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Aquecimento global afeta mecanismo fundamental para a regulação do clima do planeta

#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque na semana)

Pesquisa mostra a primeira evidência sólida do acúmulo de calor oceânico é capaz de desencadear o derretimento de gelo em regiões do Atlântico Norte.

Há um movimento das águas do oceano que é fundamental para a regulação do clima da Terra. Esse movimento consiste num mecanismo que leva águas quentes do hemisfério Sul para o hemisfério Norte, e traz águas frias do hemisfério Norte para o hemisfério Sul e é chamado de Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico. A Célula colapsou diversas vezes durante a última era glacial, que começou há cerca de 71 mil e terminou 12 mil anos antes do presente. Um estudo realizado de forma colaborativa entre um grupo alemão e brasileiro mostrou que o colapso desse mecanismo teve influência direta no processo de deglaciação e que o aquecimento global está ameaçando, novamente,  sua  eficiência. A pesquisa foi publicada em julho de 2022 na revista Nature Communications. 

aquecimento global
Iceberg na área de trabalho ao largo de Newfoundland, no Canadá, tendo ao fundo o navio de pesquisa. Fonte: Lars Max/Reprodução Agência FAPESP

Chiesse, co-autor do trabalho, explica que “Essa gigantesca circulação transporta, na superfície, águas quentes e de baixa densidade do Atlântico Sul para o Atlântico Norte. Nas altas latitudes do Atlântico Norte, essas águas superficiais liberam calor para a fria atmosfera. Com isso, ganham densidade e afundam na coluna de água. Uma vez nas profundezas, as águas agora frias e de alta densidade retornam para o sul, até os arredores da Antártica, onde voltam à superfície forçadas por um intenso processo de ressurgência.

Ao chegarem à superfície, as águas são aquecidas, perdem densidade e fecham a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico”. Além de transportar água, a célula também transporta energia. Estima-se que a quantidade de energia produzida pelo fenômeno é cerca de 100 mil vezes maior que a energia produzida pela usina hidrelétrica de Itaipu. A distribuição desta energia influencia  diretamente o clima em diversas regiões do planeta, onde a circulação vigorosa mantém o clima que conhecemos e, por sua vez, seu colapso causa uma marcante redistribuição de energia capaz de alterar o clima.

Diante disso, os pesquisadores fizeram reconstruções de temperatura e salinidade subsuperficiais do oceano (aproximadamente 150 m de profundidade da água) a partir de um núcleo de sedimentos coletados no Atlântico Norte subpolar ocidental. Esses sedimentos eram consistentes com depósitos de icebergs liberados em Eventos Heinrich  (fenômeno natural no qual grandes grupos de icebergs se desprenderam das geleiras e atravessaram o Atlântico Norte) da última era glacial.

Além disso, foi observado um padrão consistente de rápido aquecimento subsuperficial do oceano similar aos que precederam os eventos Heinrich identificados no mesmo núcleo dos últimos 27.000 anos. Isso significa que o padrão atual de aquecimento dos oceanos é similar ao encontrado na última era glacial, que interferiram no mecanismo da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico.

Em entrevista à Agência FAPESP, Chiessi, explicou que “Investigando sedimentos marinhos coletados entre o Canadá e a Groenlândia, descobrimos que, no passado, o aquecimento da subsuperfície oceânica daquela região fez com que as grandes geleiras que um dia cobriram os territórios que correspondem ao Canadá e ao norte dos Estados Unidos liberassem quantidades colossais de icebergs no Atlântico”. 

A extensão máxima do gelo glacial na área polar norte durante o período Pleistoceno (começou há cerca de 1.750.000 anos e terminou aproximadamente há dez mil anos) incluiu a vasta camada de gelo Laurentide no leste da América do Norte. Fonte: StringFixer

O manto de gelo Laurentide cobria a maior parte do Canadá e uma grande parte dos Estados Unidos durante a última era glacial, sendo esta região um sítio particularmente sensível da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico. Esse manto derreteu durante o período de deglaciação e o impacto ambiental global das desestabilizações desse manto no período glacial durante os eventos de Heinrich está bem documentado. No entanto, o mecanismo que impulsionou essas instabilidades, que estão relacionadas com o derretimento do manto de gelo, permanece indefinido.

Quando os icebergs soltos pelos eventos de Heinrich derreteram no oceano, eles depositaram grandes quantidades de água doce no Atlântico Norte e, com isso, também depositaram sedimentos continentais no fundo do oceano. Assim, o derretimento dos icebergs dessa região modificou a composição do oceano nas altas latitudes do hemisfério norte, refletindo em um impacto sobre o clima global. Esses resultados fornecem a primeira evidência sólida que demonstra que o acúmulo de calor oceânico desencadeou o derretimento de porções marinhas do manto de gelo Laurentide, seguido por eventos de Heinrich. 

Uma vez que os cientistas descobriram que aquecimento subsuperficial das altas latitudes do Atlântico Norte precedeu a liberação maciça de icebergs, foi possível estabelecer a sequência de eventos responsável pelo colapso da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico na última era glacial.

Em entrevista, Chiesse explicou o curso dos acontecimentos decorrentes do colapso: “O processo se inicia com um enfraquecimento aparentemente de menor relevância da Célula, que causa o aquecimento subsuperficial nas altas latitudes do Atlântico Norte. Este aquecimento derrete a base das geleiras com terminações oceânicas e faz com que elas se movimentem rapidamente em direção ao oceano, liberando quantidades colossais de icebergs. O derretimento dos icebergs diminui a salinidade das águas superficiais da região, que não atingem mais a densidade necessária para afundarem. E isso faz a Célula colapsar”.

A calota polar de Barnes, contendo restos do manto de gelo Laurentide. Fonte: StringFixer

O monitoramento atual da intensidade da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico mostrou seu enfraquecimento, sendo as três principais causas apontadas pelos pesquisadores. A primeira se refere a intensificação das chuvas nas altas latitudes do Atlântico Norte; a segunda ao derretimento da calota de gelo existente sobre a Groenlândia; e a terceira ao aquecimento da superfície do planeta.

As três causas estão associadas ao aumento da concentração dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera terrestre. Esses dados permitiram aos autores inferir que uma circulação oceânica mais fraca no futuro pode resultar em aquecimento acelerado do oceano do Atlântico Norte (subpolar), o que pode ser crítico para a estabilidade das geleiras árticas modernas e para as quantidades de água doce do Atlântico Norte. Com isso, a crise climática atual pode ser agravada.

 

Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora

Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.

 

Fontes:

Artigo científico intitulado “Subsurface ocean warming preceded Heinrich Events”, publicado na revista  Nature Communications em 2022, de autoria de Max e colaboradores. https://www.nature.com/articles/s41467-022-31754-x

Matéria no site Agência FAPESP, intitulada “Descoberto o mecanismo que pode provocar o colapso da grande circulação do Atlântico” publicada em 26/07/2022. https://agencia.fapesp.br/descoberto-o-mecanismo-que-pode-provocar-o-colapso-da-grande-circulacao-do-atlantico/39194/

Matéria no site StringFixer, intitulada “Evento Heinrich”. https://stringfixer.com/pt/Heinrich_event

Matéria no site StringFixer, intitulada “Lençol de gelo Laurentide”. https://stringfixer.com/pt/Laurentide_Ice_Sheet

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