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Entenda como são estudadas as emoções expressas pelas vocalizações dos quatis
DESTAQUES: – Quatis Sul-Americanos que vivem próximos às habitações humanas podem ser condicionados a comerem alimentos humanos e a se ensaboarem para aliviar as coceiras das picadas de pulgas e carrapatos; – O primeiro registro científico de quatis (Nasua narica) esfregando substâncias no corpo (unção) foi feito em 1993 – até então, o comportamento era conhecido somente entre os primatas; – A possível ausência de plantas com propriedades analgésicas no ambiente onde os quatis vivem, combinada com a interferência humana, são fatores que favorecem à unção com produtos humanos tóxicos ao invés de substâncias naturais. |
No Brasil, é possível que você encontre quatis (Nasua nasua) chilreando pela floresta, emitindo sons parecidos com o canto dos pássaros ao entardecer. Esta espécie de carnívoro tem despertado interesse por causa do seu comportamento social, comunicação acústica e comportamento na construção de ninhos arbóreos. Devido à diversidade de comportamentos e à curiosidade admirável dos quatis Sul-Americanos, eles podem viver perto de habitações humanas e serem condicionados não apenas a comer alimentos antropogênicos, mas, adivinhe só, esfregarem-se com sabão de cinzas também. Este comportamento, denominado unção, foi descoberto pela Dra. Patrícia Monticelli (Universidade de São Paulo, Brasil), pelo Dr. Andrés Pérez-Acosta (Universidad del Rosario, Colômbia) e por mim, Aline Gasco, ao estudarmos uma população de quatis habitantes da Ilha do Campeche, no Sul do Brasil.
O comportamento de unção descoberto na população de quatis (Nasua nasua) da Ilha do Campeche, Ilha de Santa Catarina, SC, Brasil. Vídeo: Gasco, A.; Pérez-Acosta, A. e Monticelli, P. (2021)
Primatologistas brasileiros já haviam registrado o comportamento de unção com frutas cítricas, formigas e aracnídeos entre macacos-prego. No entanto, a descoberta do comportamento de unção em quatis Sul-Americanos nos diz que este ato não é exclusivo dos primatas. No caso das espécies de quati, o Dr. Matthew Gompper registrou, pela primeira vez em 1993, o quati Norte-Americano (Nasua narica) esfregando resina da árvore Trattinnickia aspera nos pelos em contextos de limpeza e catação de ectoparasitas. Contudo, Dr. Gompper focou somente na descoberta da resina com potencial medicinal para utilização humana. Portanto, acreditamos que somos os primeiros cientistas a documentarem uma espécie de quati Sul-Americana exibindo o comportamento de unção.
As implicações etológicas do comportamento curioso de unção da população de quatis (Nasua nasua) da Ilha do Campeche (Ilha de Santa Catarina, SC, Brasil), explicadas pela perspectiva da Etologia de Automedicação, pelo psicólogo comportamental Dr. Andrés.
No repertório comportamental dos quatis Sul-Americanos, você verá duas variantes do comportamento de catação. A primeira consiste na remoção de ectoparasitas de si próprio e a segunda consiste na remoção de ectoparasitas do outro, chamado de alo-catação. O comportamento de alo-catação, além da limpeza, também promove o fortalecimento dos laços sociais entre os membros do grupo. Quando tais contextos foram observados na Ilha do Campeche, em Santa Catarina, o compartilhamento da espuma de sabão de cinzas caracterizou a unção social, enquanto ungir-se individualmente foi considerado como auto-unção. Discutindo com outros pesquisadores brasileiros, aprendemos que os quatis também podem ungirem-se com resina das árvores, invertebrados masserados e fezes de predadores. Os quatis são carnívoros sociais que, aparentemente, ungem-se com espuma de sabão de cinzas e substâncias extraídas de plantas para aliviarem o desconforto causado pelas picadas de pulgas e carrapatos.
