Resposta:
Porque até o momento o medicamento só foi testado in vitro, ou seja, em testes de laboratório com culturas de células. Para ser uma cura comprovada para a doença, ainda são necessários testes clínicos indispensáveis na aplicação de um fármaco a um novo tratamento, o que envolve testes em pacientes humanos. A fase clínica será iniciada nas próximas semanas, com cerca de 500 pacientes e, somente após divulgação dos resultados, será possível avaliar a eficácia da medicação para tratar a doença.
Entenda:
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) anunciou a descoberta de um medicamento capaz de reduzir a carga viral do novo coronavírus (Sars-Cov-2) em até 94%. O anúncio foi feito na última quarta-feira (15), durante coletiva de imprensa do ministro Marcos Pontes, que comanda a pasta. Embora o ministro não tenha revelado o nome do medicamento para evitar problemas de automedicação e desabastecimento, o anúncio aumentou as esperanças da população em uma cura para a Covid-19.
Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, em coletiva de imprensa. Imagem: Marcello Casal Jr./Agência Brasil.
Mas é preciso cautela. Os resultados apresentados pelo ministro se referem à pesquisa conduzida no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas. O grupo de cientistas responsáveis pelo estudo partiu de informações sobre outros medicamentos disponíveis na literatura científica para avaliar se eles seriam promissores em um teste contra o novo coronavírus. Na fase inicial, a equipe usou técnicas de inteligência artificial, biologia molecular e quimioinformática para avaliar dois mil medicamentos com moléculas potencialmente capazes de inibir a atuação de proteínas da replicação do vírus. Seis desses medicamentos foram considerados adequados para a fase seguinte de teste, que envolvia aplicação das substâncias em células infectadas pelo novo coronavírus e avaliação de quanto cada substância era capaz de reduzir a carga viral. A conclusão do estudo é que, in vitro, dois medicamentos se mostraram capazes de combater o vírus e um deles teve 94% de eficácia.
Depois dos teste in vitro, é preciso avaliar se a eficácia se mantém no tratamento em pacientes reais. Para isso são necessários testes clínicos em humanos, etapa obrigatória no desenvolvimento de novos fármacos e quando fármacos já existentes serão usados para tratar uma nova doença. Essa fase é importante porque um organismo tem uma complexidade muito maior do que uma cultura de células. No corpo de um animal, inclusive os humanos, é preciso considerar que existem vários tipos celulares e que interações entre órgãos e vias metabólicas são múltiplas e, às vezes, inesperadas. Por causa dessa complexidade, a grande maioria dos medicamentos bem-sucedidos em testes in vitro não se mostram eficazes ou seguros nos testes pré-clínicos em animais ou nos testes clínicos em humanos.
Imagem modificada de: Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica
Segundo o MCTIC, os testes clínicos para o medicamento citado na coletiva de imprensa começarão nas próximas semanas em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. O teste será do tipo duplo cego, quando nem a equipe médica nem os pacientes sabem quem está tomando a medicação e quem está tomando o placebo. Essa informação só é de conhecimento da equipe que planeja e monitora o teste. Os testes serão aplicados em cerca de 500 pacientes que não apresentem sintomas graves e que receberão a medicação por 5 dias, com acompanhamento da evolução do quadro por duas semanas.
A proposta apresentada pelo MCTIC corresponde à segunda etapa de testes clínicos, na qual se avalia a eficácia do medicamento em grupos pequenos de pacientes. A fase seguinte envolve o teste da medicação em um número bem maior de pessoas. Se a substância se mostrar segura e eficaz e for aprovada pelos órgãos de regulação, começa a fase quatro, que é o acompanhamento de efeitos após distribuição comercial.
A avaliação dos efeitos colaterais causados por diferentes doses da medicação, bem como sua interação com outras drogas e álcool, geralmente é feita na primeira fase de testes, quando se testa a segurança da substância em foco. Mas, como se trata de um medicamento comercializado, essa fase pode não ser repetida caso já existam informações aprovadas sobre os efeitos e interações das doses ministradas.
News: Luanne Caires
Fontes:
Governo diz ter encontrado remédio com eficácia de 94% contra coronavírus em testes de laboratório, mas não divulga nome (O Globo)
Coronavírus: cientistas brasileiros preparam teste de medicamento que reduz carga viral em 94% (BBC Brasil)
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52299974
Governo vai testar em pacientes remédio com 94% de eficácia contra a Covid (UOL Notícias)
Quais são as fases da pesquisa clínica? (Faculdade de Ciências Médicas – Unicamp)
Failure of Investigational Drugs in Late-Stage Clinical Development and Publication of Trial Results
https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2565686
(Editoração: André Pessoni)