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A vida secreta (ou nem tanto) das onças-pardas do sudeste de Goiás

#Ciência et al. (Conteúdos repletos de informações científicas)

Uma breve história de como pesquisadores estudam as onças-pardas

DESTAQUES:
• A onça-parda é um grande predador, considerado um detetive ecológico.
• Devido a este perfil, a onça-parda é foco de uma pesquisa para identificar áreas prioritárias para conservação da biodiversidade.
• Armadilhas fotográficas são usadas para identificar as espécies de animais presentes nesta região.
• Para o estudo de grandes predadores podem ser utilizadas diferentes metodologias de monitoramento, como armadilhas fotográficas e coleiras rádio transmissoras.
• O Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC) tem aplicado estas metodologias para conhecer a vida secreta das onças-pardas no sudeste de Goiás.
• Além de dados ecológicos, o PCMC também começou a desenvolver projetos com as comunidades locais em parcerias com órgãos públicos e iniciativas privadas.

Puma. Onça-parda. Suçuarana. Onça-vermelha. Leão-baio. Puma. Não é atoa que a Puma concolor é conhecida por tantos nomes, afinal, ela é encontrada em todas as Américas. Do calor ao frio, dos Andes ao nosso Cerrado e à Amazônia. Estes felinos são predadores de topo de cadeia alimentar. O que isso significa? Bom, predadores de topo são animais carnívoros, ou seja, eles se alimentam de outros animais. Ao fazerem isso, os predadores de topo regulam a quantidade das presas que existem em determinado local. 

Quando a onça-parda não está presente no ambiente, o número de animais que seriam suas presas (capivaras, catetos e tatus, por exemplo) pode aumentar muito. Além disso, predadores de topo como as onças-pardas precisam de grandes áreas para sobreviver. No Brasil, sua área de vida chega a até  20.000 hectares (o equivalente a  20.000 campos de futebol). 

Estas são informações que você provavelmente já conhecia. Mas, você sabia que estudar como estes animais se alimentam e se deslocam pode contribuir para a criação de corredores ecológicos, se pensar em estratégias para pessoas e outros animais viverem melhor e para promover a conexão entre as pessoas e a natureza? Pois é. É justamente essa relação que gostaríamos de explorar neste texto. Vamos te contar como a onça-parda mobilizou um grupo de pesquisadores, o poder público e a iniciativa privada em um esforço para conservação dos últimos remanescentes de Mata Atlântica no sudeste de Goiás. 

Nossa história começa com o Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC), que é um grupo de pesquisa vinculado à Universidade Federal de Catalão (UFCAT) criado em 2009. Desde sua criação o programa tem desenvolvido estudos ecológicos no sudeste de Goiás e também no Triângulo Mineiro com espécies que ocorrem nestas regiões como a raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) e, claro, a onça-parda. 

Conhecendo o trabalho do PCMC, a Secretária Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (SEMAD) os convidou para auxiliar em um plano de conservação que promoveria a conservação da biodiversidade no corredor ecológico entre o Parque Estadual Serra de Caldas Novas (PESCaN) e o Parque Estadual Mata Atlântica (PEMA). E é aqui que entra a onça-parda! Ela é considerada uma espécie detetive, e seu comportamento pode indicar as áreas de mata mais importantes na região deste corredor, que precisam ser protegidas e/ou restauradas. Juntos, o PCMC e a SEMAD começaram a trabalhar. 

O primeiro passo foi instalar armadilhas fotográficas em trilhas no PEMA. Estas câmeras são um equipamento muito conhecido dos cientistas da área da ecologia. Elas são fixadas, por exemplo, em árvores e filmam automaticamente os  animais que passam por elas. Os pesquisadores instalam as câmeras em trechos das trilhas que possuem algum vestígio da presença dos animais a serem estudados e deixam elas lá por meses! Quando os pesquisadores voltam para vistoriar os equipamentos é que a história começa a ficar interessante…chega a hora de saber quais animais usam o parque! 

Embora o foco dos pesquisadores fosse saber se as onças-pardas estavam circulando pelo PEMA e se elas passavam pelas trilhas marcadas, os registros de outros animais também foram importantes e ajudaram a compor a análise sobre o ecossistema local.

