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Ambientes similares em diferentes ilhas moldaram caminho evolutivo semelhante de lagartos

O acaso e o determinismo nas repetidas radiações adaptativas em lagartos de ilhas

 

Resumo

A teoria da contingência histórica assume que linhagens sempre respondem de maneiras diferentes frente a um mesmo estímulo evolutivo. Neste trabalho, esta premissa foi testada analisando os padrões evolutivos da morfologia de lagartos do gênero Anolis nas ilhas das Grandes Antilhas. Os resultados indicam que em todas as ilhas existem categorias morfológicas de animais que ocupam um mesmo tipo de ambiente, as ecoformas, sendo que a evolução das mesmas aconteceu de maneira independente em cada ilha. Desta maneira, conclui-se que a seleção natural em ambientes parecidos pode diluir o efeito da contingência histórica e culminar em resultados evolutivos independentes bastante similares entre si.  

 

Introdução

Na biologia evolutiva, a teoria da contingência histórica propõe que um único evento ocorrido no passado pode apresentar grande influência nos processos evolutivos subsequentes a esse acontecimento. Nessa ideia, as resposta aos eventos evolutivos são aleatórias, sendo que mesmo eventos idênticos ocorridos por diversas vezes na história de um grupo podem acarretar em resultados completamente diferentes.  Isso faz bastante sentido quando nos deparamos com alguns grupos próximos de animais ou plantas que evoluíram de forma independente em ambientes similares, exibindo por muitas vezes mais diferenças do que semelhanças entre si. Tais diferenças muitas vezes têm a ver com a história evolutiva em particular de cada um desses grupos, como o genoma e padrões de desenvolvimento característicos da linhagem. Entretanto, não é sempre que a resposta evolutiva à estímulos semelhantes se manifesta de maneira aleatória.

Os lagartos do gênero Anolis são animais bem estudados pelo campo da evolução morfológica por serem bastante diversos em termos de morfologia, comportamento e hábitos ecológicos. Esses lagartos particularmente correspondem a um grupo dominante da fauna caribenha. Em cada uma das ilhas das Grandes Antilhas (Cuba, Jamaica, Porto Rico e Hispaniola), os Anolis podem ser agrupados de acordo com o tipo de ambiente preferencialmente utilizado pelas espécies, designando diferentes classes de “ecoformas”. Em outras palavras, ecoformas são categorias de espécies que ocupam o mesmo micro-hábitat estrutural e apresentam morfologia e comportamento similares, mas não necessariamente compartilham uma história evolutiva próxima. Seis ecoformas de Anolis estão presentes nas Grandes Antilhas, nomeadas conforme o micro-hábitat que ocupam: gigante de copa, copa-tronco, tronco, galho, tronco-chão e gramado-arbusto (Figura 1).

Figura 1: Representação do padrão morfológico e do micro-hábitat estrutural preferencial de cada uma das ecoformas de Anolis das Grandes Antilhas. Imagem modificada de  Losos, Jonathan B. Lizards in an evolutionary tree: ecology and adaptive radiation of anoles. Vol. 10. Univ of California Press, 2011.

 

Material & Métodos 

Neste contexto, o objetivo dos autores deste trabalho foi investigar se a evolução das ecoformas se encaixa na teoria de contingência histórica, verificando se as ecoformas presentes nas ilhas constituem de fato em classes distinguíveis entre si. Os pesquisadores mediram seis características morfológicas, que estão intimamente relacionadas ao uso de hábitat, de 10 a 15 indivíduos de 55 espécies de lagartos: massa corpórea, número de estruturas adesivas no quarto dedo do pé, comprimento do rostro à cloaca, comprimento do membro anterior, comprimento do membro posterior e comprimento da cauda.

 

Resultados & Discussão

Os resultados demonstraram que animais de ilhas diferentes de uma mesma classe de ecoforma são mais similares entre si do que em comparação às espécies de outras classes na sua própria ilha (Figura 2A). A presença das mesmas classes de ecoforma em todas as ilhas pode ser explicada por duas maneiras: ou cada uma das ecoformas surgiu apenas uma vez, e por colonização ou vicariância, as linhagens passaram a ocupar todas as outras ilhas, ou as ecoformas surgiram nas quatro ilhas de forma independente.

