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Um oceano produtivo e explorado sustentavelmente

#Década do Oceano (Uma parceria pela sustentabilidade do oceano)

O encontro dos rios com os mares traz grande produtividade, que deve ser utilizada com sabedoria e igualdade.

Destaques:
– Estuários são regiões de encontro de cursos de água doce e água salgada, ricos em biodiversidade, com espécies endêmicas, marítimas ou transitórias;
– Muitas populações ribeirinhas vivem em Unidades de Conservação (UCs) e, assim, têm acesso ao manejo correto das atividades nesses ecossistemas, como a mariscagem e a pesca;
– O desenvolvimento socioambiental depende da equidade de gênero, e a gestão territorial participativa requer o protagonismo das mulheres, com seus conhecimentos ecológicos, comunitários e sociais.

Você sabia que o oceano é considerado o berçário da vida? Dentre tantas teorias, a evolução aponta que as primeiras formas de vida surgiram no oceano primitivo. Não à toa, até hoje o ambiente marinho é o berçário de muitas espécies, já que, naturalmente, ele oferece locais abundantes em alimento, adequados para que diferentes formas de vida possam se reproduzir, se desenvolver, habitar ou visitar. Esses locais são batizados de estuários.

Mas como um estuário é formado? Através do encontro entre a água doce do rio e a água salgada do mar. Nesses ambientes, há uma variação de fatores ambientais, como a diferença na salinidade, a turbidez da água e a grande disponibilidade de alimentos. Com uma grande concentração de nutrientes advindos de diferentes ambientes (água doce, água salgada ou vegetação), os estuários são considerados ecossistemas férteis, com expressiva produção primária nas zonas costeiras.

oceano
Imagem de drone do Estuário do Rio Mamanguape, localizado na Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape, Paraíba. Fonte: Tácio Adventures.

 

Desse modo, um estuário abriga grande biodiversidade, integrando espécies endêmicas que são predominantemente de água doce, espécies marinhas, e ainda espécies terrestres de regiões próximas a ele.

Além das influências ecológicas, esses ambientes têm influências socioeconômicas e culturais, pois as comunidades humanas que habitam suas proximidades obtêm ali recursos alimentícios e fonte de renda. Visto que os serviços ecossistêmicos1 de um estuário são multivariados e que cerca de 80% da população mundial vive próximo às zonas costeiras, ocupando muitos estuários, estratégias são necessárias para que essas regiões sejam exploradas sustentavelmente.

Muitas populações ribeirinhas vivem em Unidades de Conservação (UCs) e, assim, têm acesso ao manejo correto das atividades nesses ecossistemas, como a mariscagem e a pesca. A fiscalização das leis ambientais, inclusive do código da pesca, é um fator primordial para que atividades humanas aconteçam de maneira adequada. Já os projetos de conservação reúnem dados sobre a importância de manter sustentavelmente esses locais. Com a fiscalização e a conservação, atreladas ao conhecimento de moradores locais, é possível estabelecer um consenso de como usufruir e ao mesmo tempo conservar os recursos naturais!

Um tipo de ecossistema estuarino é o manguezal, formado por espécies vegetais adaptadas a ambientes salinos inundados pelas marés, habitats de numerosas espécies e fontes de sustento de inúmeras comunidades costeiras. Nos manguezais, dezenas de povoados e vilas vivem da agricultura e da pesca, com destaque para o caranguejo-uçá, muito consumido em centros urbanos da região ou fora dela.

Um exemplo de onde isso acontece é na cidade de Bragança, no Pará, com uma área de 120 km² de manguezais. Classificadas como tradicionais, as populações que ali habitam se apropriam e usam os recursos naturais norteadas pelos conhecimentos das gerações, práticas culturais e de organização social e política próprias. Há cerca de duas décadas elas participam da construção de uma nova instituição de gestão territorial, a Reserva Extrativista Marinha, que associa reconhecimento dos direitos costumeiros dos moradores e pescadores, ao uso sustentável dos recursos, segundo a perspectiva socioambiental.

As próprias populações instituem as regras de uso, em conjunto com organizações estatais e da sociedade civil, além de formarem associações comunitárias novas para essa participação. São processos conflitivos, que envolvem a identificação como usuários desses espaços e o aprendizado coletivo. Um aspecto crucial é a participação diferencial de mulheres e homens.

O desenvolvimento socioambiental depende da equidade de gênero. Mas, ressalta-se a invisibilidade do trabalho das mulheres na pesca artesanal. O trabalho das beneficiadoras de carne de caranguejo, por exemplo, é temporário e de baixa remuneração, embora essencial na cadeia produtiva. É comum nos discursos dos pescadores (e das próprias pescadoras) que o dinheiro que a mulher arrecada com seus trabalhos, inclusive na pesca em águas próximas, é somente complemento de renda.

Atividade de mariscagem efetuada pelas mulheres das comunidades que vivem na Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape, Paraíba. Foto: Andressa Tamires.

 

Nas vilas de Treme e Caratateua, as mulheres assumem a extração da massa do caranguejo, em jornadas diárias de 10 a 12 horas, acarretando sequelas ao longo do tempo. Esse produto é revendido a supermercados, restaurantes, por intermediários que entregam a matéria-prima às “catadoras”. Evidentemente, elas apenas vendem a força de trabalho, por demanda, sem garantias trabalhistas.

Sim, a gestão territorial participativa requer o protagonismo das mulheres, com seus conhecimentos ecológicos, comunitários e sociais. Contudo, enquanto as mulheres estão nas reuniões dos conselhos, inclusive porque os homens frequentemente estão na pesca distante, elas enfrentam diversas restrições de gênero, seja pelo pouco reconhecimento de sua condição de agentes econômicos e políticos, seja pela sobrecarga decorrente da divisão do trabalho entre os sexos.

