#Ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)
Múltiplas pistas garantem o sucesso da predação de vespa Neotropical
Sobre ● Categoria: Artigo – revista Behaviour ● Título Original: Multiple cues guarantee successful predation by a Neotropical wasp ● Ano de publicação: 2021 ● Link do artigo original: http://dx.doi.org/10.1163/1568539X-bja10144 |
DESTAQUES
● A vespa social Brachygastra lecheguana utiliza uma sequência de pistas para encontrar larvas de besouro “escondidas” no botão floral;
● Botões florais infestados por larvas de besouro são praticamente indistinguíveis dos demais botões na planta a olho nu;
● A vespa B. lecheguana obtêm sucesso em encontrar os botões infestado pela larva em 93% dos eventos;
● A vespa segue uma combinação de pistas visuais, químicas e possivelmente táteis para identificar o botão floral que está infestado.
Estudar o comportamento predatório de vespas pode ser tão instigante quanto ler um livro de ficção do detetive Sherlock Holmes. Isso porque, além de contribuir cientificamente para o conhecimento do comportamento animal e interações ecológicas, podemos descobrir uma sequência de pistas utilizadas pelas vespas durante sua procura por alimento, tornando-a uma verdadeira investigadora de botões florais no campo. Pelo menos este é o caso da vespa social Brachygastra lecheguana (Fig. 1).
Vespas sociais são notavelmente abundantes no ambiente, possuem uma dieta bastante variável (néctar, resina vegetal, artrópodes), e apresentam uma grande diversidade de atividades de forrageamento que refletem diretamente serviços ecológicos relevantes, como polinização, dispersão de sementes e predação de pragas. Em particular, B. lecheguana é uma vespa muito comum no Cerrado, e complementa sua dieta predando larvas de besouros que se desenvolvem dentro de botões de flores. Fêmeas adultas de besouros curculionídeos, popularmente conhecidos como gorgulhos, perfuram o botão floral com seu ovipositor e colocam seus ovos dentro do botão, onde, ao eclodir, a larva vai se desenvolver protegida, se alimentando das partes reprodutivas da planta.
Devido ao tipo de desenvolvimento, essas larvas de besouros curculionídeos são chamadas de endofíticas, e infestam uma ampla variedade de plantas, sendo consideradas, em muitos casos, o herbívoro floral que mais causa danos a planta.
Apesar dos botões infestados pela larva endofítica serem praticamente indistinguíveis a olho nu dos demais botões saudáveis, a vespa B. lecheguana consegue identificá-los com uma precisão surpreendente, obtendo sucesso em encontrar e predar a larva endofítica em 93% das vezes em que abre um botão floral. Por meio destes dados e observações pessoais no campo, nos perguntamos: como essas vespas localizam os botões florais infestados do gorgulho com tanta precisão? A partir disso, nós hipotetizamos que a vespa poderia seguir pistas visuais, como as pequenas marcas deixadas pelo ovipositor no botão durante a colocação dos ovos, pistas olfativas ou até mesmo uma combinação das duas.
Para testar nossas hipóteses, montamos a seguinte manipulação experimental nas plantas:
● simulamos a pista visual, perfurando com um fino alfinete, imitando a marca de colocação dos ovos;
● para a pista olfativa, pincelamos os botões com um macerado feito de larvas do gorgulho;
● para a pista visual/olfativa, nós perfuramos e pincelamos com o macerado os botões.
Para todos os tratamentos também tivemos um grupo controle, uma forma de comparar os resultados e também de eliminar os fatores externos que podem influenciar o comportamento animal (Figura 2).
Feito isso, observamos o comportamento das vespas nos botões: se elas seriam “enganadas”, abrindo os botões com as pistas manipuladas.
Nós observamos que as vespas pousavam na maioria dos eventos em botões com as pistas manipuladas (visuais, olfativas e visual/olfativa), revelando que essas vespas seguem tanto pistas visuais quanto olfativas para encontrar botões infestados.
No entanto, ao tatear os botões com suas pernas e antenas, as vespas desistiram de abrir o botão. Essa nova observação nos levou a uma nova hipótese: será que além das pistas visuais e olfativas essas vespas também se utilizam de pistas táteis? Assim poderiam garantir seu sucesso na predação ao gastar energia abrindo um botão floral.
Voltamos às observações de campo, e dessa vez também de laboratório.
Descobrimos que os botões (sem manipulações) que as vespas pousavam e tateavam, mas não abriam, eram botões saudáveis, mostrando que ao tatear, a vespa sabia exatamente onde havia ou não larvas. Além disso, no laboratório de engenharia mecânica, nós testamos se os botões infestados pelas larvas emitiam ou não algum tipo de vibração devido aos movimentos da larva, utilizando um micro acelerômetro montado sobre um amplificador de vibrações. O amplificador detectou vibrações em 80% dos botões infestados e nenhuma vibração em botões saudáveis, evidenciando que botões infestados pela larva endofítica emitem vibrações que podem ser percebidas pelas vespas ao tateá-los.
Juntos, todos esses dados sugerem que a vespa B. lecheguana utiliza uma sequência de mecanismos eco-fisiológicos para encontrar a larva endofítica dentro do botão floral: visão, cheiro e o toque. O uso dessa combinação de pistas garante que a vespa obtenha alta taxa de predação dos besouros, podendo assim beneficiar indiretamente as plantas em uma floração futura, uma vez que essas vespas podem reduzir a infestação futura desses herbívoros florais..
Colaboração:
Isamara Mendes-Silva sobre a autora
Isamara é doutora em Ciências (Entomologia) pela Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP). Bióloga, professora e baiana. Aprecia os insetos, tendo interesse especial pelas formigas, e é apaixonada por literatura brasileira.
Artigo Original:
Mendes-Silva, I., Queiroga, D., Calixto, E. e colaboradores (2021). Multiple cues guarantee successful predation by a Neotropical wasp. Revista Behavior. http://dx.doi.org/10.1163/1568539X-bja10144
(Editoração: Fernando F. Mecca e Nathália A. Khaled)