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É possível prolongar nossa longevidade?

#Ciência et al. (Especiais temáticos repletos de informações científicas)

Apesar da inevitabilidade da morte, estudos podem desenvolver terapias para estender a vida com saúde a partir da compreensão da evolução genética da longevidade das espécies

Destaques:
– Pesquisas mostram que é possível manipular a expectativa de vida de animais em laboratório;
– O envelhecimento é um fenômeno com diversas causas, que vão desde o nível molecular até a escala de um organismo;
– Teorias evolutivas sugerem que a extensão ou a redução da longevidade podem aumentar ou diminuir o valor adaptativo de certa população, sendo que o próprio tempo de vida médio de uma espécie pode ser alvo de seleção natural.

A morte é a única certeza da vida. A busca pela imortalidade tem sido contemplada pela humanidade desde seus primórdios e continua inspirando grandes pensadores e escritores. A Epopeia de Gilgamés, com trechos registrados em tábuas de argila que datam de quatro mil anos atrás, conta a história de um herói que, ao perder um grande companheiro, inicia uma jornada em busca da vida eterna. Durante a Idade Média, alquimistas ansiavam sintetizar a Pedra Filosofal, cujo elixir estenderia a longevidade de quem dele bebesse. A série de livros de ficção Harry Potter, lançada entre os anos de 1997 e 2007, além de se referir à mesma pedra, menciona três itens denominados Relíquias da Morte, que também tornariam seu possuidor um ente imortal. Apesar de permear distintas culturas em diversos momentos da História, a seguinte pergunta ainda não foi respondida pela humanidade: é possível viver indefinidamente?

Ao longo da segunda metade do século XX, cientistas realizaram diversos experimentos com vermes da espécie Caenorhabditis elegans, descobrindo diversos tratamentos que podem aumentar a longevidade desses animais, incluindo exposição a menores temperaturas, remoção do sistema reprodutor ou redução da quantidade de calorias ingeridas. De fato, existem registros da década de 1930 – em um estudo concebido para entender possíveis consequências da Grande Depressão da Bolsa de Nova Iorque em 1929 – relatando que camundongos submetidos à redução calórica também apresentam maior longevidade. A restrição calórica é o tratamento que efetivamente aumenta a longevidade de seres vivos de diversas espécies, desde leveduras unicelulares, passando pela mosca drosófila e mamíferos como os camundongos, sendo um mecanismo conservado ao longo da evolução. 

A fim de compreender a fisiologia destas respostas, pesquisadoras e pesquisadores utilizam um processo engenhoso: eles selecionam indivíduos de uma espécie com uma mutação genética específica e submetem estes indivíduos a um tratamento, como a restrição calórica. Caso o animal não apresente um aumento em sua longevidade, podemos supor que o gene que apresenta a mutação é essencial para que a restrição calórica provoque um maior tempo de vida.

Com esta estratégia, já desvendamos diversos processos moleculares que podem estender a vida dos animais testados. Atualmente, já conhecemos mutações que podem aumentar o tempo de vida médio de indivíduos da espécie C. elegans até dez vezes. Entretanto, o tempo para maturação das larvas também aumenta em até três vezes, e os indivíduos adultos são menos resistentes às temperaturas da faixa de 35ºC.

Os ratos-topeira-pelados (Heterocephalus glaber) são animais com um período de vida muito mais longo do que o de indivíduos de espécies semelhantes, podendo atingir em torno de 30 anos de vida. Imagem: Zoológico Nacional Smithsonian’s

Após décadas experimentando diferentes tratamentos e catalogando o tempo de vida médio de animais, nove processos foram associados ao envelhecimento do organismo. Tais processos podem acelerar o desgaste do organismo quando intensificados, ou retardar o declínio da saúde quando inibidos. Eles estão divididos em três grupos de causas do envelhecimento, abrangendo as causas “primárias”, as causas “antagônicas” e as causas “integrativas”. As causas ditas “primárias”, que desencadeiam a deterioração do organismo a nível molecular, são (1) instabilidade do DNA, (2) disfunção dos telômeros, (3) alterações epigenéticas e (4) diminuição da proteostase. As causas “antagônicas”, que podem estar associadas a efeitos benéficos no organismo, mas geram problemas crônicos são (5) detecção desregulada de nutrientes, (6) disfunção mitocôndrial e (7) senescência celular. E as causas “integrativas”, que surgem como produto das causas primárias e antagônicas, são (8) exaustão de células tronco e (9) alterações na comunicação entre células.

