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Complexo de proteínas ativado em pacientes graves de COVID-19 pode ser um alvo terapêutico

#Pesquisa ao seu alcance (Artigos científicos em linguagem simplificada)

Os inflamassomas são ativados em resposta à infecção por SARS-CoV-2 e estão associados à gravidade da COVID-19

DESTAQUES:

– Pacientes com COVID-19 possuem uma resposta inflamatória exacerbada, com liberação de moléculas denominadas citocinas na corrente sanguínea;

– Nos pulmões e no sangue de pacientes em quadros moderados e graves de COVID-19 está ativo o inflamassoma, um complexo de proteínas importante na indução de moléculas inflamatórias e presente na maioria das células do sistema imune;

– Proteínas do inflamassoma se correlacionaram com marcadores inflamatórios clássicos de pacientes com COVID-19 como a citocina IL-6 e a enzima lactato desidrogenase (LDH);

– Este trabalho foi o primeiro a demonstrar a atuação do inflamassoma na patogênese da COVID-19, apontando um possível novo alvo terapêutico para a doença.


Resumo

Os casos graves de COVID-19 são caracterizados por um forte processo inflamatório que pode levar à falência de órgãos e à morte do paciente. O complexo de proteínas denominado inflamassoma promove a inflamação por meio da quebra de proteínas e ativação de certas moléculas inflamatórias importantes. Embora existam especulações sobre a participação do inflamassoma na COVID-19, sua ativação e importância no desfecho da doença são desconhecidas. Neste trabalho, demonstramos que o inflamassoma NLRP3 é ativado em resposta à infecção por SARS-CoV-2 e é ativo em pacientes com COVID-19. Através da avaliação de pacientes com quadros moderados e graves de COVID-19, encontramos que o inflamassoma NLRP3 é ativo em células do sistema imune e nos tecidos obtidos daqueles que foram a óbito. Produtos derivados da ação do inflamassoma, como algumas moléculas inflamatórias presentes no soro dos pacientes, correlacionaram-se com os marcadores de gravidade de COVID-19. Além disso, níveis mais elevados dessas moléculas inflamatórias estão associados à gravidade da doença e ao desfecho clínico insatisfatório. Os resultados desse estudo sugerem que os inflamassomas participam do desenvolvimento da doença, indicando que podem ser um marcador de gravidade da doença e um potencial alvo terapêutico contra COVID-19.

 

Introdução

COVID-19 é uma doença inflamatória causada pelo vírus SARS-CoV-2, que pode se manifestar como um amplo espectro de sintomas que variam de poucos ou nenhum sintoma até pneumonia grave, com potencial de evoluir para síndrome de dificuldade respiratória aguda e morte. Embora os mecanismos moleculares que impulsionam a gravidade da doença permaneçam obscuros, já se sabe que os pacientes com COVID-19 possuem uma resposta inflamatória exacerbada, com liberação de moléculas inflamatórias denominadas citocinas na corrente sanguínea. A combinação de mediadores inflamatórios, tais como a citocina IL-6 e a enzima lactato desidrogenase (LDH, que participa do processo de produção de energia nas células) em casos graves, sugere que a inflamação excessiva é fundamental para um desfecho clínico ruim. A indução de processos inflamatórios na célula hospedeira muitas vezes requer o envolvimento de inflamassomas, que são plataformas de proteínas que se agregam no citosol das células em resposta a diferentes estímulos. O inflamassoma NLRP3, a mais estudada dessas plataformas, compreende uma molécula receptora que recruta a enzima caspase-1. A caspase-1 promove a ativação de outras proteínas, incluindo duas citocinas inflamatórias específicas denominadas IL-1β e IL-18. A participação dos inflamassomas na patogênese da COVID-19 permanece desconhecida. Entretanto, a presença de morte celular e produtos derivados de inflamassoma, como Casp1p20, IL-1β, IL-18 e LDH em soros de pacientes, sugere envolvimento do inflamassoma. Desta forma, a demonstração definitiva da participação do inflamassoma ainda se torna necessária visto que esses produtos podem ser produzidos por mecanismos independentes dessa plataforma.