Figura 2: A) Agrupamento por ecoforma das espécies de Anolis das Grandes Antilhas, de acordo com o grau de similaridade morfológica, independente da localização geográfica. As letras indicam a ilha ocupada por cada espécie (C, Cuba; H, Hispaniola; J, Jamaica e P, Porto Rico). As ecoformas que caracterizam cada espécie são representadas pelo padrão de coloração do seu respectivo ramo. Note que, ao reunir espécies por ecoformas, ficamos com ramos próximos representando espécies de ilhas diferentes, ao mesmo tempo que espécies da mesma ilha ficam distantes umas das outras. B) Hipótese das relações evolutivas entre as espécies, inferida a partir da análise genética de DNA mitocondrial, indicando origens independentes das ecoformas em cada ilha.  Ao contrário da imagem A, este agrupamento mantém, em geral, espécies da mesma ilha em ramos próximos. Imagem modificada de Losos e colaboradores, 1998.

Utilizando fragmentos de DNA mitocontrial das espécies, foi possível construir uma hipótese de como ocorreu a evolução do grupo, basicamente levando em consideração o grau de similaridade entre as sequências genéticas analisadas. Os resultados não indicaram que as ecoformas surgiriam por um evento único (Figura 2B). Com apenas duas exceções, os membros de uma mesma classe de ecoforma de duas ilhas diferentes não apresentam parentesco evolutivo próximo, indicando que as classes morfológicas na realidade surgiram de maneira independente nas quatro ilhas. Em outras palavras: as semelhanças morfológicas entre lagartos de uma mesma ecoforma são mais relacionadas com o ambiente em que esses animais vivem, do que com o parentesco evolutivo entre as espécies.

Uma possível explicação para os padrões detectados é que toda a diversidade morfológica que pode ser produzida pela linhagem dos Anolis se restringe apenas às ecoformas. No entanto, existem também Anolis montanhosos nas Grandes Antilhas, além de outras espécies do grupo que habitam o continente, que não se encaixam em nenhuma das classes descritas, sugerindo que a linhagem dos Anolis não apresenta restrições de produzir apenas morfologias compatíveis com as ecoformas. Desta maneira, os resultados levam a crer que o contingenciamento histórico e a restrição não são apropriados para explicar os padrões morfológicos dos Anolis caribenhos, mas que a diversificação dessa linhagem provavelmente ocorreu por radiação adaptativa, em que as variações morfológicas que caracterizam as ecoformas foram naturalmente selecionadas durante a ocupação dos diferentes ambientes.

Conforme ilustrado na Figura 2B, houve apenas dois casos em que uma ecoforma evoluiu mais de uma vez em uma mesma ilha (ecoforma de gramado-arbusto em Cuba e de galho em Hispaniola). Isso provavelmente ocorreu devido à competição entre Anolis na mesma ilha, uma vez que quando um ambiente está ocupado por uma espécie dominante, outras espécies acabam sendo excluídas de ocupar aquele lugar. Dessa maneira, ou as espécies excluídas são extintas, ou passam a ocupar um novo micro-hábitat, que ao longo do tempo pode atuar como agente de seleção morfológica e culmina com uma ecoforma diferente.

Como conclusão, a importância da contingência histórica na evolução depende do referencial adotado: entre as grandes ilhas do Caribe, quase não há efeito perceptível sobre as mesmas ecoformas que evoluíram em cada ilha, enquanto dentro de cada ilha, eventos evolutivos anteriores podem limitar as opções de variação disponíveis para algumas espécies e, assim, determinar as direções em que a evolução pode ocorrer.

 

Pesquisa ao seu alcance: Priscila S. Rothier

sobre a autora

Artigo original

O texto apresentado é uma adaptação do artigo: “Contingency and determinism in replicated adaptive radiations of island lizards”, publicado pela revista Science em Março de 1998, de autoria de J. B. Losos, T. R. Jackman e colaboradores. O artigo original pode ser acessado em https://science.sciencemag.org/content/279/5359/2115

(Editoração: Fernando Mecca, André Pessoni e Caio Oliveira)

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