Além de observar tratamentos que podem estender a longevidade em condições laboratoriais, cientistas também estudam animais que apresentam alta expectativa de vida, quando comparados com indivíduos de espécies distintas, mas que apresentam diversas semelhanças. O rato-toupeira-pelado é um roedor que constrói túneis subterrâneos, vivendo longe do alcance de predadores por até trinta anos. Outros roedores do mesmo porte, como camundongos, vivem cerca de quatro anos. O tubarão da Groenlândia, que vive no norte do Oceano Atlântico, tem um ciclo de vida extremamente longo, atingindo a maturidade sexual, em média, aos 100 anos. O mais velho vertebrado conhecido pertence a esta espécie, com uma idade estimada de aproximada de 400 anos. Larvas de abelha, quando alimentadas com geleia real, se desenvolvem em abelhas rainhas e podem viver até 20 vezes mais do que as abelhas operárias, que se alimentam de pólen, néctar e mel. A água-viva da espécie Hydra vulgaris pode converter suas células em células-tronco em situações de estresse, e viver indefinidamente – a não ser que elas contraiam uma doença ou sejam ingeridas por um predador.

O tubarão da Groenlândia (Somniosus microcephalus) é outro animal com um período de vida muito mais longo do que o de indivíduos de espécies semelhantes, podendo atingir em torno de 400 anos de vida. Imagem: Hemming1952/Creative Common

Como é possível que encontremos uma diferença tão grande na expectativa de vida de espécies distintas na natureza? Além disso, como uma mutação que desativa um gene pode estender o tempo de vida de um indivíduo? De um ponto de vista evolutivo, diferentes espécies animais surgiram de um mesmo ancestral comum, cujos descendentes deram origem a populações distintas. Cada população foi selecionada de forma que indivíduos com uma expectativa de vida maior ou menor se reproduziram com mais eficiência, culminando com esta variação que encontramos nos diversos ecossistemas do globo terrestre. Este tema ainda é debatido nas comunidades científicas, mas algumas teorias têm ganhado aceitação ao longo das últimas décadas. A “teoria da pleiotropia antagônica” considera a existência de genes benéficos no início da vida que maximizam o número de descendentes, mas que podem se tornar prejudiciais a longo prazo e causar a morte do indivíduo. Já a “teoria da soma descartável” se baseia no fato de um organismo alocar mais energia à reprodução ao inibir certos mecanismos de reparo em células somáticas. Certos grupos também propuseram uma “teoria fractal do envelhecimento”, fazendo alusão aos fractais, objetos matemáticos que possuem a mesma estrutura em diversas escalas. Sob esta perspectiva, a queda funcional característica do envelhecimento se apresenta nos diversos níveis de organização da vida, desde o nível molecular, passando pelo nível celular, até o nível individual. Da mesma forma, mecanismos de reparo que aceleram ou retardam a acumulação destes danos também existem em diversos níveis – e podem ser explorados clinicamente de forma a estendermos nossa própria longevidade.

Após décadas de observação e experimentação, como podemos transpor este conhecimento para nós, Homo sapiens? Dado que grandes descobertas no campo do envelhecimento foram realizadas há menos tempo do que a expectativa média de seres humanos, ainda é necessário realizar testes cautelosos para entender quais mecanismos também se aplicam em humanos. Atualmente, testes são realizados em pacientes que apresentam doenças relacionadas ao envelhecimento, como involução do timo, fibrose pulmonar ou diversos tipos de câncer. Também existem iniciativas catalogando mutações de genes presentes em populações de pessoas centenárias, visando determinar a base genética da longevidade e inspirar novos tratamentos. Enquanto buscamos tratamentos seguros para humanos, a melhor forma de viver por mais tempo é seguir um estilo de vida saudável, com uma alimentação balanceada e exercícios físicos ou, como dito pelo Prof Dr João Pedro Magalhães, da Universidade de Liverpool, apostar na loteria genética e escolher pais e avós longevos.

Também é importantíssimo aproveitar o tempo antes da implementação de terapias de extensão de longevidade para discutir seus impactos em nossa sociedade. É possível haver um aumento na desigualdade social em virtude de um intervalo de longevidade? A extensão indefinida da vida deve ser um direito garantido a todas as camadas da população – talvez sendo até mencionada na Declaração Universal dos Direitos Humanos? Pessoas que aderem às terapias que reduzem a incidência de doenças podem pagar taxas de plano de saúde reduzidas? Por outro lado, os planos de saúde podem exigir que seus assegurados se submetam a certas terapias com o intuito de reduzir seus custos? Como podemos criar um sistema previdenciário sustentável quando as pessoas vivem por mais tempo? Cada uma destas perguntas merece uma profunda discussão entre diferentes grupos da sociedade – e é imperativo encontrar soluções coletivas antes que estas soluções sejam encontradas por nós.