 

Métodos

Os experimentos foram realizados em três etapas, a primeira sendo in vitro, a segunda utilizando amostras de pacientes e a terceira analisando tecidos de pacientes que foram a óbito por COVID-19. Para os experimentos in vitro, foi utilizado um tipo de células sanguíneas do sistema imune, os monócitos, de indivíduos saudáveis que foram infectados com SARS-CoV-2. Os monócitos foram primados com PAM3Cys ou mantidos sem “priming” e, após 24 horas foram avaliados os parâmetros de ativação do inflamassoma como IL-1β, a liberação de lactato desidrogenase (LDH) e ativação de caspase-1. 

Para os experimentos com amostras de pacientes, foi utilizado sangue fresco de indivíduos saudáveis ou pacientes com COVID-19. PBMCs (sigla em inglês para “células mononucleares do sangue periférico”) foram isoladas para a avaliação de ativação de caspase-1 além da presença de punctas, através de microscopia confocal

Além dos PBMCs de pacientes, foi também utilizado o soro de 124 pacientes para avaliação de citocinas por dois protocolos de imunoensaios que permitem a detecção de proteínas diversas. Foram realizadas análises de correlação entre estes dados e os dados clínicos dos pacientes.

Para avaliação da ativação do inflamassoma diretamente no pulmão de pacientes infectados foram obtidas amostras de tecido do pulmão de pacientes que faleceram de COVID-19. Para isso, foi avaliada a presença de inflamassoma NLRP3 por imuno-histoquímica, um imunoensaio que detecta antígenos específicos em tecidos, assim como por microscopia confocal desses tecidos.

 

Resultados e discussão

Inicialmente, monócitos humanos foram infectados com SARS-CoV-2 para avaliação da ativação do inflamassoma. Usando monócitos de doadores saudáveis, descobriu-se que a infecção por SARS-CoV-2 desencadeia a ativação da caspase-1 e a produção da citocina IL-1β. Interessante notar que a ativação da caspase-1 e a produção de IL-1β exigiram um vírus SARS-CoV-2 viável. É importante ressaltar que a ativação da caspase-1 induzida por SARS-CoV-2 e a produção de IL-1β foi inibida por MCC950, uma molécula inibidora seletiva de NLRP3. A liberação de LDH em resposta à infecção também foi mensurada e observou-se que o vírus SARS-CoV-2 desencadeia a liberação de LDH em monócitos por um processo que requer um vírus viável. No entanto, o tratamento com MCC950 não afetou a liberação de LDH, sugerindo que respostas independentes de NLRP3 operam para a indução de uma forma de morte celular induzida pelo vírus. Em seguida, a formação de punctas de NLRP3 e ASC foi medida nessas células e evidenciou-se que o SARS-CoV-2 desencadeia a formação de punctas em um processo que requer vírus viável. O MCC950 não inibiu significativamente a formação de punctas, sugerindo que possivelmente existem outros inflamassomas que podem ser ativados por SARS-CoV-2. Coletivamente, esses dados indicam que o SARS-CoV-2 infecta monócitos humanos e desencadeia a ativação de NLRP3 e uma forma lítica de morte celular. 

Em seguida, a ativação do inflamassoma foi avaliada no soro de pacientes com COVID-19. Foram testados os soros de 124 pacientes com COVID-19 obtidos no dia da hospitalização e comparados com soros de 42 controles, colhidos de indivíduos saudáveis. Foram observadas concentrações mais altas de moléculas inflamatórias como Casp1p20 e IL-18 no soro dos pacientes, sugerindo que o inflamassoma está ativo em pacientes com COVID-19. Além disso, as citocinas IL-6, IL-10, IL-4 estavam aumentadas em pacientes em comparação com os controles. Em seguida, a ativação do inflamassoma foi avaliada em PBMCs de 47 pacientes e 32 indivíduos saudáveis. Foi observado que, no dia da hospitalização, os PBMCs de pacientes apresentam uma porcentagem maior de células com caspase-1 ativa em comparação com controles saudáveis. Evidenciou-se também a presença de punctas em PBMCs, indicando a ativação do inflamassoma nos PBMCs de pacientes com COVID-19. A ativação da caspase-1 foi confirmada através de um ensaio de luminescência que demonstrou a presença dela ativa em 46 pacientes, quando comparada à baixa ativação da caspase-1 em doadores saudáveis. Por fim, IL-1β foi detectada nos PBMCs de alguns pacientes, mas não de doadores saudáveis, reforçando que há ativação do inflamassoma em PBMCs de pacientes com COVID-19.

