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Controle biológico: aplicação prática de estudos ecológicos

#Ciência et al. (Especiais temáticos repletos de informações científicas)

O conhecimento sobre interações naturais entre espécies é utilizado para realizar o controle biológico de pragas

Destaques:
– O controle biológico pode ser definido como o controle populacional, feito por outros organismos, de espécies nocivas a determinadas atividades econômicas ou ao bem-estar humano;
– O controle biológico é utilizado há mais de 3000 anos, mas estudos recentes permitiram um grande avanço na eficácia e na popularidade da técnica;
– Hoje mais de 300 produtos relacionados ao controle biológico na agropecuária estão registrados para uso comercial no Brasil;
– O uso do controle biológico apresenta vantagens ambientais e econômicas em relação ao uso de produtos químicos.

As redes ecológicas, também conhecidas como “teias alimentares”, representam o fluxo de matéria e energia dentro de uma comunidade de organismos. Observando-as, é fácil perceber um dos principais conceitos da ecologia: todas as espécies de um ecossistema são interdependentes. Apesar deste ser um conceito conhecido há bastante tempo, apenas recentemente pesquisadores passaram a aplicar o conhecimento aprofundado sobre as redes ecológicas e as interações biológicas entre as espécies para um fim bastante prático: o controle biológico.

O controle biológico pode ser amplamente definido como o controle populacional, feito por outros organismos, de espécies nocivas a determinadas atividades econômicas ou ao bem-estar humano. Nesse contexto, as espécies nocivas, também chamadas de espécies alvo, são principalmente representadas por ervas-daninhas ou outras pragas agrícolas, patógenos e/ou seus vetores causadores de doenças em espécies utilizadas para a atividade agropecuária, e patógenos e/ou seus vetores causadores de doenças em humanos. Os agentes de controle biológico (ACB), por sua vez, são qualquer organismo ou microrganismo que tenha uma interação antagônica com a espécie alvo, ou seja, são seus predadores, parasitoides ou patógenos. Essas relações estão resumidas na figura a seguir.

efeitos do controle biológico e aplicação da ecologia na agricultura
Diagrama representando as interações entre o agente de controle biológico (ACB), espécie alvo, humanos e seus recursos. Linhas sólidas indicam efeitos diretos, linhas tracejadas indicam efeitos indiretos, pontas de seta indicam efeitos positivos, e pontas redondas indicam efeitos negativos. Imagem modificada de Heimpel, G., & Mills, N. (2017).


A forma como os ACB estão inseridos nesse sistema determina ainda se o controle biológico ocorre de forma natural, direta ou indireta, esquematizados na figura abaixo.

Efeitos diretos, naturais e indiretos do controle biológico
Diagrama representando as formas (a) naturais, (b) diretas e (c) indiretas de controle biológico. O esquema de linhas e pontas segue o padrão da imagem anterior. Modificada de Heimpel, G., & Mills, N. (2017).


No primeiro caso, não há qualquer influência humana na interação entre o ACB e a espécie alvo. Por esse motivo, muitas vezes o controle biológico natural não é considerado como parte do sistema de produção, mas um estudo de 2006 estimou que, somente nos EUA, a ação de insetos nativos sobre outros insetos considerados como pragas nas lavouras é responsável por um ganho anual de 4,5 bilhões de dólares na forma de aumento da produção e economia com inseticidas. No contexto agropecuário, esse tipo de controle biológico pode ser estimulado, por exemplo, pela diminuição do uso ou pela mudança na composição de inseticidas, a fim de não diminuir a população de organismos que atuem como ACB.

O controle biológico direto é o mais popular e acontece quando os ACB são deliberadamente inseridos no sistema pela ação humana. Isso pode ser feito de duas formas: em uma delas, chamada de clássica ou de importação, a população de inimigos naturais de uma determinada praga, geralmente exótica, é introduzida ou estimulada em um sistema a fim de estabelecer um equilíbrio entre as duas espécies, resultando numa solução duradoura do problema. Na outra (indutiva ou de aumento), uma grande quantidade de organismos que atuam como ACB da praga em questão é liberada no sistema para uma ação rápida, que geralmente precisa ser repetida com uma certa frequência. Um dos exemplos mais conhecidos é a liberação de joaninhas para o controle da população de pulgões.

Já o controle indireto, como o nome sugere, é realizado pela ação humana indireta sobre a população de ACB. Esse método, também chamado de controle biológico de conservação, envolve a modificação do ambiente em que o sistema está inserido, a fim de estimular a entrada ou o aumento da população das espécies desejadas. Alguns exemplos incluem o plantio de uma mata auxiliar para diminuir a população de insetos nas lavouras, o plantio de espécies florais que atraem insetos que podem ser seus competidores, ou ainda a instalação de ninhos artificiais para atrair aves predadoras de pragas.