Com tantas câmeras instaladas, quase fizeram um “Big Brother” da floresta! Pois bem. Os pesquisadores viram que passavam algumas onças-pardas (sim, mais de uma!) pelas trilhas do PEMA, entre machos e fêmeas! Também filmaram catetos, veados, cutias, macacos, antas, entre outros. Até o tatu-canastra e o cachorro-vinagre apareceram…mas isto é assunto para outra conversa! Assim o PEMA, embora seja um parque pequeno em extensão, parece ser o lar para diversas espécies, inclusive algumas raras e ameaçadas de extinção

Com todas as informações das câmeras reunidas, os pesquisadores partiram para a segunda fase da pesquisa: identificar como as onças-pardas  se movimentam na paisagem. Como fizeram isso? Instalaram coleiras rádio-transmissoras nas onças-pardas! E para fazer isso…olha, vamos dizer que envolve muito planejamento e esforço de toda a equipe de pesquisadores. 

Não sei se você sabe, mas para a instalação do rádio colar é preciso primeiro capturar a onça! Essa tarefa não é tão fácil, por isso os pesquisadores precisam estudar bastante e estarem preparados para ficar muitos e muitos dias na mata. As armadilhas de captura, que são especiais para esta atividade, são instaladas em pontos estratégicos do parque e os pesquisadores tomam todos os cuidados para que as armadilhas funcionem bem e sejam seguras para as onças e os outros animais. Pode parecer fácil falando, mas não é tão simples assim não! Os pesquisadores precisam todos os dias vistoriar as armadilhas com todo o cuidado e passar noites e dias acordados esperando um sinal da onça passar. 

INFORMAÇÃO MUITO MUITO IMPORTANTE: toda pesquisa só é feita após autorização dos órgãos pertinentes, como do ICMBio ou IBAMA, e todo processo de captura de onças-pardas  pelo PCMC é  realizado por um médico veterinário experiente, membro da equipe de pesquisadores. Somente pesquisadores autorizados têm permissão para capturar animais silvestres no Brasil. 

onças

Pois bem, depois que a onça entra na armadilha o médico veterinário com todo cuidado anestesia ela. É assim que a equipe começa a colher as informações importantes do animal, como por exemplo, peso, tamanho, idade e sexo e parasitas que possam ser encontrados. O veterinário faz exames clínicos e coleta amostras biológicas como sangue, pelos e urina. Tudo pode gerar informação importante sobre o modo de vida desses animais e sua saúde. 

Depois dos exames e coletas, a equipe instala o rádio colar na onça e também um brinco colorido e numerado para que ela seja identificada na pesquisa. Tanto as coletas realizadas pelo veterinário, quanto a coleira e o brinco não causam ferimentos nas onças, já que estes equipamentos instalados nas onças são projetados por especialistas e testados muitas vezes. Assim os riscos são minimizados, pois o bem estar dos animais vem em primeiro lugar! 

Após todo esse procedimento as onças se recuperam da anestesia em um local seguro. O animal fica sendo monitorado a distância até a anestesia passar. Assim que a onça acorda, ela está pronta para ser liberada e voltar para a natureza!

E não para por aí: sabe aquelas câmeras? O “Big Brother” da floresta continua. Pelas câmeras fotográficas os pesquisadores podem identificar, entre as onças que passam, quais as onças monitoradas, e conseguem ver se elas se recuperaram bem da captura e os seus comportamentos, como por exemplo, se estão passando com filhotes, com parceiros, ou atrás de alguma presa. Estes são comportamentos muito difíceis de ver sem ser através das câmeras, pois as onças-pardas são muito tímidas e ariscas. 

Lembra dos rádios colares? Eles são outra forma de saber por onde as onças andam e o que estão fazendo. Estes equipamentos enviam do pescoço das onças as localizações dos locais que elas passaram a cada duas horas!  Estes dados são enviados para os pesquisadores todos os dias e contam com uma variedade de informações (coordenada geográfica, data, hora, temperatura, se ela está ativa ou inativa). Com estes dados os pesquisadores conseguem calcular qual o tamanho da área de vida da onça, se há sobreposição de territórios, onde provavelmente levaram a presa após a caça, inclusive por quais paisagens elas se deslocam. E assim a vida secreta das suçuaranas vai se revelando! 