Colaboração: José Américo Nabuco Leva Ferreira de Freitas sobre o autor

Fontes consultadas:

– Matéria na Folha de São Paulo – Suplemento Ilustríssima intitulada “Cozinho, logo existo”, publicada em 21/07/2013 de autoria de Suzana Herculano Houzel. (Matéria);

Verbete “Epic of Gilgamesh” da enciclopédia Britannica. (Enciclopédia);

– Verbete “Philosopher’s Stone” da enciclopédia Britannica. (Enciclopédia)

Livro “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, de autoria de Rowling, J. K., publicado pela editora Editora Rocco em 2000. 1a ed.

Livro “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, de autoria de Rowling, J. K., publicado pela editora Editora Rocco em 2007. 1a ed.

Artigo científico intitulado “Remarkable longevity and stress resistance of nematode PI3K‐null mutants”, publicado na revista Aging Cell em 2007, de autoria de Ayyadevara, S.;  Alla, R.; Thaden, J. J. e colaboradores. (Artigo);

Artigo científico intitulado “The first long-lived mutants: discovery of the insulin/IGF-1 pathway for ageing”, publicado na revista Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences em 2011, de autoria de Kenyon, C. J. (Artigo);

Artigo científico intitulado “The genetics of ageing”, publicado na revista Nature em 2010, de autoria de Kenyon, C.J. (Artigo);

Vídeo “Controlar o tempo de vida”, de autoria do Professor Doutor João Pedro Magalhães e da organização TEDx. (Vídeo);

Vídeo “Experiências que dão pistas para vidas mais longas”, de autoria da Doutora Cynthia Kenyon e da organização TED. (Vídeo);

Matéria intitulada “Death–defying experiments”, publicado na revista Science em 2015, de autoria de Cohen, J. (Matéria);

Matéria intitulada “Feature: A dog that lives 300 years? Solving the mysteries of aging in our pets”, publicado na revista Science em 2015, de autoria de Grimm, D. (Matéria);

Artigo científico intitulado “The hallmarks of aging”, publicado na revista Cell em 2013, de autoria de López-Otín, C.; Blasco, M. A.; Partridge, L. e colaboradores. (Artigo);

– Artigo científico intitulado “Naked mole-rat mortality rates defy Gompertzian laws by not increasing with age”, publicado na revista eLife em 2018, de autoria de Ruby, J.G.; Smith, M.; Buffenstein, R. (Artigo);

Artigo científico intitulado “Mortality patterns suggest lack of senescence in Hydra (1998)”, publicado na revista Experimental Gerontology em 1998, de autoria de Martínez, D.E. (Artigo);

– Artigo científico intitulado “Eye lens radiocarbon reveals centuries of longevity in the Greenland shark (Somniosus microcephalus)”, publicado na revista Science em 2016, de autoria de Nielsen J.; Hedeholm, R. B.; Heinemeier, J. e colaboradores. (Artigo);

Artigo científico intitulado “Longevity extension of worker honey bees (Apis mellifera) by royal jelly: optimal dose and active ingredient”, publicado na revista PeerJ em 2017, de autoria de Yang, W.; Tian, Y.; Han, M. e colaboradores. (Artigo);

Artigo científico intitulado “Evolutionary ideas on the nature of aging”, publicado na revista Advances in gerontology em 2011, de autoria de Moskalev, A. (Artigo);

Artigo científico intitulado “Reversal of epigenetic aging and immunosenescent trends in humans”, publicado na revista Aging Cell em 2019, de autoria de Fahy, G. M.; Brooke, R. T.; Watson J.P. e colaboradores. (Artigo);

Artigo científico intitulado “mTOR Signaling in Growth, Metabolism, and Disease”, publicado na revista Cell em 2017, de autoria de Saxton, R. A.; Sabatini, D.M. (Artigo);

– Artigo científico intitulado “mTOR is a key modulator of ageing and age-related disease”, publicado na revista Nature em 2013, de autoria de Johnson, S.C.; Rabinovitch, P.S.; Kaeberlein, M. (Artigo);

– Artigo científico intitulado “Senolytics in idiopathic pulmonary fibrosis: Results from a first-in-human, open-label, pilot study”, publicado na revista The Lancet em 2019, de autoria de Justice, J. N.; Nambiar A.M. (Artigo).

(Editoração: Priscila Rothier, Beatriz Spinelli e Caio Oliveira)

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