#Farol de Notícias (Atualidades científicas que foram destaque no jornalismo da semana)
A pesquisa revelou a ocorrência de alterações psiquiátricas e cognitivas em sobreviventes de formas moderadas ou graves de COVID-19
Há uma lacuna no entendimento da morbidade (taxa de incidência de uma doença) psiquiátrica e neuropsicológica aguda e crônica entre as vítimas de COVID-19. Assim, motivados por essa lacuna de evidências sobre a incidência neuropsiquiátrica relacionada ao COVID-19, os pesquisadores do estudo buscaram a implementação de protocolos de avaliação de sintomas mais refinados para abordar esse assunto com maior profundid30de. O estudo foi realizado no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e contou com 425 pacientes que se recuperaram das formas moderada e grave da COVID-19. Os resultados foram publicados na revista General Hospital Psychiatry.
A incidência de distúrbios psiquiátricos e cognitivos após a infecção por SARS-CoV-2 pode surgir de vários fatores. O conjunto dessas disfunções mentais vem sendo chamado de síndrome pós-aguda de COVID-19 (PACS) ou “COVID longo”, que muito se deve a um estresse psicossocial que desencadeia nos pacientes algum sofrimento emocional. Além disso, há evidências neuropsiquiátricas que mostram que pacientes acometidos pela doença apresentam sintomas de comprometimento mental e cognitivo, sendo este um quadro clínico chamado de ‘’neurocovid’’.
Com o objetivo de entender a incidência de doenças neuropsicológicas em vítimas da COVID-19, os autores do estudo tiveram dois objetivos centrais: 1) averiguar o estado mental e cognitivo dos sobreviventes de COVID-19 após 6 a 9 meses do episódio agudo, com ênfase na avaliação de pacientes que se recuperaram de formas moderadas ou graves da doença com necessidade de internação; 2) determinar até que ponto esses comprometimentos estavam correlacionados com a gravidade da doença aguda, além de observar a ocorrência de eventos estressantes relacionados à pandemia de COVID-19, tentando prever possíveis variáveis associadas a uma pior morbidade neuropsiquiátrica.
Para isso, os pesquisadores avaliaram 425 adultos durante 6 a 9 meses após a alta hospitalar. Foram feitas entrevistas psiquiátricas estruturadas, com questionários padronizados usados no diagnóstico de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, e testes psicométricos, que visam medir as capacidades cognitivas dos indivíduos. Dentre as habilidades, foram avaliadas memória, atenção, fluência verbal e orientação espaço-temporal. Por fim, um grande conjunto multidisciplinar de dados clínicos que descrevem a fase aguda da doença, juntamente com variáveis psicossociais relevantes, foram usados para prever resultados psiquiátricos e cognitivos a partir de metodologias estatísticas.
De modo geral, os resultados mostraram alta prevalência de déficits cognitivos e transtornos psiquiátricos. Mais da metade dos pacientes relatou declínio de memória (51,1%). Os diagnósticos de depressão, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno de estresse pós-traumático foram atribuídos a 8%, 15,5% e 13,6% da amostra, respectivamente. A morbidade de transtorno de ansiedade generalizada e depressão foram superiores à média brasileira (8% e 4 a 5%, respectivamente). Os autores descreveram também um “transtorno mental comum”, que envolve sintomas de depressão e ansiedade, irritabilidade, fadiga, insônia, dificuldade de memória e concentração no grupo estudado (32,2%). Este número foi maior do que o relatado para a população geral brasileira (26,8%) em estudos epidemiológicos.
Rodolfo Damiano, médico residente do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e primeiro autor do artigo, explica que resultados psiquiátricos ou cognitivos não foram associados a nenhuma variável clínica relacionada à gravidade da doença em fase aguda, nem a estressores psicossociais relacionados à doença, como a relação da conduta clínica adotada no período de hospitalização ou com fatores socioeconômicos, como perda de familiares ou prejuízos financeiros durante a pandemia de Covid-19.
O professor Eurípedes Constantino Miguel Filho, coordenador do trabalho, enfatiza que uma das preocupações era entender a relação entre o SARS-CoV-2 e a doença por ele causada têm impacto a longo prazo, ocasionando manifestações tardias no sistema nervoso central. Assim, por não ter sido observada uma correlação entre a condição psiquiátrica e a magnitude da doença na fase aguda ou fatores psicossociais, assim como a observação de perdas cognitivas, os dados corroboram com a hipótese de que alterações tardias relacionadas à infecção pelo SARS-CoV-2 teriam papel na origem dos transtornos e que o vírus tem ação no sistema nervoso central.
Este é o primeiro estudo a acessar as taxas de morbidade psiquiátrica e cognitiva no desfecho a longo prazo após formas moderadas ou graves de COVID-19 usando medidas padronizadas. Os próximos passos visam avaliar o perfil de citocinas (proteínas envolvidas com a resposta inflamatória) para descobrir se há correlação entre o grau de inflamação durante a fase aguda da COVID-19 e o desenvolvimento de sintomas neuropsiquiátricos. Isso vai possibilitar estudos com drogas inibidoras de interleucinas (um tipo de citocina) para prevenir o aparecimento ou o agravamento de sintomas psiquiátricos.
Colaboração: Iasmin Cartaxo Taveira sobre a autora
Iasmin Taveira queria ser cientista desde criança e acredita que tornar o conhecimento acessível é o melhor jeito de promover desenvolvimento social. É Biotecnologista pela UFPB, mestre e doutoranda em bioquímica na FMRP/USP.
Fontes e mais informações sobre o tema:
Artigo científico intitulado “Post-COVID-19 psychiatric and cognitive morbidity: Preliminary findings from a Brazilian cohort study”, publicado na revista General Hospital Psychiatry em 2022, de autoria de Damiano e colaboradores. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0163834322000020#!
Matéria no site CNN, intitulada “Estudo revela como pacientes desenvolvem problemas psiquiátricos após Covid-19”, publicado em 08/02/2022. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/estudo-revela-como-pacientes-desenvolvem-problemas-psiquiatricos-apos-covid-19/?utm_source=social&utm_medium=instagram-feed&utm_campaign=saude-cnn-brasil&utm_content=imagem