Até o momento da redação deste texto os pesquisadores estão monitorando duas onças-pardas machos. Elas já estão ajudando a equipe do PCMC a entender melhor a dinâmica desta espécie na região do PEMA, e a ideia é continuar com a pesquisa (instalar mais câmeras e monitorar mais onças-pardas). 

Ah! Ainda temos mais um elemento na nossa história! O PCMC desenvolveu um projeto que visa incorporar as comunidades locais nesse processo da pesquisa e da conservação ambiental local. A ideia é que os dados ecológicos gerados possam ser compartilhados com a comunidade do entorno do PEMA e possam contribuir para promover a conexão entre elas e a natureza e a boa relação entre as pessoas e os animais silvestres. 

O projeto se chama “Suçuaranas no Quintal” e possui frentes de ações ligadas à educação para conservação e coexistência humano-fauna (Tema abordado no texto Como são nossas interações com os animais silvestres?). Para desenvolvê-lo o PCMC conta com parcerias não só da SEMAD, mas das prefeituras, atores locais e iniciativa privada. Afinal, a conservação da biodiversidade precisa do envolvimento de toda sociedade! 

Neste texto, contamos apenas uma pontinha de tudo que os projetos Detetives Ecológicos e Suçuaranas no Quintal têm feito, decidimos focar na metodologia que usamos para estudar a vida secreta (nem tanto) das onças-pardas na região do sudeste de Goiás. Mas, temos muitas outras ações e iniciativas em andamento. Se você quiser conhecer mais, visite as redes sociais do PCMC (@pcmc_brasil).

 

Colaboradoras:

Bruna Lima Ferreira sobre a autora

Bruna é bióloga e mestre pela USP e pesquisadora colaboradora do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC). É fascinada pelas relações que as pessoas têm com a natureza e pela busca de estratégias que promovam comportamentos mais sustentáveis e a reaproximação (e valorização) da sociedade e natureza. Acredita no papel da popularização científica e ensino de ciências para construção de uma ciência democrática.

Fernanda Cavalcanti de Azevedo sobre a autora

Fernanda é bióloga, com mestrado e doutorado na área de Ecologia e Conservação. Faz pesquisas relacionadas à conservação da biodiversidade, especialmente de carnívoros e suas respostas às perturbações do habitat e às mudanças no uso do Bioma Cerrado. É coordenadora executiva do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado e professora voluntária da Universidade Federal de Catalão.

 

Stephanie Teodoro dos Santos sobre a autora

Stephanie é bióloga e pesquisadora no eixo de Educação para Conservação do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC). Atua no Projeto Suçuaranas no Quintal, em Goiás, onde você pode encontrá-la no meio de uma atividade com as crianças ou ouvindo um causo sobre animais com os moradores da região enquanto tomam um cafézinho.

 

Referências:

Artigo científico intitulado “Puma (Puma concolor) predation on tapir (Tapirus terrestris)”, publicado na revista Biotaneotropica em 2016, de autoria de Azevedo, F. e colaboradores. 

Artigo científico intitulado “Puma activity patterns and temporal overlap with prey in a human-modified landscape at Southeastern Brazil”, publicado na revista Journal of Zoology em 2018, de autoria de Azevedo, F.C e colaboradores. 

Artigo científico intitulado “THE IMPORTANCE OF FORESTS FOR AN APEX PREDATOR: SPATIAL ECOLOGY AND HABITAT SELECTION BY PUMAS IN AN AGROECOSYSTEM”, publicado na revista Animal Conservation em 2020, de autoria de Azevedo, F. e colaboradores. 

Artigo científico intitulado “Avaliação de risco de extinção da onça-parda, Puma concolor no Brasil”, publicado na revista BioBrasil em 2013, de autoria de Azevedo, F.C e colaboradores. 

Nota científica intitulada “Crawling towards species conservation First pumas monitored by Global Positional System at Brazilian anthropized Cerrado”, publicado na revista Wild Felid Monitor em 2013, de autoria de Azevedo, F.C e colaboradores.

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(Editoração: Nathália Amato Khaled)

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