Complexo de proteínas é ativado em pacientes graves de COVID-19, e pode ser um potencial alvo terapêutico
Figura: Ativação do inflamassoma em pacientes com COVID-19. O inflamassoma é ativo após infecção pelo SARS-CoV-2 nos pulmões e no sangue dos pacientes com COVID-19 e participa na gravidade e baixo prognóstico da doença. Imagem: adaptada de Rodrigues et al., 2020.


A ativação do inflamassoma também foi avaliada em tecidos pulmonares obtidos de autópsias de pacientes com COVID-19 que foram a óbito. Identificamos, nestes tecidos, células infectadas que expressam NLRP3. Além disso, quantificamos o número de punctas nos pulmões de 5 controles e 5 pacientes de COVID-19 e identificamos que os pacientes possuem maior número de punctas em comparação com os controles. 

Para a avaliação do impacto da ativação do inflamassoma no desenvolvimento clínico da doença, inicialmente, foram realizadas análises dos níveis de Casp1p20 e IL-18 no soro de 124 de pacientes obtidos no dia da internação. Foi encontrada uma correlação positiva dos níveis de Casp1p20 e/ou IL-18 com marcadores inflamatórios, entre eles a LDH. Como esperado, houve uma correlação positiva entre os níveis de Casp1p20 e IL-18. Em relação a comorbidades, os níveis de Casp1p20 e IL-18 são afetados em pacientes obesos quando comparados aos não obesos.

Posteriormente, investigou-se se os níveis de Casp1p20 e IL-18 medidos no dia da hospitalização se correlacionavam com o desfecho clínico da doença. Os níveis de IL-18 foram mais elevados em pacientes que necessitaram de ventilação mecânica (VM) em comparação com os pacientes que não necessitaram. Com a separação dos pacientes de acordo com a gravidade da doença (leve/moderada versus grave), descobriu-se que os níveis de Casp1p20 eram maiores em pacientes com a forma grave de COVID-19. Também observamos que os níveis de IL-18 foram maiores nos casos letais de COVID-19 em comparação com os sobreviventes. Por fim, foram realizadas análises da produção de IL-18 e Casp1p20 desde o dia da hospitalização por até 45 dias após a admissão. Os pacientes foram categorizados em óbito, recuperação leve (pacientes que foram hospitalizados, mas não necessitaram de VM e se recuperaram) e recuperação crítica (pacientes que necessitaram de VM na Unidade de Terapia Intensiva e se recuperaram). Este modelo previu uma diminuição na IL-18 em taxas semelhantes entre os três grupos, com pacientes que morreram apresentando níveis tão elevados que nunca atingiram os observados em pacientes com recuperação leve e recuperação crítica, reforçando que a magnitude da ativação do inflamassoma impacta no resultado da doença. 

Os resultados deste trabalho demonstram níveis elevados de Casp1p20 e IL-18 em pacientes, juntamente com a demonstração de punctas do inflassoma  NLRP3  em células do sistema imune de pacientes e em tecidos post mortem. Os achados sugerem que os inflamassomas são ativos em pacientes COVID-19, o que deve afetar o desenvolvimento da doença. Em resumo, os dados demonstram que o inflamassoma é fortemente ativo em pacientes com COVID-19 que requerem hospitalização. Acredita-se que tanto a magnitude da ativação do inflamassoma no dia da hospitalização quanto o curso da ativação do inflamassoma durante a hospitalização influenciam no resultado clínico.

Colaboração: Tamara Silva Rodrigues

sobre a autora

Artigo original

O texto apresentado é uma adaptação do artigo “Inflammasomes are activated in response to SARS-CoV-2 infection and are associated with COVID-19 severity in patients”, publicado pela revista Journal of Experimental Medicine em novembro de 2020, de autoria de Rodrigues, T., de Sá, K., Ishimoto, A., e colaboradores. O artigo original pode ser acessado nesse link.

(Editoração: Priscila Rothier, Fernando Mecca, Beatriz Spinelli e Caio Oliveira)

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