A natureza não é espaço utilitário de recursos, mas um ambiente complexo que inclui as sociedades, inclusive as humanas. O uso dos recursos naturais, como no caso dos estuários, deve acontecer de maneira que os ecossistemas continuem em funcionamento ao invés de priorizar o acúmulo de capital a qualquer custo. E mais, deve ser norteada em ações que priorizem a equidade de gênero em todos os sentidos.

Pescadora artesanal esperando o tempo da maré. Foto: Raquel Leite.

 

1 – Saiba mais sobre serviços ecossitêmicos neste texto publicado pela IDC: https://ilhadoconhecimento.com.br/servicos-ecossistemicos/.

Especial Década do Oceano – Uma parceria entre a Ilha do Conhecimento, a Liga das Mulheres pelo Oceano e a Cátedra UNESCO para Sustentabilidade do Oceano

 

Colaboração:

Andressa Tamires Araújo Gomes sobre a autora            

Bióloga e professora do ensino básico, realiza mestrado em ecologia e conservação no PPGEC/UEPB. Tem experiência e interesse em áreas costeiras estuarinas, serviços ecossistêmicos, manguezais, biota, comunidades tradicionais e educação ambiental. Acredita que o conhecimento tradicional atrelado ao conhecimento científico é a melhor dupla para ações conservacionistas, e quanto mais falarmos sobre, mais abriremos as portas da sustentabilidade.

Ana Patrícia Reis da Silva sobre a autora            

Ana Patrícia Reis da Silva é antropóloga e presidente do Instituto Nova Amazônia, onde atua na defesa e direitos das populações tradicionais, valorizando seus saberes e identidades. Ana Patrícia é pesquisadora com interesse nos temas: sociedade e meio ambiente, reservas extrativistas, gênero e desenvolvimento sócio ambiental, além de Associada na Associação Brasileira de Antropologia-ABA.

Maria Cristina Alves Maneschy sobre a autora            

Maria Cristina Alves Maneschy é doutora em Sociologia – Université Toulouse Le Mirail, França (1993). Entre 2013 e 2017 foi pesquisadora associada ao Instituto Tecnológico Vale de Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS), em Belém-Pará. Atualmente pesquisa sobre sustentabilidade na mineração, em especial sobre as relações comunidades e empreendimentos minerais e sua logística. Interessa-se, também, por pesquisas sobre instituições locais de gestão de recursos naturais comuns, notadamente na área da pesca artesanal. Igualmente, sobre comunidades pesqueiras artesanais, com ênfase nas estratégias de trabalho em relação aos condicionantes ambientais, divisão sexual do trabalho e relações de gênero.

Tássia Biazon sobre a autora            

Tássia Biazon é bióloga e jornalista científica. Atualmente é pós-graduanda na Unicamp e no Centro de Pesquisa Boldrini, colaboradora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano da USP e professora na rede SESI. Tem experiência e interesse em biologia da conservação, biologia molecular, jornalismo científico e divulgação científica.

 

Fontes consultadas:

– Artigo científico intitulado “Arte de pescar, arte de narrar: notas etnográficas sobre a dimensão cultural do trabalho em uma comunidade pesqueira” publicado na revista MÉTIS: história & cultura em 2000, de autoria de Adomilli, G.

– Artigo científico intitulado “Pescadoras: subordinação de gênero e empoderamento” publicado na revista Revista Estudos Femininos em 2012, de autoria de Maneschy, M. e colaboradoras.

– Artigo científico intitulado “Colonialism, Gender, Informal Sector Work and Issues of Social Justice” publicado na revista Anales de la Cátedra Francisco Suárez em 2005, de autoria de Narayan, U.

– Artigo científico intitulado “Gênero: uma categoria útil de análise histórica” publicado na revista Educação e Realidade em 1990, de autoria de Scott, J.

– Artigo científico intitulado “Características gerais e problemas da pesca amazônica no Pará”, publicado na revista “Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi” em 1990, de autoria Furtado, L.

– Resumo apresentado em congresso intitulado “Mulheres Pescadoras: Uma Análise Das Produções Bibliográficas Acerca Das Relações De Gênero No Universo Da Pesca Artesanal” no Seminário Internacional Fazendo Gênero em 2017, de autoria de Souza, S. e colaboradores.

– Resumo apresentado em congresso intitulado “Reservas extrativistas marinhas: um estudo sobre posse tradicional e sustentabilidade” no Encontro nacional da ANPPAS em 2004 de autoria de CHAMY, Paula.

– Livro “Ecologia Humana e Planejamento Costeiro”, de autoria de Diegues, A., publicado pela editora NUPAUB.

– Livro “Espaços e Recursos Naturais de Uso Comum” de autoria de Diegues, A. e Moreira, A., publicado pela editora NUPAUB em 2001.

– Livro “Gênero e trabalho no Brasil e na França: perspectivas interseccionais”, publicado pela editora Boitempo em 2016, de autoria de Abreu, A. e colaboradores.

– Livro “Os Manguezais da Costa Norte Brasileira. Vol. II” publicado pela editoa Fundação Rio Bacango em 2003, organizado por Fernandes, M.

– Livro “A Imagem das Águas” publicado pela editora NUPAUB em 2000, organizado por Diegues, A.

– Livro “A Nova Sociologia Econômica” publicado pela editora Celta em 2003, organizado por Peixoto, J. e Marques, R.

– Matéria no site do projeto Bioicos intitulada “Ecologia e estrutura de sistemas estuarinos”, publicada em 30/06/2020. (Website: https://www.bioicos.com.br/post/ecologia-estrutura-de-sistemas-estuarinos).

(Editoração: Fernando Mecca, Loren Pereira, Tássia Biazon, Eduardo Borges)

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