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Apneia do sono: causas e efeitos

#Ciência et al. (Conteúdos repletos de informações científicas)

Saiba mais sobre a apneia, um dos principais distúrbios do sono

DESTAQUES:
• O sono é indispensável para que possamos manter o bom funcionamento de funções essenciais da nossa vida, como o humor, a memória e funções cognitivas;
• Inúmeros fatores podem influenciar negativamente a qualidade do sono, incluindo algumas condições médicas, dentre as quais a apneia do sono é uma das mais comuns;
• A apneia do sono é um distúrbio multifatorial, que é influenciada pelos componentes anatômicos, sensoriais e funcionais do sistema respiratório.

O sono é um estado de repouso da mente e do corpo caracterizado principalmente pela atividade sensorial relativamente inibida e atividade muscular reduzida. O sono é indispensável para que possamos manter o bom funcionamento de funções essenciais da nossa vida, como o humor, a memória e as funções cognitivas, pois é durante esse período sedentário que recuperamos a energia dos sistemas imunológico, nervoso, esquelético e muscular.

O sono pode ser dividido em dois tipos, baseando-se principalmente na atividade muscular e cerebral: sono não-REM e sono REM. A sigla REM vem do inglês “rapid eyes movement” ou “movimento rápido dos olhos”, que é uma das principais características do sono REM. Além disso, o sono REM apresenta menor atividade muscular em comparação ao sono não-REM, e grande atividade cerebral, que se assemelha ao estado de vigília. Ambos os estágios são de grande importância para restauração de nossa vitalidade, e se alternam de forma cíclica com base na profundidade do sono.

Sendo assim, para garantir que esse período de repouso está cumprindo seu papel, é muito importante que o sono tenha uma duração apropriada e que não seja interrompido. Sabemos, no entanto, que essa nem sempre é uma tarefa fácil. Inúmeros fatores podem influenciar negativamente a qualidade do sono, incluindo algumas condições médicas, dentre as quais se destaca, por ser muito comum, a apneia do sono.

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Figura 1. As fases do sono. Imagem: Physical Care.

A apneia do sono é caracterizada por um padrão de respiração interrompida durante o sono, com interrupção completa ou parcial do fluxo de ar, apesar do esforço respiratório contínuo, geralmente acompanhado por ronco alto. Ela afeta uma quantidade crescente de pessoas e os indivíduos afetados podem acordar várias vezes durante a noite e terem pouco ou nenhum sono de ondas lentas (estágio mais profundo do sono não-REM) e pouco tempo de sono REM, que são fases do sono relacionadas, respectivamente, com o descanso físico e manutenção das funções cognitivas, como a memória e a capacidade de aprender.

Este fato pode levar ao cansaço contínuo, aumento da suscetibilidade à depressão, e maior risco de doenças cardiovasculares e acidentes automobilísticos. A apneia do sono também pode levar à parada respiratória devido ao colapso das vias aéreas em indivíduos susceptíveis, o que bloqueia o fluxo normal de ar e, em casos graves, pode levar à morte.

Esse distúrbio do sono pode ser classificado em três tipos. No mais comum, chamado de apneia obstrutiva do sono (AOS), ocorre o estreitamento ou colapso repetitivo das vias aéreas durante o sono. Há também um tipo mais raro, chamado de apneia central do sono, em que a cessação da respiração é causada por comando ventilatório anormal que pode estar associado a outras condições médicas ou o uso de drogas. E ainda a apneia mista, que combina os dois tipos mencionados. Por ser um transtorno tão frequente (especialmente a AOS) e que pode ter consequências tão graves, diversos estudos tentam entender como e por que ele acontece.

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Figura 2. Esquema representando os principais componentes do trato respiratório, também chamado de vias respiratórias. Imagem: Wikipedia.

Embora as causas do transtorno variem muito entre os indivíduos, sabe-se que existem alguns importantes fatores fisiológicos que exercem grande influência sobre ele, como anatomia da via respiratória superior, resposta dos músculos dilatadores ao desafio respiratório, propensão a acordar devido ao aumento do impulso respiratório, estabilidade do sistema de controle respiratório e o potencial para alterações relacionadas ao estado no volume pulmonar. Além disso, é sabido que a obesidade, o sexo masculino e o envelhecimento são importantes fatores de risco pois a incidência da AOS é notadamente maior em homens e pessoas com mais de 65 anos, quando comparados com adultos mais jovens.

Para entender melhor esse distúrbio, devemos observar a complexidade das vias respiratórias superiores humanas. Elas constituem uma estrutura multifuncional envolvida em aspectos essenciais como a fala, deglutição e a passagem do ar. Para realizar todas essas atividades, os controles estruturais, musculares e neurais são muito importantes. Para permitir as mudanças de forma e os movimentos de fechamento envolvidos nessas atividades, é necessário um conjunto de músculos e tecidos moles, e a ausência de suporte rígido (suporte ósseo, por exemplo), o que, infelizmente, possibilita o colapso durante o sono.

Foi observado que pacientes com AOS comumente possuem vias aéreas estreitas, portanto mais propensas ao colapso do que vias mais largas, e também que esses pacientes possuem a organização e massa dos tecidos moles circundantes alteradas, o que também aumenta o risco de colapso, uma vez que essas condições podem limitar o tamanho do espaço interior da faringe, que é a principal cavidade das vias aéreas superiores por onde passa o ar.