Há um número crescente de relatos anedóticos, em todo o país, sobre a unção de quatis Sul-Americanos com produtos utilizados para limpeza. Este comportamento de unção do quati com substâncias não-naturais torna-se uma evidência da interferência humana decorrente da apresentação indireta de produtos de limpeza aos animais. Por outro lado, uma explicação alternativa poderia ser a possível ausência de plantas com propriedades analgésicas no ambiente onde eles vivem, o que os impulsionaria a trocarem a unção com substâncias naturais da floresta por produtos antropogênicos tóxicos. O bem-estar dos quatis ainda é pouco discutido na literatura científica, sendo que o foco principal tem sido a resolução dos conflitos entre os humanos e os animais nas cidades. Isso nos preocupa porque parece que a relação homem-quati está afetando negativamente o bem-estar destes animais muito mais do que poderíamos prever. Por isso, é necessário desenvolver indicadores de bem estar e de saúde para a prática de avaliação do bem-estar dos quatis que vivem em florestas próximas às habitações humanas.
Uma vez que descrevemos o repertório acústico dos quatis Sul-Americanos, estamos agora interessados nos estados afetivos dos indivíduos que realizam o comportamento de unção e em registrar os chamados emitidos em contextos positivos e negativos, e assim detectar indicadores vocais de bem-estar. Além disso, podemos modelar a maneira como os quatis percebem e interagem com seu ambiente por meio do canal de comunicação acústica, aplicando a teoria denominada ‘fonte-filtro’ às suas vocalizações. Essa teoria afirma que as vocalizações dos mamíferos resultam de uma fonte (a laringe) combinada com um filtro (o trato vocal) que enfatizam as frequências vocais (as formantes). Esta teoria prevê ainda a identificação dos parâmetros acústicos relacionados às emoções. Por fim, para decodificarmos a expressão vocal das emoções, podemos analisar as gravações de vocalizações de contextos afiliativos, agonísticos e de estresse dos quatis de vida-livre, coletadas durante as sessões de comportamento de unção com o sabão de cinzas.
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Colaboração: Aline Gasco sobre a autora
Fontes consultadas:
– Artigo científico intitulado “Ring-tailed coatis anointing with soap: A new variation of self-medication culture?”, publicado na revista International Journal of Comparative Psychology em 2016, de autoria de Gasco, A.; Pérez-Acosta, A. e Monticelli, P.;
– Apresentação intitulada “Vocal expression of emotions in contexts of anointing behavior of the ring-tailed coati (Nasua nasua) in Brazil”, de autoria de Gasco, A.; Pérez-Acosta, A. e Monticelli, P. Publicada na conferência virtual pelo Twitter da Animal Behavior Society (ABS) e Association for the Study of Animal Behaviour (ASAB) (#AnimBehav2021) durante os dias 26 e 27 de janeiro de 2021. A conferência virtual pode ser acessada e a apresentação e discussão dos artigos durante a conferência podem ser acessadas nos links.
– Artigo científico intitulado “Anointing variation across wild capuchin populations: A review of material preferences, bout frequency and anointing sociality in Cebus and Sapajus”, publicado na revista American Journal of Primatology em 2012, de autoria de Alfaro, J.; Matthews, L.; Boyette, A.; e colaboradores;
– Artigo científico intitulado “Grooming with Trattinnickia resin: Possible pharmaceutical plant use by coatis in Panama”, publicado na revista Journal of Tropical Ecology em 1993, de autoria de Gompper, M. e Hoylman, A.;
– Artigo científico intitulado “The communicative life of a social carnivore: acoustic repertoire of the ring-tailed coati (Nasua nasua)”, publicado na revista Bioacoustics em 2018, de autoria de Gasco, A.; Ferro, H. e Monticelli, P.
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(Editoração: Fernando Mecca, Priscila Rothier, Beatriz Spinelli e Caio Oliveira)