Controle biológico direto utilizando joaninhas como predadores
As joaninhas são predadores naturais de diversos pequenos artrópodes considerados pragas agrícolas, como pulgões e ácaros. Sua liberação em massa nos sistemas agrícolas é um dos principais exemplos de controle biológico direto. Imagem: pixabay.com.


Apesar da aplicação e principalmente dos estudos aprofundados sobre o tema serem bastantes atuais, o conceito de controle biológico e seu uso de forma rudimentar existem há alguns milhares de anos. Uma passagem em documento egípcio, datado do século XVI a.C., indica que os gatos eram apreciados por
sua habilidade de caçar roedores. Esses predadores podem ou não terem sidos usados intencionalmente para controlar essas pragas, mas certamente tiveram um papel importante no controle de sua população. Já um dos primeiros exemplos concretos do uso do controle biológico intencional pela humanidade é de cerca de três mil anos atrás, quando chineses faziam a inserção de ninhos de formigas nas plantações para o controle de larvas de besouros e outras pragas que prejudicavam a colheita.

O início do desenvolvimento da prática como conhecemos hoje ocorreu na década 1880 nos EUA, no estado da Califórnia. No Brasil, o controle biológico passou a ganhar mais destaque a partir da década de 1970. Um dos exemplos de maior sucesso é o uso do fungo Metarhizium anisopliae para controlar a cigarrinha-da-cana-de-açúcar (Mahanarva fimbriolata). Hoje, mais de 300 produtos relacionados ao controle biológico na agropecuária estão registrados para uso comercial no país. O controle biológico, no entanto, não está limitado ao uso no campo. Recentemente, o Brasil testou e iniciou a implementação de uma estratégia para a diminuição da população de mosquitos Aedes aegypti, que são transmissores da dengue e de diversas outras doenças, que consiste na liberação de mosquitos machos estéreis na natureza para impedir que as fêmeas ponham ovos viáveis, diminuindo assim o número de indivíduos e, consequentemente, de humanos infectados.

Aedes aegypti controle biológico na saúde publica e prevenção da dengue
Mosquitos Aedes aegypti estéreis sendo liberados por agentes de saúde em cidade do Recife como uma estratégia de controle da população desse importante vetor de doenças. Imagem: Andréa Rêgo Barros/PCR (https://www.diariodepernambuco.com.br)


Pelo fato de utilizar seres vivos, em alguns casos geneticamente modificados, os produtos de controle biológico ainda sofrem uma certa “resistência cultural” por parte da sociedade. De fato, a introdução inadvertida de espécies exóticas em um ambiente pode se tornar um problema grave, por esse motivo, são necessários estudos muito bem detalhados para o desenvolvimento e implementação de produtos de controle biológico seguros. Além disso, são necessários alguns cuidados especiais no seu transporte, armazenamento e principalmente durante as aplicações para garantir sua eficácia. No entanto, o uso adequado de produtos de controle biológico, tanto no campo, como nas cidades, tem vantagens claras em relação ao uso de produtos químicos como agrotóxicos e inseticidas. Por se tratar de interações ecológicas já presentes na natureza, as chances de causar um desequilíbrio no sistema ou intoxicações acidentais são amplamente minimizadas. Em muitos casos, nota-se também uma vantagem econômica em relação aos métodos de controle mais tradicionais, especialmente se for considerado o valor dos serviços ecossistêmicos envolvidos
.

Sendo assim, promover e incentivar estudos ecológicos é um caminho promissor para melhor compreender a interação entre as espécies e o ecossistema em que estão inseridas, o que, por sua vez, pode resultar no aprimoramento das técnicas de controle biológico, bem como contribuir com a sua popularização.

Colaboração: Eduardo Domingos Borges sobre o autor
*Agradecimentos do autor:
Decoy Smart Control (Website) pela revisão do texto e parceria com a Ilha do Conhecimento.

 

Fontes consultadas:

Artigo científico intitulado “Characterizing ecological interaction networks to support risk assessment in classical biological control of weeds”, publicado na revista Current Opinion in Insect Science em 2020, de autoria de Ollivier, M.; Lesieur, V.; Raghu, S.; e colaboradores;

– Capítulo de livro intitulado “Biological Control: Ecology and Applications”, publicado pela editora Cambridge University Press em 2017, de autoria de Heimpel, G. e Mills, N.;

– Texto de divulgação científica intitulado “Você já ouviu falar em controle biológio? Conheça sua história!”, publicado em MilkPoint (Website), de autoria de Bárbara Matos do Prado;

Texto de divulgação científica intitulado “Você sabe o que é controle biológico? Conheça esse grande aliado na produção de alimentos saudáveis”, publicado em MilkPoint (Website), de autoria de Marcus Vinicius Wendel Jordão.

(Editoração: Beatriz Spinelli e Caio Oliveira)

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