corpo feminino e uma garrafa de refrigerante como condição controle.  O tamanho das imagens foi distorcido em vários graus, de modo que elas poderiam ser maiores ou menores do que as imagens-padrão originais, não distorcidas. Um detalhe importante do experimento 1 é que os modelos 3D dos corpos tinham uma aparência
andrógina. Já no experimento 2, os pesquisadores repetiram o mesmo procedimento, mas usaram modelos 3D com alto grau de dimorfismo sexual, isto é, os corpos masculinos e femininos tinham uma forma marcadamente diferente, por exemplo, modelos femininos com curvas e os masculinos com ombros largos e braços musculosos. Mais importante, nos dois experimentos todos os participantes, fossem homens ou mulheres, julgaram os tamanhos dos três tipos de imagens: modelos 3D masculinos, modelos 3D femininos e a garrafa de refrigerante. Os pesquisadores usaram modelos 3D porque eles são estímulos mais neutros do que fotos de pessoas reais, evitando, assim, que as reações emocionais dos participantes influenciassem os resultados. A imagem da garrafa de refrigerante foi escolhida como condição controle, porque possui um formato semelhante ao de uma silhueta humana, mas é um objeto inanimado que não ativa as áreas cerebrais especializadas em processar imagens corporais.

A imagem tem fundo branco e está dividia em três partes. No alto, à esquerda, há uma figura de um modelo 3D masculino com roupa azul, um modelo 3D feminino com roupa vermelha e uma garrafa de refrigerante. Os modelos masculino e feminino não têm cabelos e o formato de seus corpos é parecido, exceto pela presença de seios no modelo feminino. Abaixo, à esquerda, há um modelo 3D masculino de braços abertos, ombros largos, braços musculosos, vestido com uma sunga preta; um modelo 3D feminino de braços abertos, quadril largo e cintura mais fina, vestido com um biquíni preto; e uma garrafa de refrigerante. Os modelos não têm cabelos. À direita, três fileiras mostram os tamanhos das imagens dos modelos 3D e da garrafa distorcidos para mais e para menos.
Figura 2. Estímulos usados no Experimento 1 e no Experimento 2. Os destaques à esquerda mostram os estímulos-padrão originais, não distorcidos. À direita, as distorções de tamanho para mais e para menos. O tamanho rotulado como 100% corresponde ao tamanho original dos estímulos. Imagem: adaptada de Tiraboschi e colaboradores (2020).


Nos dois experimentos, os pesquisadores verificaram como cada participante para avaliou cada tipo de estímulo (modelo masculino, modelo feminino, controle), e como foi a atividade de cada hemicampo visual (direito e esquerdo) durante o experimento, comparando as médias usando testes estatísticos.   


Resultado, discussão e conclusão

No Experimento 1, observou-se, para os três tipos de imagens (corpos masculinos, femininos e controle) que não houve distorção de percepção corporal nos dois hemicampos visuais. O resultado foi o mesmo com participantes homens e mulheres. Os pesquisadores não esperavam por esse resultado, já que as diferenças entre sexos e entre hemisférios foi reportada muitas vezes em pesquisas anteriores.  

No Experimento 2, as respostas foram diferentes: os participantes, independentemente de serem homens ou mulheres, superestimaram o tamanho dos corpos femininos nos dois lados do cérebro. Entretanto, o tamanho dos corpos masculinos foi subestimado pelo hemisfério cerebral direito e superestimado pelo hemisfério esquerdo. Para os autores do estudo, os resultados que chamam a atenção são: 1) homens e mulheres estimarem os tamanhos da mesma forma; e 2) evidência de lateralização cerebral apenas para imagens de corpos masculinos. Esses resultados nunca haviam sido reportados por outros grupos de pesquisa e precisam ser replicados.

Os resultados não permitiram conclusões definitivas sobre o papel específico do hemisfério cerebral direito nas distorções da imagem corporal, e nem sobre a diferença entre homens e mulheres, mas permitiram aos autores fazerem considerações e sugestões para os próximos estudos. Uma consideração especulativa foi que, quando homens veem os próprios corpos, cada lado do cérebro distorce a imagem em um sentido, e essas distorções se cancelam resultando em uma imagem não distorcida. Já as mulheres sofreriam de uma distorção da própria imagem no mesmo sentido (“mais gorda”) nos dois hemisférios, resultando em uma superestimação do próprio tamanho. Outra consideração foi que os estudos anteriores não tomaram o cuidado de mostrar corpos dos dois sexos para todos os participantes e, por isso, não puderam garantir que os resultados foram causados pelo sexo do participante em vez do sexo dos corpos observados. Os autores do estudo concluíram que o sexo dos corpos sendo observados é uma variável que pode influenciar os estudos sobre a lateralização da percepção da imagem corporal, e que as pesquisas futuras devem levar isso em conta.

Colaboração: Luísa Superbia Guimarães

sobre a autora

Artigo original

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “The sex of body images modulates size estimations and lateralized responses in body perception”, publicado pela revista Laterality em novembro de 2020, de autoria de Tiraboschi, G., Superbia-Guimarães, L., Piran, M. e colaboradores. O artigo original pode ser acessado nesse link.

(Editoração: Fernando Mecca, Beatriz Spinelli e Caio Oliveira)

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