Em relação a outras características anatômicas, como estruturas ósseas, alguns estudos iniciais relataram que pacientes com AOS apresentam anormalidades craniofaciais, como retrognatia (posição incomum da mandíbula), e micrognatia (mandíbula menor que o normal), que se correlacionam com a gravidade da AOS, mas análises mais recentes não encontraram diferença significativa nas estruturas ósseas entre indivíduos saudáveis e com apneia do sono. Em relação à genética, estudos mostram que existe uma ligação entre o histórico familiar e o desenvolvimento de AOS, tanto para pacientes obesos como não obesos.

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Figura 3. Esquema representando a entrada de ar nas vias aéreas superiores durante o sono. O ronco acontece quando há um bloqueio parcial e é comumente associado com episódios de apneia do sono. Imagem: Diersmann.

Além dos fatores citados, que estão diretamente ligados ao transtorno, podemos investigar os mecanismos relacionados aos fatores de risco mencionados: obesidade, envelhecimento e sexo masculino (embora a AOS também ocorra em mulheres, ela é comumente subdiagnosticadas nesse grupo devido a diferenças nos sintomas, e outros fatores socioculturais). Sabe-se que esses fatores de risco podem aumentar a incidência de AOS devido a sua influência nos fatores diretos previamente mencionados.

Pode-se indicar que mudanças na atividade do sistema nervoso central, deposição de gordura ao redor da via aérea faríngea e a deposição de gordura ao redor do abdome, levam a reduções na capacidade e volume pulmonar e comprometimento funcional dos músculos das vias aéreas superiores. No entanto, os mecanismos fisiológicos relacionados ao desenvolvimento e progressão da apneia do sono nesses grupos (homens, idosos e obesos) permanecem incertos.

Por fim, podemos inferir que a apneia do sono é um distúrbio multifatorial, que é influenciada pelos componentes anatômicos, sensoriais e funcionais do sistema respiratório. Embora tenha sido caracterizado, ainda há a necessidade de compreender mais sobre os componentes do transtorno e como eles interagem uns com os outros, a influência do sexo como fator de risco e os danos que a ausência temporária de oxigênio causada pela AOS pode causar ao indivíduo.

 

Colaboradores:

André Moreira Pessoni sobre o autor

André é bacharel em Informática Biomédica e mestre em ciências pela USP. Atualmente é aluno de doutorado em neurociências na Universidade Laval, Canadá. Trabalha com bioinformática e tenta unir os mundos da computação e da bioquímica. Sempre teve interesse em ser cientista e passou a fazer divulgação científica por prazer (o que logo se tornou uma necessidade).

 

Eduardo Domingos Borges sobre o autor

Biólogo e mestre em ciências pela USP. Trabalhou com biologia da reprodução, além de atuar como revisor e tradutor de trabalhos científicos. Tem interesse por diversas áreas da ciência e carinho especial pela divulgação científica. É cofundador da Ilha do Conhecimento e atualmente compõe sua equipe de gestão de conteúdo.

 

Referências:

Artigo científico intitulado “Sensorimotor nerve lesion of upper airway in patients with obstructive sleep apnea”, publicado na revista Respiratory Physiology & Neurobiology em 2021, de autoria de Duan, X., Li, M, Liu, F. e colaboradores.

Artigo científico intitulado “Pathophysiology of adult obstructive sleep apnea”, publicado na revista Proceedings of the American Thoracic Society em 2008, de autoria de Eckert, D. e Malhotra, A.

Artigo científico intitulado “Gender Issues in Obstructive Sleep Apnea”, publicado na revista Yale Journal of Biology and Medicine em 2021 de autoria de Geer, J. e Hilbert, J.

Artigo científico intitulado “Central Sleep Apnea”, publicado na revista Clinics in Geriatric Medicine em 2021, de autoria de Ishikawa, O. e Oks, M.

Artigo científico intitulado “Anatomy of pharynx in patients with obstructive sleep apnea and in normal subjects”, publicado na revista Journal of Applied Physiology em 1997, de autoria de Isono, S., Remmers, J., Tanaka, A., e colaboradores.

Artigo científico intitulado “Oxidative Stress and Inflammation Biomarker Expression in Obstructive Sleep Apnea Patients”, publicado na revista Journal of Clinical Medicine em 2021, de autoria de Maniaci, A., Iannella, G., Cocuzza, S., e colaboradores.

Artigo científico intitulado “Reduced evoked motor and sensory potential amplitudes in obstructive sleep apnea patients”, publicado na revista Journal of Sleep Research em 2016, de autoria de Mihali, M., Lušić, L., e Đogaš, Z.

Artigo científico intitulado “Effects of reclining posture on velopharyngeal closing pressure during swallowing and phonation”, publicado na revista Journal of Oral Rehabilitation em 2013, de autoria de Nakayama, E., Tohara, H., Hiraba, H., e colaboradores.

Artigo científico intitulado “Upper airway and soft tissue anatomy in normal subjects and patients with sleep-disordered breathing. Significance of the lateral pharyngeal walls”, publicado na revista American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine em 1995, de autoria de Schwab, R., Gupta, K., Gefter, W., e colaboradores.

Artigo científico intitulado “Obesity and obstructive sleep apnea: pathogenic mechanisms and therapeutic approaches”, publicado na revista Proceedings of the American Thoracic Society em 2008, de autoria de Schwartz, A., Patil, S., Laffan, A., e colaboradores.

Livro intitulado “Atlas of human anatomy”, publicado pela editora Elsevier em 2019, de autoria de Netter, F. 7ª ed.

(Editoração: Fernando F. Mecca)

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